Se me perguntarem se gosto
do prédio Coutinho em Viana do Castelo, respondo que não gosto, mas que considero
haver muito piores por esse país fora, em termos de desenho arquitectónico e
ainda que gostos não se discutem, pelo que o gosto pessoal não deve ser imposto
por ninguém, nem (ou muito menos) por políticos. Aliás, o gosto tem variado
tanto e tão rapidamente em arquitectura ao longo dos tempos, que muitos
edifícios que são hoje monumentos classificados nunca existiriam se os autores
se tivessem cingido à “moda” da época em que foram construídos. O leitor gosta
da sede mastodôntica da CGD em Lisboa?
Se me perguntarem se está
bem enquadrado, responderei que não, à semelhança de outros em muitas das
cidades portuguesas. A começar, em Lisboa, pelas Amoreiras e os novos edifícios
à beira-Tejo como a Fundação Champalimaud e hotéis vizinhos ou aquela coisa
urbanística que a Câmara da capital quer aprovar para o quarteirão da
Portugália. E o que dizer dos edifícios da Segurança Social em Aveiro e em
Viseu?
Um Estado de Direito
pressupõe direitos dos cidadãos como por exemplo, poderem contar que o Estado
defenderá os seus direitos adquiridos, nomeadamente aqueles que o próprio
Estado transmite. E que os garantirá perante mudanças de gosto dos governantes.
E esses direitos são
adquiridos, por exemplo, quando se referem a edificações aprovadas de acordo
com as inúmeras regras, locais e nacionais, existentes para o efeito, quando a sua
construção deu origem a licença de utilização e as fracções resultantes foram
devidamente registadas em Conservatória, passaram a ter artigos nas Finanças e
começaram a dar origem a pagamento das respectivas contribuições. A alteração radical
de uma situação destas só se deveria poder verificar com uma causa advinda,
como fosse o surgimento de uma falta de segurança imprevista, abandono durante
largo período com consequências ambientais ou outras, ou então por um evidente
interesse superior público justificativo de expropriação.
Nada disto se passou com o
prédio Coutinho, só por um desvio grave de interpretação da lei se podendo
argumentar com o gosto ou má localização. Mas foi isto que se passou quando a
Sociedade Polis de Viana do Castelo há cerca de 20 anos decidiu que o prédio
Coutinho tinha que ser demolido. À altura, o então ministro do Ambiente que
aprovou esta decisão ditando início do processo, tinha em construção a sua
imagem de político modernaço e determinado (que viria a evoluir para puro
autoritarismo) e chamava-se José Sócrates. Foi então estabelecido um prazo para
a demolição do prédio Coutinho e colocado mesmo um relógio na rua a contar o
tempo regressivamente. Data definida para a demolição: 2003.
Estamos em 2019, estima-se
agora que a demolição deste prédio vai custar aos contribuintes a nada módica
maquia de 35 milhões de euros e podemos assistir pelas televisões à triste
novela da saída dos últimos moradores do prédio, que nunca compreenderam nem
aceitaram as razões para lhes retirarem as casas que compraram dentro de toda a
legalidade. Com algum espanto sabe-se que, com a súbita pressa agora surgida, a
própria Câmara procedeu ao corte de energia eléctrica ao prédio,
substituindo-se ao fornecedor de energia, à margem da lei, voltando a repor a
energia novamente sem segurança, como resultado de uma ordem do tribunal.
Claro que todo o processo
que agora culmina com a saída dos últimos moradores foi sustentado em decisões
do Estado cumpridoras da letra da Lei, desde o acto administrativo da
Declaração de Utilidade Pública até às decisões de indemnização em Tribunal,
não estando isso em discussão. O que nestas linhas se contesta é a razão
primeira para o início do processo e acusa-se o Estado de incoerência e
consequente malfeitoria a cidadãos gravemente penalizados nas suas vidas sem
qualquer culpa no processo, antes tendo cumprido todas as regras ditadas pelo
próprio Estado que, a certa altura, decidiu alterá-las por puro arbítrio
político.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 8 de Julho de 2019
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