segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Em democracia, os melhores também se despedem

Em Portugal, vamo-nos habituando a desconsiderar os cidadãos que trocam as suas actividades profissionais pela dedicação à actividade política. Estou firmemente convencido de esse sentimento é inteiramente injusto, para a maioria dos políticos. Existem, felizmente, inúmeros portugueses que se dedicam à coisa pública com verdadeiro espírito de missão, sacrificando mesmo a sua vida pessoal em nome do que consideram ser a sua obrigação para com a comunidade.

Como se sabe, em democracia o exercício de funções públicas está sempre limitado no tempo, acabando por saída própria ou por perda de eleições, o que acaba sempre por suceder, mais cedo ou mais tarde.

Na sequência das últimas eleições autárquicas, deixou as funções de Vereador da Câmara de Coimbra um cidadão que, por todos os motivos, constitui um exemplo a seguir e que aqui quero saudar e de certa maneira homenagear. Refiro-me ao Engº. João José Gomes Rebelo, que, durante dois mandatos, suspendeu a sua vida para se dedicar de alma e coração a Coimbra, dentro das relevantes funções que lhe foram atribuídas na Câmara Municipal de Coimbra.

Como se costuma dizer, devo agora fazer claramente uma declaração de interesses: sou amigo do João Rebelo desde os tempos da Faculdade, já lá vão mais de três dezenas de anos. Sempre lhe reconheci uma nobreza de carácter caracterizada pela lealdade, verticalidade e absoluta honestidade.

Curiosamente, somos ambos filhos adoptados de Coimbra, vindos da Beira interior, embora em alturas diferentes da vida, já que eu ainda frequentei os dois últimos anos no Liceu D. João III e o João Rebelo fez o liceu em Castelo Branco, embora tivesse nascido em Lisboa.

Esta coincidência terá permitido uma proximidade de visão sobre o mundo e particularmente sobre a Cidade que nos acolheu e que escolhemos para viver.

O João Rebelo passou oito anos na Câmara de Coimbra como Vereador e não se lhe nota qualquer alteração nas características que acima apontei, a que aliás se junta uma grande delicadeza no trato e capacidade de tratar todos os munícipes por igual. Louvo ainda a sua extraordinária capacidade de trabalho, que o levou a exercer as suas funções muito para além dos limites temporais exigíveis a qualquer pessoa, sem nunca dar a entender que o fizesse com sacrifício.

Mesmo nesta sua actividade política, assumiu-se sempre como pessoa por inteiro, não escondendo, por exemplo, as suas opções religiosas, como hoje parece ser moda, antes as assumindo com toda a naturalidade, por serem parte da sua identidade.

É um Homem que, quando chamado a exercer funções políticas, o fez de uma forma perfeitamente exemplar, o que num tempo como o de hoje é da mais inteira justiça realçar.

Deliberadamente, omiti nesta pequena homenagem a qualidade do seu trabalho e a extrema competência com que exerceu estas suas funções na Câmara. Falta-me a capacidade para tal, confesso, e essa avaliação não é o objectivo destas linhas. Será com certeza feita facilmente pelos nossos concidadãos através do simples método da comparação.

Publicado no Diário de Coimbra em 9 de Novembro de 2009

domingo, 8 de novembro de 2009

Recomendo vivamente a leitura urgente

Novo livro de Sebastião Formosinho Sanches que explica as razões de muito do que somos.

A crise acabou: a crise vem aí

As previsões da UE para Portugal avisam-nos claramente que a crise internacional está a passar, mas que a nossa estará por cá por muitos anos:
- Dívida pública em % do PIB em 2009: 77,4%
- Dívida pública em % do PIB em 2010: 84,6%
- Dívida pública em % do PIB em 2011: 91,1%
(Notas: em 2002 era de 55,5%; o Pacto de Estabilidade estabelece 60% como valor máximo)
- Défice das contas públicas em 2009: 8%
- Défice das contas públicas em 2010: 8%
- Défice das contas públicas em 2011: 8,7%
- Crescimento do PIB em 2009: negativo (quanto?, não se sabe)
- Crescimento do PIB em 2010: 0,3%
- Crescimento do PIB em 2011: 1%
(Nota: dos piores valores da UE e de todo o mundo)

O Prof. Ernâni Lopes diz que Portugal está a definhar há anos: como aqueles doentes que não se levantam da cama, não melhoram, nem pioram.
Entretanto, andamos para aí a apresentar candidaturas a organizar campeonatos mundiais de futebol, a construir auto-estradas para lado nenhum, TGV para andarem vazios e novas pontes para Lisboa.
Não há juízo.

O tempo não pára

Ao ver um documentário sobre a queda do muro de Berlim, há vinte anos, não posso deixar de reparar em algo que une os regimes ditatoriais, sejam de direita ou de esquerda: os seus líderes tentam todos encapsular o tempo e é isso que acaba por os derrubar.

sábado, 7 de novembro de 2009

Evangelho de hoje

Palavras duras, mas bem actuais:

Evangelho segundo S. Lucas 16,9-15.

«E Eu digo-vos: Arranjai amigos com o dinheiro desonesto, para que, quando este faltar, eles vos recebam nas moradas eternas. Quem é fiel no pouco também é fiel no muito; e quem é infiel no pouco também é infiel no muito. Se, pois, não fostes fiéis no que toca ao dinheiro desonesto, quem vos há-de confiar o verdadeiro bem? E, se não fostes fiéis no alheio, quem vos dará o que é vosso? Nenhum servo pode servir a dois senhores; ou há-de aborrecer a um e amar o outro, ou dedicar-se a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.» Os fariseus, como eram avarentos, ouviam as suas palavras e troçavam dele. Jesus disse-lhes: «Vós pretendeis passar por justos aos olhos dos homens, mas Deus conhece os vossos corações. Porque o que os homens têm por muito elevado é abominável aos olhos de Deus.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

COIMBRA NO SEU MELHOR (de novo)


É provável que o leitor se interrogue sobre as razões que me levam a utilizar tantas vezes o mesmo título nestas minhas crónicas: “Coimbra no seu melhor”. Na realidade, a nossa Cidade tem uma característica bem portuguesa, que por razões históricas é mais pronunciada entre nós e que se revela numa intensa capacidade de dizer mal de tudo e de todos. Concedo até que essa atitude se deva a uma vontade subliminar de ouvir em resposta que não, que em Coimbra até há isto ou aquilo de bom. Mas, aqui entre nós, essa é uma atitude bem “coimbrinha” que deve ser combatida, porque desvirtua a realidade actual da nossa Cidade. E, para dificuldades, já nos chegam as provocadas pelo bicefalismo territorial do país, que esmaga a zona Centro em que nos integramos e de que Coimbra é claramente a cidade principal.

Por estas razões, o exercício activo da cidadania obriga-me a mostrar e divulgar aquilo que sinto ser o que Coimbra tem de melhor para oferecer. E não haverá textos que me dêem mais prazer escrever do que estes.

Venho hoje referir, de novo, a excelente Orquestra Clássica do Centro. Vou repetir-me em parte, porque já aqui elogiei o trabalho de todos os que dão corpo àquele projecto que deve ser acarinhado por todos.

A existência continuada em Coimbra de uma formação orquestral de música clássica de qualidade indiscutível foi um sonho de muitos ao longo de muitos anos. Encontra-se finalmente concretizado da melhor maneira, o que se deve obviamente a todos os que de uma maneira ou de outra a apoiam, mas fundamentalmente a duas pessoas, a Dra. Emília Cabral Martins e o Maestro Virgílio Caseiro. O Maestro Virgílio Caseiro dedica à OCC toda a sua competência técnica, amor à arte musical e trabalho, muito trabalho, de forma inteiramente gratuita. A Dra. Emília Martins consegue fazer o quase impossível, só comparável ao milagre da multiplicação os pães. O único apoio oficial digno desse nome vem da Câmara Municipal de Coimbra e traduz-se em 175.000 euros por ano. Para uma orquestra que custa 490.000 euros, não há outra designação para o que tem sido conseguido à custa de imensa imaginação, alguns apoios empresariais e mesmo pessoais, para além de uma excepcional capacidade de gestão.

O Estado concedeu este ano um apoio pontual de 30.000 euros à Orquestra Clássica do Centro. Não apoia regularmente a OCC, porque defende que a região Centro só merece uma orquestra clássica e já apoia a orquestra que existe em Aveiro, de dimensão e número de concertos bem reduzidos face à OCC. O mesmo critério não é aplicado pelo Estado a outras actividades artísticas, como o Teatro, havendo na nossa Região várias companhias teatrais que recebem muitas centenas de milhares de euros por ano. Não está evidentemente em causa que o Estado apoie o Teatro, mas que os critérios sejam semelhantes, não havendo artes inferiores e artes superiores

A Dra. Emília Martins escreveu há alguns dias uma carta aos jornais, naquilo que chamou de desabafo, mas que se pode considerar um verdadeiro grito de alerta em defesa da Cultura na nossa região. Perguntava mesmo porque não é possível encontrar uma plataforma de entendimento entre as duas formações orquestrais existentes na Região que, mesmo juntas, não conseguem ainda hoje em dia constituir uma orquestra sinfónica. Pela minha parte, não faço mais do que a minha obrigação em manifestar aqui todo o apreço pelo trabalho em prol da Cultura de todos os que de alguma forma apoiam a Orquestra Clássica do Centro, fazendo votos de que tenha uma longa vida e consiga evoluir para nos oferecer um leque cada vez mais variado e complexo de oferta musical de qualidade.

Publicado no Diário de Coimbra em 2 de Novembro de 2009

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Boa semana

Durante uns dias estarei ausente para reparação de umas peças. Votos de boa semana a todos.

EDUCAÇÃO, ESCOLAS E RANKINGS

Foram mais uma vez conhecidos os rankings nacionais das escolas. De novo, houve azo a que se fizessem imensas comparações entre os resultados obtidos.

Não nego o interesse de saber os resultados obtidos nos exames pelas diferentes escolas, antes pelo contrário. Há poucos dias, tive a oportunidade e o privilégio de assistir a um espectáculo de dança por alunos e alunas do Colégio Rainha Santa Isabel de Coimbra, um dos melhores classificados. Durante mais de duas horas, dezenas de jovens encantaram um Teatro Académico de Gil Vicente completamente cheio, num espectáculo significativamente chamado “EXISTO, LOGO DANÇO”. Este Colégio, refira-se, aparece bastante bem classificado nos rankings. É mesmo o quinto classificado na categoria Secundário do ranking SIC/Expresso, entre escolas públicas e privadas de todo o país, o que diz bem da excelência do seu ensino. Mas, ao ver aquelas dezenas de jovens a dançar, não pude deixar de me lembrar de diversos aspectos.

Em primeiro lugar, a formação educativa proporcionada àqueles e aquelas jovens vai muito para além do que dizem os rankings. O contacto com música de qualidade, a aprendizagem da dança, a capacidade de coordenar os movimentos com colegas, o esforço dispendido com tarefas que não contam para a sua classificação escolar pessoal, tudo isso não entra na classificação dos rankings. É um processo complexo que consiste em educar e não apenas instruir, que é aquilo que o nosso ensino obrigatório, particularmente o oficial, tende a privilegiar.

Por outro lado, há uma sensação de injustiça, dado que a esmagadora maioria dos jovens portugueses não tem qualquer acesso à formação cultural proporcionada por uma grande parte das instituições de ensino particulares.

O actual sistema de ensino, que em teoria está montado para democratizar a educação, está, na prática, a aprofundar o fosso entre as classes sociais. Ao impedir as famílias de escolher em liberdade e igualdade de acesso as escolas que preferem para os seus filhos e ao transformar as escolas oficiais em depósitos de jovens durante o dia, e simples fornecedoras de “competências” específicas, o Estado “puxa para baixo” a educação da maioria dos cidadãos de amanhã.

Muitos pais que desejam para os seus filhos um desenvolvimento educacional adequado, capaz de lhes fornecer “mundo” e cultura para além das tais competências para superarem os exames, vêem-se obrigados a pagar a educação dos seus filhos por três vezes: a primeira, pelos impostos que pagam o ensino oficial, a segunda pelas propinas do colégio, e a terceira pela poupança que proporcionam ao Estado ao retirarem-nos das escolas oficiais.

Estas e outras razões levam a que não surpreenda que nos rankings do ensino secundário a primeira escola pública surja apenas no 14.º lugar. Mas, como disse, isto até nem é o mais importante. O que verdadeiramente importa é tudo aquilo que está escondido por trás dos rankings e que os responsáveis políticos dos diversos partidos sistematicamente se recusam a ver. E isso não se resolve atirando dinheiro para cima do problema, como tem sido feito há muitos anos, antes avançando para reformas que coloquem a formação completa do aluno no centro das preocupações. A educação não deveria ser um luxo para apenas quem a pode pagar.

Publicado no Diário de Coimbra em 26 de Outubro de 2009