segunda-feira, 9 de março de 2020

COIMBRA, CIDADE RÉGIA (parte 1 de 3)


Tudo começou pelo princípio, que é por onde as boas histórias devem começar. Quem lhe deu início foi, precisamente, D. Afonso Henriques. O nosso rei primeiro terá nascido em Coimbra ou em Viseu, havendo bons defensores das duas teses. De acordo com o seu biógrafo José Mattoso, os últimos elementos históricos disponíveis levam a que se incline para Viseu, porém sem grandes certezas, pelo que a hipótese coimbrã não se deve descartar. Mas de algo podemos estar certos. Por esta ou aquela razão, a que não será alheia a antiga história das rivalidades entre a velha nobreza de entre Douro e Minho e a galega personificada pelos Trava ao lado de sua Mãe D. Teresa, o que é certo é que D. Afonso Henriques, após S. Mamede, se virou para Sul. Coimbra, na fronteira do Condado Portucalense com o território islâmico, era concelho reconhecido desde 1111 pelo seu Pai o Conde D. Henrique o qual aliás, ali passou boa parte da sua vida, juntamente com D. Teresa. D. Afonso I para lá levou os seus companheiros em 1131, constituindo uma Corte e transformando essa cidade na primeira capital do novo reino, que seria o seu. Assim, Coimbra passou a ser a primeira capital portuguesa e ficou umbilicalmente ligada à fundação do país e, em particular, a toda a dinastia que historicamente ficou conhecida como sendo a primeira, ou de Borgonha, denunciando a íntima ligação à Europa do reino nascente. As pedras da Cidade são, ainda hoje, o testemunho palpável desses tempos e memória das pessoas que estiveram directamente ligadas ao seu início. Diz-se que a Roma de hoje é o resultado de pelo menos sete camadas de épocas históricas, ou Romas diferentes, cada uma delas permitindo uma viagem própria no tempo, no mesmo espaço geográfico. Coimbra abriga também várias eras de grande interesse histórico que correspondem a diferentes povos, culturas e vivências, mesmo muito antes de os Fenícios com muita probabilidade aqui terem chegado nos seus barcos subindo o rio até aos dias de hoje, passando pelos Romanos, Visigodos, Muçulmanos e sabe-se lá quem mais. O Rio Mondego ditou a sua localização; permitindo a navegação desde a sua foz para montante até surgir o primeiro sério obstáculo natural, precisamente o morro onde seria construída a Aeminium romana, ou Ermínio visigoda, ou Conimbria do século X, a Coimbra dos nossos dias.
 Para trás de Coimbra começavam as montanhas difíceis de ultrapassar para todos, até para o Rio que a partir daí adquiria um temperamento diferente, mais selvagem e difícil de ser navegado. Este ensaio propõe-se proporcionar aos seus leitores um roteiro leve que estabeleça a ligação entre as pedras que até nós chegaram e as pessoas concretas com elas relacionadas, entre os séculos XII e XIV, isto é, desde D. Afonso Henriques até à realização das Cortes de Coimbra em 1385. Foi a época da COIMBRA, CIDADE RÉGIA.
A primeira pedra de Santa Cruz foi lançada em 28 de Junho de 1131 por Telo e João Peculiar com o apoio expresso e grande protecção de D. Afonso I, tendo o seu primeiro prior sido Teotónio. Conta-se que o primeiro rei deu os “banhos régios” às portas de Coimbra àqueles monges viajados e de excepcional cultura em troca de uma célebre e magnífica sela de montar que Telo havia comprado anos antes em Montpellier. A importância religiosa e cultural de Santa Cruz ficou desde o início marcada pela amizade entre o seu prior S. Teotónio e S. Bernardo de Claraval. Como prova dessa amizade e consideração, S. Bernardo enviou mesmo o seu báculo a S. Teotónio, o qual está guardado no Museu Machado de Castro. 
O Mosteiro de Santa Cruz seria, durante séculos, escola de uma importância extraordinária, não só para os frades, mas também para a sociedade civil e os nobres que lá estudavam. Numa feliz e rara continuidade histórica, Santa Cruz é repositório dos restos mortais de D. Afonso Henriques. Na mesma capela, em Santa Cruz, descansam os restos mortais de D. Sancho I nascido em Coimbra em Novembro de 1154.
(continua na próxima semana)

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Março de 2020

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