Tudo começou
pelo princípio, que é por onde as boas histórias devem começar. Quem lhe deu
início foi, precisamente, D. Afonso Henriques. O nosso rei primeiro terá
nascido em Coimbra ou em Viseu, havendo bons defensores das duas teses. De
acordo com o seu biógrafo José Mattoso, os últimos elementos históricos
disponíveis levam a que se incline para Viseu, porém sem grandes certezas, pelo
que a hipótese coimbrã não se deve descartar. Mas de algo podemos estar certos.
Por esta ou aquela razão, a que não será alheia a antiga história das
rivalidades entre a velha nobreza de entre Douro e Minho e a galega
personificada pelos Trava ao lado de sua Mãe D. Teresa, o que é certo é que D.
Afonso Henriques, após S. Mamede, se virou para Sul. Coimbra, na fronteira do Condado
Portucalense com o território islâmico, era concelho reconhecido desde 1111
pelo seu Pai o Conde D. Henrique o qual aliás, ali passou boa parte da sua
vida, juntamente com D. Teresa. D. Afonso I para lá levou os seus companheiros
em 1131, constituindo uma Corte e transformando essa cidade na primeira capital
do novo reino, que seria o seu. Assim, Coimbra passou a ser a primeira capital
portuguesa e ficou umbilicalmente ligada à fundação do país e, em particular, a
toda a dinastia que historicamente ficou conhecida como sendo a primeira, ou de
Borgonha, denunciando a íntima ligação à Europa do reino nascente. As pedras da
Cidade são, ainda hoje, o testemunho palpável desses tempos e memória das
pessoas que estiveram directamente ligadas ao seu início. Diz-se que a Roma de
hoje é o resultado de pelo menos sete camadas de épocas históricas, ou Romas
diferentes, cada uma delas permitindo uma viagem própria no tempo, no mesmo
espaço geográfico. Coimbra abriga também várias eras de grande interesse
histórico que correspondem a diferentes povos, culturas e vivências, mesmo
muito antes de os Fenícios com muita probabilidade aqui terem chegado nos seus
barcos subindo o rio até aos dias de hoje, passando pelos Romanos, Visigodos,
Muçulmanos e sabe-se lá quem mais. O Rio Mondego ditou a sua localização;
permitindo a navegação desde a sua foz para montante até surgir o primeiro
sério obstáculo natural, precisamente o morro onde seria construída a Aeminium
romana, ou Ermínio visigoda, ou Conimbria do século X, a Coimbra dos nossos
dias.
Para trás de Coimbra começavam as montanhas difíceis de ultrapassar para
todos, até para o Rio que a partir daí adquiria um temperamento diferente, mais
selvagem e difícil de ser navegado. Este ensaio propõe-se proporcionar aos seus
leitores um roteiro leve que estabeleça a ligação entre as pedras que até nós
chegaram e as pessoas concretas com elas relacionadas, entre os séculos XII e
XIV, isto é, desde D. Afonso Henriques até à realização das Cortes de Coimbra
em 1385. Foi a época da COIMBRA, CIDADE RÉGIA.
A primeira pedra
de Santa Cruz foi lançada em 28 de Junho de 1131 por Telo e João Peculiar com o
apoio expresso e grande protecção de D. Afonso I, tendo o seu primeiro prior
sido Teotónio. Conta-se que o primeiro rei deu os “banhos régios” às portas de
Coimbra àqueles monges viajados e de excepcional cultura em troca de uma
célebre e magnífica sela de montar que Telo havia comprado anos antes em
Montpellier. A importância religiosa e cultural de Santa Cruz ficou desde o
início marcada pela amizade entre o seu prior S. Teotónio e S. Bernardo de
Claraval. Como prova dessa amizade e consideração, S. Bernardo enviou mesmo o
seu báculo a S. Teotónio, o qual está guardado no Museu Machado de Castro.
O
Mosteiro de Santa Cruz seria, durante séculos, escola de uma importância
extraordinária, não só para os frades, mas também para a sociedade civil e os
nobres que lá estudavam. Numa feliz e rara continuidade histórica, Santa Cruz é
repositório dos restos mortais de D. Afonso Henriques. Na mesma capela, em
Santa Cruz, descansam os restos mortais de D. Sancho I nascido em Coimbra em
Novembro de 1154.
(continua na próxima
semana)Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Março de 2020
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