segunda-feira, 11 de junho de 2018

Perigo nas ruas e estradas portuguesas



Um artigo recente do jornal espanhol El Pais provocou alguma celeuma entre nós, mostrando mais uma vez a nossa dificuldade em aceitar as críticas que vêm de fora, ainda que certeiras. O artigo abordava a situação algo incompreensível dos fracos resultados da introdução da “carta por pontos” em Portugal em 2016, atendendo às estatísticas da sinistralidade rodoviária e à inexistência de cartas apreendidas. No artigo era feita uma comparação entre o sucedido ao fim de um ano de aplicação da nova legislação em Portugal e em Espanha. Enquanto no país vizinho ao fim do primeiro ano já havia mais de 1.300 condutores sem carta, entre nós nem a um único tal tinha acontecido, o que parece significar um fracasso da adopção desta medida entre nós, como o El Pais aliás afirma.
E não se pense que o sucedido se deve a que a introdução da carta por pontos tenha levado a um melhor cumprimento do código da estrada entre nós. Na realidade, a sinistralidade rodoviária com vítimas, que vinha a diminuir de uma forma consistente em Portugal desde há anos, voltou a subir a partir de 2013 e o número de mortos teve mesmo uma subida trágica de quase 15% no ano de 2017 em que morreram 510 pessoas nas estradas. Olhando para o que se passa com os nossos vizinhos do lado onde há dez vezes mais veículos nas estradas, no ano passado morreram em Espanha 1.200 pessoas nas estradas, o que mostra que, comparativamente, a nossa taxa de mortalidade em acidentes rodoviários é ainda muitíssimo elevada, com a agravante de, em vez de continuar a descer, ter voltado a subir.
A aparente falta de resultados do sistema da “carta de pontos” deve levar-nos a tentar perceber as razões que a justificam. Até porque as faltas que levam à perda de pontos são frequentes no comportamento dos condutores portugueses. Senão, relembremos algumas delas. A maioria das contra-ordenações muito graves dita a perda de 4 pontos, que passa para 5 nos casos de condução sob efeito de álcool com 0,8/1,2 g/l; entre as contra-ordenações muito graves incluem-se a passagem no vermelho nos semáforos, a utilização dos máximos de modo a provocar encandeamento, a passagem de traços contínuos ou mesmo o desrespeito pelos sinais de STOP. Isto é, situações que todos nós vemos acontecerem diariamente; das contra-ordenações graves como não cedência de passagem a peões nas passadeiras ou não utilizar os piscas nas mudanças de direcção punidas com perda de 2 ou 3 pontos nem vale a pena falar tal é a constância da sua prática nas nossas ruas estradas. Isto é, não é pelo cumprimento generalizado das regras do Código da Estrada que os portugueses não perdem pontos das suas cartas de condução e recordo que, à partida, todos os condutores receberam 12 pontos aquando da entrada em vigor do novo sistema.
O artigo do EL País era, de facto, muito crítico para com o comportamento de muitos condutores portugueses. Logo nas primeiras linhas referia que “O português conduz com uma mão no telemóvel e outra no cigarro”. Generalização abusiva e mesmo anedótica, claro está. Mas aqui entre nós: será que alguém pode afirmar nunca ter visto esta mesma situação? Eu já vi alguns condutores fazerem isto mesmo nas ruas de Coimbra sejam homens ou mulheres. E se há algo que vemos mesmo todos os dias, é condutores a conduzir com o telefone numa das mãos, inclusive quando mudam de direcção ou circulam em rotundas, o que tem como imediata consequência a inexistência de piscas que avisem os outros condutores dessas manobras.
A diminuição da sinistralidade rodoviária em Portugal ao longo dos últimos vinte anos é um facto e todos devemos estar satisfeitos com a grande redução do número de mortos nas estradas. Tal deve-se a campanhas de sensibilização eficazes, à melhoria das condições das vias e, certamente, a uma acção mais eficaz das polícias com essa competência.
Há, contudo, dois aspectos muito preocupantes no que diz respeito à sinistralidade rodoviária em Portugal. Um deles é a já descrita inflexão na tendência da sua redução que se verificou no ano passado e que os três primeiros meses deste ano parecem confirmar. O outro é a elevada percentagem de peões entre os mortos nos acidentes. A média europeia é de 11 peões mortos por milhão de habitantes na União Europeia, enquanto em Portugal o valor é de 14. Os peões morrem essencialmente em meio urbano pelo que, se é necessário alertá-los para uma boa utilização das vias, é fundamental que as autarquias locais criem condições de segurança para os peões, defendendo-os adequadamente perante a circulação dos veículos automóveis.

Sem comentários: