segunda-feira, 10 de junho de 2019

A SAÚDE IMPORTA


O Estado, seja qual for o quadrante ideológico de onde se observe, tem funções básicas que deve assumir, sob pena de nem ter razão de existência. Uma delas é garantir serviços de saúde a todos os seus cidadãos sem discriminações, independentemente das suas condições socio-económicas ou do local do território nacional onde habitem. E, se outras funções primordiais são garantidas na Constituição sem que ainda hoje não passem do papel, como a habitação condigna e outras, a Saúde foi talvez aquela que o Estado melhor conseguiu cumprir. Imaginar que, por qualquer razão, um cidadão não veja abrir-se-lhe a porta de um hospital para se tratar, é hoje algo de inadmissível em Portugal. É por isso que tenho uma dificuldade muito grande em compreender a facilidade com que se ataca uma das poucas coisas que foram bem conseguidas em Portugal nas últimas dezenas de anos, o Serviço Nacional de Saúde.
Mas, como tudo na vida, o SNS não é algo que se constrói para depois se apreciar de forma estática. Evolui com a sociedade que deve servir. E está, naturalmente, sujeito às flutuações políticas e variação das condições do país desde logo pelas necessidades de financiamento, mas também pela espantosa evolução da medicina e das alterações demográficas com um acentuado envelhecimento da sociedade.
Notoriamente causados pelas escolhas políticas que tentam conciliar reposições de rendimentos com controlo do défice, têm vindo a lume problemas no SNS que não deveriam existir. Se, por um lado, se diz que aumentou em absoluto a verba orçamental destinada ao SNS, por outro lado, essa verba desceu em função do PIB. E essa verba tem que responder à redução do horário das 40 para 35 horas semanais, o que significa um aumento salarial implícito de 12,5%, mas também a necessidade de compensar as horas de trabalho desaparecidas com novo pessoal, o que permite ao governo dizer que aumentou o número de pessoas a trabalhar no SNS. Será verdade, só que não significa qualquer aumento de capacidade de resposta havendo, antes pelo contrário, notícias cada vez mais frequentes de esgotamento de médicos e enfermeiros. Claro que, perante este quadro, teve que haver compensação com diminuição de despesa em algum lado, como as Finanças exigem para mostrar um défice simpático à União Europeia. Essa diminuição entrou por todas as frinchas do SNS através das cativações e da redução radical do investimento, de que a ala pediátrica do Hospital de S. João no Porto é apenas um conspícuo, mas triste e lamentável exemplo. Todos os hospitais do SNS estão a sofrer com os cortes radicais de despesa, seja com adiamentos inadmissíveis nas consultas, tratamentos e cirurgias, inclusive na área da oncologia, seja na necessidade de o SNS recorrer ao resto do Sistema de Saúde, por completa falta de capacidade de resposta. O racionamento nas reparações de equipamentos e mesmo na aquisição dos produtos mais básicos para diagnósticos e tratamentos é um facto que já não se consegue esconder. 
A excessiva centralização da gestão dos hospitais pode garantir o co
ntrolo orçamental, mas tem como consequência uma deterioração da oferta, quer em quantidade quer, pior que isso, em qualidade. E a produtividade confunde-se muitas vezes com controlo de assiduidade, numa demonstração de falta de capacidade de gestão já que, na verdade, quem ainda mantém o SNS a funcionar, apesar de tudo, são os seus trabalhadores que não são escolhidos pela cor política, ao contrário do que cada vez mais se verifica nas chefias.
Perante a actual situação de carências de toda a ordem do SNS, sectores políticos elegeram como prioridade cortar toda a possibilidade de o SNS recorrer a outros sectores do Sistema de Saúde, nomeadamente através de parcerias público-privadas que, nesta área, e ao contrário de outras, até têm dado bons resultados. Estão no seu direito, deverão é ser responsabilizados pela queda da qualidade da oferta de saúde às populações servidas.
O SNS é tão importante para os cidadãos em geral, que direitas e esquerdas estão convocadas para criarem as condições de sustentabilidade que o permitam manter com a maior e melhor capacidade possível, não estragando o que foi resultado de trabalho de tantos.

Publicado originalmente  na edição do Diário de Coimbra de 10 de Junho de 2019

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