Após a divulgação do vídeo do sucedido numa aula na Escola Carolina Michaëlis no Porto, reproduzido até à náusea pelas televisões, assistimos agora à reprodução de dezenas de outros, mostrando outras tantas situações semelhantes em salas de aula por todo o país.
Podemos assim concluir que aquele caso não foi isolado, antes um entre tantos, o que dá um novo significado ao sucedido. A publicação daquele vídeo, em si mesma um acto inteiramente condenável, correspondeu ao destapar de uma caixa de Pandora, expondo a toda a sociedade um problema gravíssimo que andava mais ou menos escondido em toda a sua dimensão.
Passados alguns dias, é já possível retirar algumas conclusões, mesmo por um cidadão comum, não especialista em questões educativas, ou violência no meio escolar.
Todos fomos bombardeados com inúmeras análises e teses sobre “indisciplina escolar”, “recuperação da autoridade da escola”, “estatuto do aluno”, “faltas disciplinares”, etc. etc. Foi até possível ouvir justificações da atitude daquela aluna e dos seus colegas, através daquelas análises sociológicas a que já nos vamos habituando, e que dão origem à generalizada desresponsabilização que vai grassando por todo o lado.
As imagens daquele vídeo chocaram-me, no entanto, por algo que não tem sido relevado. Perante a apreensão do seu telemóvel pela professora, a aluna reagiu exactamente da mesma forma que o faria se tivesse sido um colega a tirar-lho. A atitude e a linguagem perante a professora não se distinguem em nada do relacionamento que todos os dias observamos entre jovens daquela idade.
Isto é, para aquela aluna, dentro da sala de aula, a professora está exactamente ao mesmo nível que os seus colegas, não se apercebendo da diferença essencial de papéis entre alunos e professor.
A meu ver, este será o aspecto mais grave de toda esta situação, até por ser o mais difícil de resolver.
As situações pontuais de violência ou indisciplina são ultrapassáveis com recurso ao exercício de autoridade, seja pelos órgãos da escola, seja pelas autoridades judiciárias se a esse ponto for necessário chegar.
Mas a completa falta de formação em termos cívicos patenteadas por aquelas imagens, aquilo a que muitos chamam simplesmente falta de educação, é resultado de muitos anos de abandalhamento e de desistência do papel educador, tanto por muitos pais como por escolas.
Os processos de reformas dos últimos anos também não ajudaram nada ao colocarem nos professores o ónus público da responsabilidade pelo insucesso escolar, retirando-lhes boa parte da respeitabilidade social de que sempre gozaram de forma merecida. Nos últimos tempos os próprios professores também não ajudaram muito, ao adoptarem alguns comportamentos públicos menos próprios da sua condição de educadores, como foi possível ver nas suas últimas manifestações.
Muitos alunos, com deficiente formação de base, digerem esta agitação convencendo-se de que os professores são iguais a eles, não entendendo o erro dessa percepção.
A bem de uma formação educativa completa dos nossos jovens que tão necessária é para o nosso futuro colectivo, espera-se que todos os actores relacionados com estas questões sejam capazes de colocar interesses imediatos de lado e se entendam para inverter o caminho seguido até aqui.
Publicado no Diário de Coimbra em 31 de Março de 2008