segunda-feira, 23 de março de 2020

COIMBRA, CIDADE RÉGIA (parte 3 de 3)


A D. Dinis sucedeu o filho Afonso nascido em Coimbra em 1291. D. Afonso IV ficou conhecido como “O Bravo”, tendo dado uma ajuda importante na derrota histórica dos mouros na Batalha do Salado travada no Sul de Espanha, conjuntamente com Afonso XI de Castela, seu genro. Os acontecimentos da história dos amores de Pedro e Inês, passaram-se durante o seu reinado. O seu filho Pedro, príncipe herdeiro, nascido em Coimbra em 1320, casado com D. Constança, tomou-se de amores com uma aia galega de sua mulher, D. Inês de Castro. Após a morte de D. Constança ao dar à luz o filho e futuro rei Fernando em Outubro de 1345, D. Pedro veio a estabelecer-se em Coimbra com Inês, com quem veio a ter três filhos. Mas as intrigas da corte, tendo em conta a situação da ligação do Príncipe e o poder da família de Inês, levaram o Rei D. Afonso IV a decidir a sua morte, o que veio a suceder em Janeiro de 1355 no Paço de Sta. Clara, onde hoje se situa a Quinta das Lágrimas. Depois de se tornar rei, por morte de seu pai ocorrida em 1357, D. Pedro legitimou os filhos através da Declaração de Cantanhede em que afirmou ter casado secretamente com D. Inês em 1354 que, assim, foi rainha depois de morta.
D. Fernando I nasceu igualmente em Coimbra, mandou reforçar a muralha da cidade e construir novas torres, acreditando-se que entre elas estará a de Almedina junto da porta principal da Cidade com o mesmo nome. A linha dinástica de Borgonha terminou com a morte de D. Fernando em 1383 com apenas 37 anos, uma vez que a sua única filha legítima D. Beatriz de Portugal, também nascida em Coimbra, casou com D. João I, Rei de Castela. Seguiu-se a crise de 1383/1385 durante a qual os revoltosos portugueses contra a integração de Portugal no reino de Castela apoiaram D. João Mestre de Avis, filho ilegítimo de D. Pedro I e, portanto, irmão de D. Fernando, escolhido e aclamado como Rei nas Cortes de Coimbra de Abril de 1385.
Por fim, toda a Primeira Dinastia está ligada ao Paço Real que, a partir de 1131, foi residência quase permanente dos reis de Portugal desde D. Afonso Henriques, que aqui casou em 1146 com D. Mafalda de Sabóia, até D. Afonso III. Antes da monarquia portuguesa já os Paços da Alcáçova haviam sido morada dos primitivos condes e governadores de Coimbra.
A origem da Alcáçova remonta ao domínio muçulmano, tendo sido mandada edificar nos finais do séc. X por Almançor que, pela segunda e última vez, conquistou a cidade para os muçulmanos em 987. Com a possível ou mesmo provável excepção de D. Afonso Henriques, quase todos os monarcas da casa de Borgonha nasceram no Paço Real da Alcáçova, aí alguns morreram e muitos reis e príncipes lá celebraram os seus casamentos. Apenas D. Pedro, como à data do seu nascimento ainda governava seu Avô D. Dinis que ocupava o Paço Real, terá nascido na morada conimbricense de seu pai, o futuro Rei D. Afonso IV, num misterioso “Alcácer de a par de S. Lourenço”. Aqui se verificou mesmo um rapto, o de D. Mécia mulher de D. Sancho II, durante as guerras civis que levaram ao exílio do Rei para ser substituído pelo seu irmão conde de Bolonha e Rei D. Afonso III.
A primeira dinastia portuguesa começou e terminou no Paço Real da Alcáçova, já que as Cortes de Coimbra de 1385 também tiveram aí lugar. Depois de 1537, o Paço Real viria a albergar definitivamente a Universidade de Coimbra, sofrendo profundas transformações ao longo dos séculos até ser o símbolo maior da Coimbra dos dias de hoje. Coimbra não é já a CIDADE RÉGIA que foi, mas sim a Cidade que muitos de nós amamos e queremos ver progressiva, agarrando o futuro com as duas mãos, mas não desprezando o passado, antes pelo contrário conhecendo-o e compreendendo-o em todos os aspectos, porque “só podemos amar o que conhecemos”. 

(Terceira e última parte de um ensaio, submetido ao Prémio Adriano Lucas de 2019, sobre as pessoas e as pedras que ligam directamente Coimbra à primeira Dinastia Portuguesa, cumprimentando a amiga e colega Isabel Anjinho pela partilha do título) 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 23 de Março de 2020

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