Aqui fica o artigo com o título acima, de Clara Ferreira Alves, na Revista do expresso de sábado passado. Deve ter deixado a arder as orelhas de dirigentes de PSD e CDS, todos muito centristas e a organizar grandes convenções teóricas para fazer algo que cabe numa página A4: um programa de governo.
«Quanto custa ser de direita em Portugal? Em Portugal, toda a gente é
de esquerda. Num país desigual, onde a diferença salarial entre patrões
e empregados é uma brutalidade, onde os privados não têm tradição
mecenática ou comunitária, onde a doação de dinheiro para causas
públicas resvala no financiamento dos partidos e clientelas, e onde á
autoridade e a responsabilidade são consideradas repressão de uma
sacrossanta liberdade inventada pelos portugueses depois de abril que é
apenas permissividade e inércia, a esquerda apurou o discurso. O PSD, um
partido de centro direita na génese, tudo faz para não ser de direita, e
o CDS é tudo menos um partido de direita conservadora clássica.
Herdando as características da direita trauliteira do período colonial, o
CDS define-se pelo desgosto com as esquerdas e pela irritação com
socialistas. Pergunte-se pela política fiscal ou pelas políticas
económicas e o que sobra é um ponto de interrogação e muita visitação de
feiras e dichotes espirituosos.
Quão difícil é redigir e manter um programa de direita sem ser em
situação de bancarrota ou de austeridade e belicosidade impostas pela
crise da dívida soberana? Sem perseguir os mais pobres e vulneráveis? O
modelo de governo que temos, monárquico numas coisas, populista noutras,
pseudoigualitário e incapaz de aperfeiçoar o regime, espelha o nosso
modo de ser, a atitude existencial, a de que mais vale mentir do que
dizer a verdade, mais vale sobreviver com vício do que sofrer pela
virtude. O nosso horror ao confronto. Olhem para as manifestações em
Hong Kong contra a mão ditatorial da China e olhem para a corrupção e a
vergonha do casino Macau e descubram as diferenças do legado imperial.
Nós deixámos a casinha branca e o pastel de nata, eles deixaram a rule
of law e o amor da liberdade.
Uma direita conservadora democrática não precisa de ler Hayek ou
contraler Keynes. Basta impedir o Estado de controlar tudo e todos, a
começar pela economia e os patrões "amigos" da influência e dinheiro do
Estado. Basta explicar que a produtividade se obtém quando se respeitam
os empregados e se remuneram os empregados e que a participação destes
nos lucros e resultados pode resultar em mais lucros em vez da tirania e
desqualificação sistemáticas que imperam no sistema de trabalho, onde o
ressentimento e o privilégio impedem a saudável progressão capitalista e
a ambição é um defeito. O capital não existe sem o trabalho.
Basta aliviar a carga fiscal dos portugueses, explicando que o Estado
não pode devorar os rendimentos e que o Estado social é, no futuro,
demasiado caro de manter. Precisa de uma reforma de cima para baixo,
precisa de instituir novos sistemas de copagamentos, precisa de obrigar
os cidadãos a apreciarem e pagarem certos serviços, a participarem no
governo local, o do bairro, da terra, precisa de destruir o clientelismo
partidário das autarquias e da administração central, precisa de mudar a
lei eleitoral e acabar com os deputados de assinatura e banco e cabeças
vazios, precisa de abolir os protecionismos da classe social criada
pelos partidos depois do 25 de Abril, e que fornece emprego e negócio,
precisa de extinguir instituições e institutos inexistentes, precisa de
avaliar e regenerar o funcionalismo, diminuindo em vez de aumentar,
precisa de usar a inovação tecnológica, precisa de privatizar e
contratar com regras, precisa de rever as parcerias com privados,
remunerar bem, muito bem, a atividade política para que atraia os
melhores e não os que procuram fazer render a política das portas
rotativas, precisa de recrutar nas melhores escolas, tal como fazem os
privados, instituindo um sistema de mérito que não faça dos medíocres os
primeiros-ministros do futuro. Precisa de criar uma escola de
governação pública com acesso por mérito, inteligência e disciplina, que
estabeleça um programa de mentores de todas as cores políticas e ensine
os candidatos a governar em vez de aprenderem quando se sentam nos
ministérios.
Precisa de cooperar e dialogar com os bancos de modo a impedir
futuras bolhas e futuros polvos como o do BPN, BES e da Caixa Geral de
Depósitos, punindo exemplarmente os prevaricadores em vez de os
preservar, dotando o Banco de Portugal de um corpo de governadores com
moralidade e autoridade em vez de comissários políticos que não viram,
não sabiam e não se recordam.
Os poderes corporativos em Portugal nunca foram tão poderosos e
falaciosos. Para criar a independência é preciso começar pela
autoridade, a responsabilidade e a sanção. É preciso dotar o Tribunal de
Contas de poderes efetivos e, em conjugação com a Justiça, de um
sistema de punições que ultrapasse a multa e a admoestação. É preciso
dotar a Justiça de meios humanos e financeiros que lhe permitam
investigar e punir sem pressões o crime económico e não apenas a
criminalidade comum, salvando o Estado de direito. É preciso acabar com a
disfuncionalidade da lentidão e desorganização, como ter um único juiz
na instrução de processos complexos como a 'Operação Marquês'. É
combater a alta corrupção em rede com task forces de elite. É preciso
preservar a independência dos juízes e não aceder a todas as
reivindicações salariais e corporativas, por terror da represália. É
preciso dar formação às forças policiais e remuneração adequada,
in1pedindo derivações sindicais. É preciso colaborar com os sindicatos,
libertando o sindicalismo das garras de um partido para serem emanações
dos trabalhadores. É preciso proteger o ambiente e o património,
incluindo protegê-lo do turismo predatório e incorporar a ecologia como
valor primordial, é preciso acabar com a "cultura'' oficial de gosto,
bem comportada e subsidiada. É preciso planear em vez de improvisar.
Etc.
É preciso contar a verdade ao povo português. Ou viveremos em
perpétua austeridade, vendendo o país ao desbarato e ao Partido
Comunista da China, olhem para Hong Kong, deixando de poupar e investir,
de cativar os melhores, de preservar a soberania, de funcionar como um
país europeu civilizado, de criar laços comunitários fora do Estado, de
respeitar a política e os políticos. O povo português, na sua sageza,
compreende. Ser de direita não é odiar a esquerda. Nem depender do
oráculo de Belém, como aconteceu com Cavaco e vai acontecer com Marcelo.
Ser de direita é integrar o primado da liberdade individual no bem
nacional.»
Sem comentários:
Enviar um comentário