Artigo de Ramon O’Callaghan, "dean" da Business Scool do Porto, mo Negócios de 1 Julho 2020, a ler com muita atenção para entender melhor o que se passa na União Europeia:
« No Financial Times de 16 de junho, Mark Rutte,
o primeiro-ministro holandês e os líderes da Áustria, Dinamarca e
Suécia publicaram um artigo apelando para um “nível realista de
despesas” e para que todo este dinheiro seja um empréstimo, não uma
doação.
A chanceler alemã e o Presidente francês querem dar 500 mil milhões
de euros aos países da UE mais afetados economicamente pelo “lockdown”
da covid-19, especialmente os do Sul da Europa. Pretende-se que este
fundo constitua uma doação incondicional. Com ele, a Alemanha está “a
atravessar o Rubicão”. Pela primeira vez, está disposta a transferir
dinheiro para o Sul da Europa. Embora a maioria dos Estados-membros da
UE pareça apoiar a proposta, os chamados “Quatro Frugais” (Áustria,
Dinamarca, Holanda e Suécia) estão contra.
Um
artigo recente na revista holandesa Elsevier argumenta que esta
proposta é perversa, pois os países do Sul da Europa (particularmente
França e Itália) não são, de modo algum, pobres e têm acesso a dinheiro.
De acordo com o Credit Suisse Global Wealth Report (a referência no que
toca à avaliação de riqueza doméstica global), os alemães são menos
ricos do que os franceses e os italianos. A riqueza média dos franceses é
de 276.121 euros, e a dos italianos é de 234.139 euros. Mas para os
alemães é de 216.654 euros. Assim, os alemães são, em média, mais pobres
do que os franceses e os italianos. Os holandeses são um pouco mais
ricos (279. 077 euros).
De acordo com a mesma revista, o que os holandeses acham mais
estranho é a acusação do Presidente francês, Emmanuel Macron, e do
primeiro-ministro italiano, Guiseppe Conte, de que a Europa do Norte não
é solidária. Isto é um disparate. A Alemanha sempre foi um contribuinte
líquido para a União Europeia e para os seus antecessores. E a Holanda
é, per capita, o maior contribuinte líquido para o orçamento da UE.
A
somar a isto, afirmam, o dinheiro está a ser transferido dos
aforradores para os devedores. O Banco Central Europeu mantém as taxas
de juro baixas e imprime dinheiro a uma escala sem precedentes, o que
prejudica os aforradores e favorece os devedores. Na Alemanha e nos
Países Baixos, por exemplo, a maioria dos empregados tem pensões
privadas. Estas pensões estão a perder valor. Enquanto as pensões e
poupanças do Norte da Europa estão a sofrer, os devedores estão a
beneficiar, especialmente os países do Sul com uma elevada dívida
nacional.
Assim, os holandeses argumentam que é a
solidariedade do Sul que está a falhar. Os acordos da UE no Pacto de
Crescimento e Estabilidade têm sido sistematicamente violados pelo Sul.
Desde a introdução do euro em 1999, França e Itália nunca cumpriram. A
dívida italiana aumentou de 113% para 137% do PIB. Deveria ter caído
para 60%. E França, que tinha uma dívida nacional de cerca de 60% quando
o euro foi introduzido, tem agora uma dívida de 100%. Como guardiã das
regras, a Comissão Europeia deveria ter distribuído multas, mas nunca o
fez sob pressão de França e de Itália. Em contraste, as dívidas
nacionais da Alemanha, dos Países Baixos e dos países escandinavos
sempre foram cerca de 60% ou menos (exceto temporariamente, durante a
crise financeira de 2008).
Os norte-europeus pagam mais
contribuições para as pensões e os impostos, e gozam de menos anos de
reforma. Durante a sua vida, os holandeses trabalham em média 41 anos,
os suecos 42,9 anos, os alemães 39,1, os dinamarqueses, 40 anos, relata o
Eurostat. Em França, a média é de 35,4 anos, e em Itália 32. Os
holandeses trabalham em média 39 horas por semana, enquanto os franceses
trabalham a mais curta em toda a Europa: apenas 35 horas. Assim, a
produtividade laboral dos holandeses e alemães é 25% mais elevada do que
em Itália. Em suma, os europeus do Norte trabalham com mais frequência e
mais anos.
O IMD acaba de publicar os resultados do
Ranking Mundial de Competitividade 2020. O ranking baseia-se em muitos
fatores, incluindo a produtividade, e é realizado em colaboração com
institutos parceiros em diferentes países. Em Portugal, a parceira é a
Porto Business School. Neste ranking global, “os Quatro Frugais” ocupam
as posições cimeiras: Dinamarca - 2.º posição, seguida de Holanda (4.º),
Suécia (6.º), e Áustria (16.º). A estes seguem-se a Alemanha (17.º
lugar), França (32.º), Espanha (36.º), Portugal (37.º), e Itália (44.º).
Não é pois, surpreendente que os “Quatro Frugais” sejam contra a
atribuição deste dinheiro as europeus do Sul, que são menos produtivos e
se reformam mais cedo.
No Financial Times de 16 de junho,
Mark Rutte, o primeiro-ministro holandês e os líderes da Áustria,
Dinamarca e Suécia publicaram um artigo apelando para um “nível realista
de despesas” e para que todo este dinheiro seja um empréstimo, não uma
doação, dizendo o seguinte:
“Como pode ser responsável
gastar 500 mil milhões de euros de dinheiro, de repente, e enviar a
conta para o futuro? Parte da recente proposta da Comissão Europeia
baseia-se em encontrar novas formas de financiamento. Mas não existe
dinheiro novo ou fresco. (...) quando pedimos dinheiro emprestado, em
conjunto, na UE, a forma correta de utilizar esse dinheiro é convertê-lo
em empréstimos para aqueles que realmente precisam deles, nas melhores
condições possíveis”.
Os “quatro frugais” não se veem como
mesquinhos, preferem antes ser vistos como os “quatro sensatos”.
Compreendem que os trabalhadores da Volvo na Suécia e da Philips nos
Países Baixos dependem do desenvolvimento económico no Sul. Quanto mais
fortes forem as economias italiana e espanhola, melhor para a Dinamarca,
Áustria, Suécia e Holanda. E vice-versa. Apoiam a criação de um fundo
de recuperação de emergência limitado no tempo para atingir aqueles que
foram mais duramente atingidos pela crise da covid-19. Mas já disseram
“não” ao plano Merkel-Macron e fizeram uma contraproposta: empréstimos
para os próximos dois anos com o compromisso de reformas fortes e a
garantia de proteção contra a fraude.
Em última análise,
na perspetiva destes países, os problemas dos países do Sul da Europa
deveriam ser resolvidos pelos próprios, aumentando a idade da reforma,
tornando o mercado de trabalho mais flexível, simplificando a criação de
empresas, melhorando a competitividade. Os cidadãos e os políticos do
Sul não devem amaldiçoar os do Norte porque se recusam a “dar dinheiro”.
Os empréstimos podem ser utilizados para investimentos orientados para
necessidades reais e acompanhados por reformas que podem ajudar a
relançar a economia e torná-la mais forte e mais resistente para o
futuro. Abraçar a transformação verde e digital será também essencial
para avançar depois do coronavírus, para fomentar o crescimento e a
criação de emprego e para permitir o reembolso de empréstimos, em linha
com princípios económicos sólidos.»
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