terça-feira, 18 de junho de 2019

Clara Ferreira Alves: Ser de direita

 Aqui fica o artigo com o título acima, de Clara Ferreira Alves, na Revista do expresso de sábado passado. Deve ter deixado a arder as orelhas de dirigentes de PSD e CDS, todos muito centristas e a organizar grandes convenções teóricas para fazer algo que cabe numa página A4: um programa de governo.


«Quanto custa ser de direita em Portugal? Em Portugal, toda a gente é de esquerda. Num país desigual, onde a diferença salarial entre patrões e empregados é uma brutalidade, onde os privados não têm tradição mecenática ou comunitária, onde a doação de dinheiro para causas públicas resvala no financiamento dos partidos e clientelas, e onde á autoridade e a responsabilidade são consideradas repressão de uma sacrossanta liberdade inventada pelos portugueses depois de abril que é apenas permissividade e inércia, a esquerda apurou o discurso. O PSD, um partido de centro direita na génese, tudo faz para não ser de direita, e o CDS é tudo menos um partido de direita conservadora clássica. Herdando as características da direita trauliteira do período colonial, o CDS define-se pelo desgosto com as esquerdas e pela irritação com socialistas. Pergunte-se pela política fiscal ou pelas políticas económicas e o que sobra é um ponto de interrogação e muita visitação de feiras e dichotes espirituosos.

Quão difícil é redigir e manter um programa de direita sem ser em situação de bancarrota ou de austeridade e belicosidade impostas pela crise da dívida soberana? Sem perseguir os mais pobres e vulneráveis? O modelo de governo que temos, monárquico numas coisas, populista noutras, pseudoigualitário e incapaz de aperfeiçoar o regime, espelha o nosso modo de ser, a atitude existencial, a de que mais vale mentir do que dizer a verdade, mais vale sobreviver com vício do que sofrer pela virtude. O nosso horror ao confronto. Olhem para as manifestações em Hong Kong contra a mão ditatorial da China e olhem para a corrupção e a vergonha do casino Macau e descubram as diferenças do legado imperial. Nós deixámos a casinha branca e o pastel de nata, eles deixaram a rule of law e o amor da liberdade.

Uma direita conservadora democrática não precisa de ler Hayek ou contraler Keynes. Basta impedir o Estado de controlar tudo e todos, a começar pela economia e os patrões "amigos" da influência e dinheiro do Estado. Basta explicar que a produtividade se obtém quando se respeitam os empregados e se remuneram os empregados e que a participação destes nos lucros e resultados pode resultar em mais lucros em vez da tirania e desqualificação sistemáticas que imperam no sistema de trabalho, onde o ressentimento e o privilégio impedem a saudável progressão capitalista e a ambição é um defeito. O capital não existe sem o trabalho.

Basta aliviar a carga fiscal dos portugueses, explicando que o Estado não pode devorar os rendimentos e que o Estado social é, no futuro, demasiado caro de manter. Precisa de uma reforma de cima para baixo, precisa de instituir novos sistemas de copagamentos, precisa de obrigar os cidadãos a apreciarem e pagarem certos serviços, a participarem no governo local, o do bairro, da terra, precisa de destruir o clientelismo partidário das autarquias e da administração central, precisa de mudar a lei eleitoral e acabar com os deputados de assinatura e banco e cabeças vazios, precisa de abolir os protecionismos da classe social criada pelos partidos depois do 25 de Abril, e que fornece emprego e negócio, precisa de extinguir instituições e institutos inexistentes, precisa de avaliar e regenerar o funcionalismo, diminuindo em vez de aumentar, precisa de usar a inovação tecnológica, precisa de privatizar e contratar com regras, precisa de rever as parcerias com privados, remunerar bem, muito bem, a atividade política para que atraia os melhores e não os que procuram fazer render a política das portas rotativas, precisa de recrutar nas melhores escolas, tal como fazem os privados, instituindo um sistema de mérito que não faça dos medíocres os primeiros-ministros do futuro. Precisa de criar uma escola de governação pública com acesso por mérito, inteligência e disciplina, que estabeleça um programa de mentores de todas as cores políticas e ensine os candidatos a governar em vez de aprenderem quando se sentam nos ministérios.

Precisa de cooperar e dialogar com os bancos de modo a impedir futuras bolhas e futuros polvos como o do BPN, BES e da Caixa Geral de Depósitos, punindo exemplarmente os prevaricadores em vez de os preservar, dotando o Banco de Portugal de um corpo de governadores com moralidade e autoridade em vez de comissários políticos que não viram, não sabiam e não se recordam.





Os poderes corporativos em Portugal nunca foram tão poderosos e falaciosos. Para criar a independência é preciso começar pela autoridade, a responsabilidade e a sanção. É preciso dotar o Tribunal de Contas de poderes efetivos e, em conjugação com a Justiça, de um sistema de punições que ultrapasse a multa e a admoestação. É preciso dotar a Justiça de meios humanos e financeiros que lhe permitam investigar e punir sem pressões o crime económico e não apenas a criminalidade comum, salvando o Estado de direito. É preciso acabar com a disfuncionalidade da lentidão e desorganização, como ter um único juiz na instrução de processos complexos como a 'Operação Marquês'. É combater a alta corrupção em rede com task forces de elite. É preciso preservar a independência dos juízes e não aceder a todas as reivindicações salariais e corporativas, por terror da represália. É preciso dar formação às forças policiais e remuneração adequada, in1pedindo derivações sindicais. É preciso colaborar com os sindicatos, libertando o sindicalismo das garras de um partido para serem emanações dos trabalhadores. É preciso proteger o ambiente e o património, incluindo protegê-lo do turismo predatório e incorporar a ecologia como valor primordial, é preciso acabar com a "cultura'' oficial de gosto, bem comportada e subsidiada. É preciso planear em vez de improvisar. Etc.

É preciso contar a verdade ao povo português. Ou viveremos em perpétua austeridade, vendendo o país ao desbarato e ao Partido Comunista da China, olhem para Hong Kong, deixando de poupar e investir, de cativar os melhores, de preservar a soberania, de funcionar como um país europeu civilizado, de criar laços comunitários fora do Estado, de respeitar a política e os políticos. O povo português, na sua sageza, compreende. Ser de direita não é odiar a esquerda. Nem depender do oráculo de Belém, como aconteceu com Cavaco e vai acontecer com Marcelo. Ser de direita é integrar o primado da liberdade individual no bem nacional

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