No início deste Agosto que, ao contrário do que alguns ambientalistas nos avisaram, tem sido entre nós dos mais frios dos últimos anos, na outra extremidade desta Europa que teima em não ultrapassar a História eclodiu uma guerra, para espanto de muitos.
Aquela Geórgia que os antigos Gregos, por estarem aproximadamente equidistantes de uma e outra, chamavam de Ibéria oriental foi invadida pela Rússia, originando uma guerra que se saldou em milhares de mortos e no habitual cortejo de sofrimento das populações civis.
Recordo alguns factos:
- Quando em 1989 a União Soviética implodiu, e em consequência vários países que a integravam se tornaram independentes, a Geórgia foi um deles, tendo a região chamada Ossétia ficado dividida, entre a Ossétia do Norte, russa, e a Ossétia do Sul, georgiana.
- Nessa altura a Ossétia do Sul, com apenas 3.900 km2 e 70 mil habitantes, também se proclamou independente, mas os separatistas acabaram por assinar um cessar-fogo com a Geórgia em 1992.
- Quando a Ossétia do Sul proclamou a sua independência, nenhum país membro da Organização das Nações Unidas, incluindo a Federação Russa, a reconheceu como tal, continuando a ser considerada como parte integrante da Geórgia.
- A Geórgia é atravessada pelo único “pipeline” da região que não é controlado pela Rússia; este oleoduto vindo do Azerbeijão passa a sul da capital Tbilisi, entrando de seguida na Turquia, evitando o território da Arménia.
- A Geórgia pediu a sua adesão à NATO, estando o pedido pendente, após uma primeira recusa em Março deste ano pelos votos contra da Alemanha e da França.
Foi neste contexto que, após meses de extrema pressão militar por parte da Rússia, o presidente da Geórgia mandou avançar as forças armadas do país para controlar o território da Ossétia do Sul, que faz parte integrante da Geórgia. De imediato a Rússia invadiu não só a Ossétia do Sul mas grande parte do território da Geórgia, bombardeando alvos civis, incluindo a cidade de Gori.
Com muita lentidão, a União Europeia lá acabou por reagir, tendo havido conversações que se espera que venham a conduzir à retirada total das forças russas do território georgiano.
Curiosamente, esta agressividade russa que significa o ressurgimento do velho urso russo após o fim do período comunista, foi entre nós saudada com alguma satisfação e manifestações de apoio por parte de antigos “compagnons de route” da ex-URSS. Desenganem-se: não são os velhos camaradas a regressar, apesar do passado KGB de Putin, mas o velho imperialismo russo que se pretende afirmar, bem anterior ao período soviético, fundamentalmente através da reconquista territorial do que entende ser a sua “área de influência” e da dominação energética da União Europeia.
A maneira como a União Europeia resolver esta questão virá a influenciar de forma decisiva o seu futuro, talvez muito mais do que o futuro do Tratado de Lisboa. Os europeístas deverão estar unidos e perceber a estratégia energética da Rússia que compra muitos aliados dentro da UE, designadamente através da Gazprom, como o triste caso do ex-Chanceler alemão Gerhard Schröder exemplifica.
Publicado no Diário de Coimbra em 25 de Agosto de 2008