A notícia breve surgiu na última página de uma das últimas edições deste jornal. Um casal, vindo de França para passar uns dias de férias com a família, foi encontrado morto, provavelmente devido à intoxicação com monóxido de carbono produzido por uma braseira, enquanto dormiam. Infelizmente é uma notícia que se repete e que toca sempre muito ao autor destas linhas.
Aquando da minha adolescência nos anos
60, a minha família ia de férias para o Algarve na altura uma região ainda
quase desconhecida do turismo de massas. Num desses anos os meus pais
arrendaram uma casa em Portimão, no mês de Agosto, sendo a praia frequentada a
então magnífica Praia da Rocha.
Uma tarde, ao tomar duche depois do
regresso da praia, comecei a sentir tonturas e tentei desligar a água. Não fui
capaz. Rodava as torneiras da água quente e da água fria para um lado e para o outro
sem controlo, não tendo já consciência completa dos movimentos que fazia. Até
que desmaiei e caí no chão da casa de banho. Por sorte, o meu Pai ouviu o ruído
provocado pela queda e retirou-me do compartimento, levando-me para um quarto.
O esquentador de gás, que estava instalado dentro da própria casa de banho,
como era vulgar nesse tempo, tinha uma deficiência de funcionamento e foi produzindo
monóxido de carbono que foi aumentando de concentração na atmosfera do
compartimento sem ventilação. O meu estado de consciência ficou rapidamente
alterado sem que desse conta da causa, dado que o gás é incolor e inodoro. O
monóxido de carbono é um gás altamente tóxico por interferir com a capacidade
do sangue de transportar oxigénio.
Vários minutos se passaram, antes que
fosse possível dispor de uma viatura que me transportasse ao hospital. Foi
nesse intervalo de tempo que passei por uma experiência que calei durante
muitos anos, dado que a sua estranheza me impedia de a contar com facilidade,
mas que hoje já me é possível partilhar, mesmo nas páginas de um jornal.
Tive aquilo a que os autores chamam
“experiência de quase morte - EQM”. No meu caso observei, a partir do tecto do
quarto, a família à minha volta na maior aflição, chamando-me na tentativa de
me acordar, enquanto o meu pai corria a buscar o automóvel. Estava fora do
corpo e via-me a mim mesmo de cima deitado e os familiares em redor. Não sei
quanto tempo durou esse estado, mas terei começado a reagir alguns minutos
depois com o ar da janela aberta do carro, tendo ficado totalmente desperto já
no hospital, com o oxigénio puro a ser-me administrado através do nariz. O
sucedido foi ultrapassado, tendo no entanto deixado uma sequela que consistiu
num notório enfraquecimento da capacidade de memorização que alterou de forma
substancial o funcionamento intelectual, já que estava habituado a uma excelente
memória que, como tal, desapareceu. A vontade de falar sobre o caso com
estranhos nunca foi muito grande e a internet não existia para fazer pesquisas,
pelo que só mais tarde abordei o sucedido com alguém que me pudesse prestar
algum esclarecimento.
Sei hoje que este tipo de experiência é
muito mais frequente do que supunha, havendo outras semelhantes como o
surgimento de um túnel ou de uma luz brilhante. Cientificamente dever-se-á a
uma espécie de alucinação provocada pela falta de oxigenação do cérebro, embora
haja ainda hoje quem creia numa consciência de separação da alma do corpo e
outras justificações mais do tipo religioso. Talvez seja também este um motivo
que leve a que este assunto tenha estado “enterrado” tanto tempo na minha mente,
sem lhe tocar.
Mas o importante é que passar por uma
experiência destas tem duas consequências vivenciais a que não se pode fugir.
Em primeiro lugar, adquire-se a certeza concreta de que só temos uma vida que é
muito frágil e que deve ser vivida plenamente. Depois, ao contrário da prática
da nossa sociedade actual que tende a escondê-la, a morte deixa de ser algo a
temer permanentemente com a consciência de que virá quando tiver que ser, já
que faz tanto parte da nossa existência como o nascimento.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 7 de Janeiro de 2019
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