segunda-feira, 17 de junho de 2019

SER CONSERVADOR, HOJE


As alterações que estão a acontecer em todo o mundo, surgidas após o fim da chamada “guerra fria” que, bem vistas as coisas, já acabou há trinta anos mas também da globalização que se lhe seguiu e da velocidade com que a tecnologia informática toma conta da economia e do nosso dia-a-dia, sugerem cada vez mais que devemos adoptar uma postura conservadora perante a realidade.
A economia sofreu uma “financeirização” que se traduz num peso crescente do sector financeiro, nomeadamente da banca de investimento, que se afastou há muito das necessidades de financiamento da restante economia para viver de si e para si. E mal se compreende que, perante dificuldades que são da sua própria responsabilidade, a banca seja hoje em dia sistematicamente “salva” pelos impostos dos cidadãos, numa demonstração obscena de “privatização dos lucros e socialização dos prejuízos”. Trata-se de uma das áreas em que é cada vez mais aconselhável adoptarmos uma atitude defensiva, com a noção de que as transformações em curso na banca não estão a trazer benefícios para os cidadãos na sua vida, antes pelo contrário.
Mas as actividades económicas também estão a trilhar caminhos que não são os melhores, favorecendo o desperdício com a generalização do “usar e deitar fora”. Tal é perfeitamente visível no vestuário em que uma poderosa indústria de marketing leva os consumidores a comprar sucessivamente peças que rapidamente deixam de se usar para substituir por outras a que rapidamente acontecerá o mesmo. As necessidades são artificialmente criadas, criando mercados que de outra forma nem existiriam. A roupa de qualidade feita para durar é substituída por roupa comprada à tonelada na China e outros países do Oriente que mal pagam aos operários, muitas vezes crianças. A transição das lojas de rua para os shoppings que, a meu ver erradamente, estão abertos todos os dias da semana, ajudou a este efeito nefasto para toda a gente, excepto para os negociantes deste tipo de roupa que, rapidamente, atingem o patamar das maiores fortunas do mundo.

E o ambiente também sofre com esta evolução. O desperdício gigantesco gerado por este tipo de economia é um peso morto que cada vez custa mais a fazer desaparecer. A chamada “economia circular” é uma designação simpática para algo que sempre se fez, quando as dificuldades económicas eram gerais e era preciso poupar e fazer render tudo, como as pessoas das aldeias bem faziam desde há milénios. A recuperação do conceito, com novas roupagens, é positiva se acompanhada por uma efectiva consciencialização ambiental e não for tomada como mais uma nova forma de manipulação.
O ambiente em que a humanidade se desenvolveu e cresceu já não tem nada a ver com o que era e isso deve-se, essencialmente, à acção do homem. A obrigação de todos nós, dentro das nossas possibilidades, é tentar que as gerações vindouras venham a ter, pelo menos, a qualidade ambiental que recebemos; a apropriação da defesa do ambiente por parte de algumas posições ideológicas é mais uma das contradições do nosso tempo, que temos de denunciar porque contrária a toda a prática efectiva, como foi possível verificar pelo altíssimo grau de poluição ambiental existente em toda a Europa oriental aquando da libertação democrática.
A revolução das tecnologias de informação em curso pode significar uma das maiores ameaças à liberdade individual. As redes sociais e a Google parecem muito simpáticas mas, às escondidas, já sabem mais sobre nós, os nossos hábitos e as nossas necessidades do que nós próprios. E transformam essa informação em dinheiro, para eles, claro, enquanto nos vão transformando em marionetas formatadas e controladas à distância.
O respeito pelo passado significa preocupação e também respeito pelos que virão depois de nós. Não podemos ter complexos relativamente à denúncia do que está actualmente terrivelmente mal e que está a estragar o que havia e ainda há de bom.
E será a Cultura, que não tem a ver com a poderosa indústria do entretenimento nem com a massificação do turismo, que nos dará as chaves da lucidez perante os actuais desafios, que não podem ser enfrentados com as dicotomias políticas a que estamos habituados, porque transversais à sociedade.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 17 de Junho de 2019

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