O Estado, seja qual for o
quadrante ideológico de onde se observe, tem funções básicas que deve assumir,
sob pena de nem ter razão de existência. Uma delas é garantir serviços de saúde
a todos os seus cidadãos sem discriminações, independentemente das suas
condições socio-económicas ou do local do território nacional onde habitem. E,
se outras funções primordiais são garantidas na Constituição sem que ainda hoje
não passem do papel, como a habitação condigna e outras, a Saúde foi talvez
aquela que o Estado melhor conseguiu cumprir. Imaginar que, por qualquer razão,
um cidadão não veja abrir-se-lhe a porta de um hospital para se tratar, é hoje algo
de inadmissível em Portugal. É por isso que tenho uma dificuldade muito grande
em compreender a facilidade com que se ataca uma das poucas coisas que foram
bem conseguidas em Portugal nas últimas dezenas de anos, o Serviço Nacional de
Saúde.
Mas, como tudo na vida, o
SNS não é algo que se constrói para depois se apreciar de forma estática. Evolui
com a sociedade que deve servir. E está, naturalmente, sujeito às flutuações
políticas e variação das condições do país desde logo pelas necessidades de
financiamento, mas também pela espantosa evolução da medicina e das alterações
demográficas com um acentuado envelhecimento da sociedade.
Notoriamente causados pelas
escolhas políticas que tentam conciliar reposições de rendimentos com controlo
do défice, têm vindo a lume problemas no SNS que não deveriam existir. Se, por
um lado, se diz que aumentou em absoluto a verba orçamental destinada ao SNS,
por outro lado, essa verba desceu em função do PIB. E essa verba tem que
responder à redução do horário das 40 para 35 horas semanais, o que significa
um aumento salarial implícito de 12,5%, mas também a necessidade de compensar
as horas de trabalho desaparecidas com novo pessoal, o que permite ao governo
dizer que aumentou o número de pessoas a trabalhar no SNS. Será verdade, só que
não significa qualquer aumento de capacidade de resposta havendo, antes pelo contrário,
notícias cada vez mais frequentes de esgotamento de médicos e enfermeiros.
Claro que, perante este quadro, teve que haver compensação com diminuição de
despesa em algum lado, como as Finanças exigem para mostrar um défice simpático
à União Europeia. Essa diminuição entrou por todas as frinchas do SNS através
das cativações e da redução radical do investimento, de que a ala pediátrica do
Hospital de S. João no Porto é apenas um conspícuo, mas triste e lamentável
exemplo. Todos os hospitais do SNS estão a sofrer com os cortes radicais de
despesa, seja com adiamentos inadmissíveis nas consultas, tratamentos e cirurgias,
inclusive na área da oncologia, seja na necessidade de o SNS recorrer ao resto
do Sistema de Saúde, por completa falta de capacidade de resposta. O
racionamento nas reparações de equipamentos e mesmo na aquisição dos produtos
mais básicos para diagnósticos e tratamentos é um facto que já não se consegue
esconder.
A excessiva centralização da gestão dos hospitais pode garantir o
co
ntrolo orçamental, mas tem como consequência uma deterioração da oferta, quer
em quantidade quer, pior que isso, em qualidade. E a produtividade confunde-se
muitas vezes com controlo de assiduidade, numa demonstração de falta de capacidade
de gestão já que, na verdade, quem ainda mantém o SNS a funcionar, apesar de
tudo, são os seus trabalhadores que não são escolhidos pela cor política, ao
contrário do que cada vez mais se verifica nas chefias.
Perante a actual situação de
carências de toda a ordem do SNS, sectores políticos elegeram como prioridade
cortar toda a possibilidade de o SNS recorrer a outros sectores do Sistema de
Saúde, nomeadamente através de parcerias público-privadas que, nesta área, e ao
contrário de outras, até têm dado bons resultados. Estão no seu direito,
deverão é ser responsabilizados pela queda da qualidade da oferta de saúde às
populações servidas.
O SNS é tão importante para
os cidadãos em geral, que direitas e esquerdas estão convocadas para criarem as
condições de sustentabilidade que o permitam manter com a maior e melhor
capacidade possível, não estragando o que foi resultado de trabalho de tantos.
Publicado originalmente na edição do Diário de Coimbra de 10 de Junho de 2019
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