No dia 23 de Junho de 2016
os cidadãos do Reino Unido decidiram maioritariamente, em referendo, a saída do
seu país da União Europeia. O referendo tinha sido considerado por muitos
extemporâneo e desnecessário, considerando-se, genericamente, que o seu
resultado seria claramente favorável à permanência na União, à semelhança do
realizado em 1975 que ditou a permanência na então CEE – Comunidade Económica
Europeia. Contudo, o primeiro-ministro conservador David Cameron prometeu, na
campanha eleitoral em que foi eleito em 2013, sem qualquer necessidade real de
o fazer, agendar um referendo sobre a permanência ou saída da EU até 2017. O
resultado do referendo criou uma crise política no Reino Unido que varreu
Cameron do poder, além de criar um enorme problema à própria União Europeia. A
sucessora de Cameron à frente do governo britânico, Theresa May, acionou o Art.
50 do Tratado da União Europeia a 29 de Março de 2017, o que significa que o
prazo de dois anos para a saída da União Europeia terminaria em 30 de Março de
2019, a não ser que o Conselho Europeu, com o acordo do Reino Unido, decidisse
por unanimidade prorrogar esse prazo.
Contudo, as acaloradas
discussões sobre o Brexit que se têm verificado no seio do Reino Unido, bem
como a noção estabelecida na opinião pública de que as negociações se têm
arrastado sem progressos significativos, levaram a questão ao Parlamento
britânico onde, finalmente, se tomou uma decisão definitiva. Foi assim que a
promulgação pela Rainha em 26 de Junho de 2018 da chamada “lei de saída do
Reino Unido da União Europeia” tornou o Brexit irreversível. De acordo com o
texto aprovado na semana passada, após intensos debates na Câmara dos Comuns e
na Câmara dos Lordes, que revogou a lei de adesão do Reino Unido à Comunidade
Europeia em 1973, ficou estabelecido que a saída do Reino Unido da União
Europeia se verificará mesmo às 23 horas do dia 29 de Março de 2019. A lei
aprovada prevê a transferência das normas europeias para o direito britânico, o
que de alguma forma facilita as relações futuras entre o Reino Unido e a União
Europeia e estabelece um procedimento mútuo mínimo, no caso de falharem as
negociações de acordo para a saída, nos termos do Art. 50.
E, na realidade, as
negociações têm sido tudo menos um caminho de sucesso, com todos os
ingredientes para terem um mau fim, seja por um acordo desastroso para o Reino
Unido, seja pela pura e simples inexistência de acordo. Tendo sido o próprio
país que quer sair a estabelecer uma data fixa para que isso suceda, coloca de
parte a hipótese de vir a pedir uma prorrogação do prazo o que, em termos
negociais, significa o tudo ou nada, estando ainda por cima do outro lado da
mesa um conjunto de países que têm que entre eles acordar por unanimidade os
termos finais de qualquer acordo. A falta de acordo, em negociações que duram
há quase dois anos, sugere mesmo que os britânicos nunca perceberam o
funcionamento da União Europeia e a complexidade dos seus processos de decisão.
Percebe-se que o Reino
Unido está claramente desunido relativamente ao Brexit, com a classe política a
corporizar discussões difíceis de compreender. Na semana passada, um dos
defensores governamentais do Brexit, precisamente o ministro dos estrangeiros
Boris Johnson, desdenhou das questões económicas nas negociações do Brexit, de
uma forma inaceitável seja para quem for. Isto num momento em que as
preocupações com as possíveis consequências desastrosas do Brexit para a
economia britânica começam a ser evidentes e sindicatos e patrões se exprimem
publicamente contra a forma como o governo está a negociar. É penoso ver uma
nação com um lastro histórico tão impressionante sentar-se à mesa das
negociações dividida e fazendo espalhafato e voz grossa, mas sem apresentar o
trabalho de casa feito, perante um negociador burocrático mas competente e
consciente de que tem a faca e o queijo na mão.
O cenário montado é tão
complexo que o próprio presidente da Comissão Europeia declarou no início do
Conselho Europeu da semana passada que a União Europeia considera muito
seriamente a hipótese de se chegar a Março do próximo ano sem acordo. Tal
situação seria má para os britânicos, mas igualmente má para o futuro da União
Europeia que passa por momentos penosos de grande dificuldade em obter
consensos em matérias cruciais.
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