Comemoram-se este ano os duzentos anos do nascimento de Richard Wagner. Não haverá na História da Humanidade muitos expoentes culturais que tanta polémica tenham provocado pela sua própria vida e pela criação artística, em vida e durante todo o tempo até aos dias de hoje, embora Wagner tenha morrido em 1883. A sua obra, absolutamente genial, constitui, sem sombra de dúvidas, um marco na História da Música. Mas Wagner não se ficou pela composição musical. Ele próprio escrevia os libretos das suas óperas e tratava de todos os pormenores da encenação. Para obter o som que desejava, inventou mesmo alguns instrumentos musicais. Chegou ao ponto de projectar a sala de espectáculos que considerava ideal para a apresentação das suas obras em Bayreuth, onde ainda hoje se apresenta o Festival que leva o seu nome com encenações que, não raras vezes, provocam escândalo.
A música de Wagner foi utilizada em muitas situações, como por exemplo no filme “Apocalypse Now” de Francis Ford Coppola, o que levou o seu conhecimento a variados públicos. Já o aproveitamento que o regime Nazi fez das suas composições majestosas é difícil de esquecer, não sendo ainda hoje pacífico tocar Wagner em Israel, embora o compositor não tenha qualquer responsabilidade naquela utilização feita por Hitler e seus sequazes, já que morreu mais de quarenta anos antes da subida de Hitler ao poder. O simbolismo é no entanto, tão forte, que a ligação do nazismo à música de Wagner demorará muito tempo a desaparecer, principalmente junto das maiores vítimas, os judeus. Entre outros maestros o grande Daniel Baremboim tem lutado por ultrapassar esse estigma, abordando Wagner regularmente com a sua formação orquestral constituída por jovens músicos israelitas e árabes, o que tem que fazer com muito cuidado e grande tacto.
A mitologia nórdica foi utilizada por Wagner nas suas grandes peças operáticas, de que o Anel do Nibelungo é, talvez, a obra mais emblemática e complexa. O deus central é Wotan, o pai das valquírias, entre as quais Brunnhilde que amava sobre todas as outras. Era um deus também egoísta a um nível superlativo, desleal e volúvel: a sua sede de poder leva-o à total destruição à sua volta.
A simbologia nórdica não terá muito a ver com a nossa base cultural, já que os chamados bárbaros que destruíram o império romano não deixaram por cá grandes influências. Mas o que se tem passado em Portugal nas últimas semanas não deixa de fazer lembrar muito do que se passa nas obras de Wagner, sendo relativamente fácil detectar comportamentos simbolizados pelos personagens wagnerianos. O Anel termina de forma trágica com o Crepúsculo dos Deuses. Façamos votos de que, ao contrário dos deuses da mitologia germânica que agiam apenas por estados de alma, ao menos desta vez sejamos capazes de ultrapassar as dificuldades e os grandes perigos que nos espreitam com bom senso, sentido do bem comum, capacidade de entreajuda e, acima de tudo, racionalidade.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 15 de Julho de 2013
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