Num dia destes chamou-me a atenção, no ginásio que frequento, uma jovem nos seus trintas, com boa parte da cabeça coberta por cabelos brancos que contrastavam fortemente com o resto do cabelo ainda bem preto. Na realidade, apenas a juventude estabelecia diferença relativamente à maioria das mulheres mais velhas frequentadoras do ginásio onde, tal como sucede no resto da sociedade, muitas mulheres escolhem hoje não pintar o cabelo.
Trata-se de uma alteração social recente que, eventualmente, surge como uma das numerosas mudanças trazidas pelo confinamento provocado pela pandemia do COVID-19. De facto, a ida aos cabeleireiros tornou-se muito mais rara, aliás com consequências muito sérias ao nível dessa actividade económica.
Mas essa não será a principal razão por que muitas mulheres deixaram de pintar o cabelo, quer frequentem ou não o cabeleireiro com a mesma regularidade de antes. Há, notoriamente, uma escolha deliberada por assumir um dos sinais típicos da passagem dos anos por todos nós, homens e mulheres.
Que fique claro que não estou, nem de perto nem de longe, a fazer alguma crítica às pessoas que escolhem pintar os seus cabelos quando começam a aparecer as primeiras cãs. Também estão no pleno direito de fazer as suas escolhas e terão as suas razões para as assumir. Além disso, se as mudanças sociais das últimas dezenas de anos trouxeram alguma vantagem, é precisamente a de aceitar as escolhas pessoais aos mais diversos níveis.
Mas assumir os cabelos brancos traz, em si, uma capacidade de afirmação social de relevo, para além da beleza própria dos cabelos prateados e do seu significado. Lembro-me de artistas célebres que sempre assumiram os seus cabelos brancos quando eles surgiram, não diminuindo em nada o seu encanto pessoal, muito antes pelo contrário. Por exemplo, para referir algumas das minhas artistas preferidas, a célebre cantora folk americana Emmylou Harris surgiu, a certa altura, com uma nova beleza que nada fica a dever à que tinha enquanto jovem. Ou a excelente atriz britânica Helen Mirren que surge tão estonteante nos dias actuais como quando actuava na Royal Shakespeare Company nos já longínquos anos 70.E, se a minha própria filha já apresenta orgulhosamente os seus cabelos brancos ao começar os seus quarentas, a que propósito o seu pai iria esconder os seus quase setenta, disfarçando os anos já vividos? Na realidade os cabelos brancos podem aparecer numa idade avançada ou mesmo nunca, mas também podem surgir em pessoas bem mais novas. Poderá tal facto ser fruto de dificuldades da vida que fazem com que os trabalhos de cada ano sejam equivalentes a vários anos descansados. E assumir isso mesmo também só faz ressaltar uma personalidade forte e uma excepcional capacidade de resistir às pressões e dificuldades, o que em si mesmo já é notável.
Acontece ainda que esta evidente mudança significa ainda uma alteração comportamental social da maior relevância. Ao afirmarem-se com os seus cabelos prateados as pessoas mostram que se consideram como elementos activos e importantes na sociedade, longe de se andarem a esconder seja de que maneira for. Não apenas pela experiência adquirida ao longo das suas vidas, o que já por si é um valor inestimável, mas também por serem quem são e não um peso morto. Na realidade, mostram que podem ter um papel social de relevo e com elevadas vantagens para toda uma sociedade que passa por momentos de evidentes dificuldades de organização e mesmo definição de objectivos concretos.
E um cabelo prateado bem cuidado usado com orgulho é também sexy, já que pode, por si mesmo atrair o outro, podendo vir a somar-se a outros eventuais atributos físicos pessoais indo, contudo mais além pela capacidade evidente dos aspectos psicológicos que se somam assim aos outros.
Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 10 de Abril de 2023
Imagens retiradas da internet
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