jpaulocraveiro@ gmail.com "Por decisão do autor, o presente blogue não segue o novo Acordo Ortográfico"
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
Boom Festival
domingo, 22 de agosto de 2010
A SAÚDE TEM PREÇO?
O Doutor Manuel Antunes costuma dizer que a saúde não tem preço, mas custa dinheiro. E tem, claro está, imensa razão. Aliás, a saúde custa mesmo muito dinheiro, já que o Estado gasta por ano cerca de dez mil milhões de euros com o Serviço Nacional de Saúde. Como todo esse dinheiro sai dos nossos impostos, convém que seja bem gasto, e que seja gasto com justiça, isto é, que não deixe de fora os mais desprotegidos.
O Serviço Nacional de Saúde foi uma opção nacional pós 25 de Abril, que entrou na vida dos portugueses como um direito adquirido e inquestionável. Na verdade, permitiu um acesso à saúde digno, à altura dos países mais ricos e avançados do mundo. Os índices relativos à saúde pública foram completamente alterados para melhor, de que a mortalidade infantil é um bom exemplo: em poucos anos, passou de 70 por mil crianças nascidas para os actuais 3.
Sucede, no entanto, que hoje se verificam dois problemas graves: por um lado, o custo da saúde tem vindo a subir de uma forma quase incontrolável pelos mais diversos motivos, entre os quais se contam a sofisticação crescente dos meios auxiliares de diagnóstico e dos próprios tratamentos e o aumento da idade média da população. Por outro lado, cresce o sentimento de que a justiça está a fugir da prestação dos cuidados de saúde, sendo esta melhor para quem tem dinheiro do que para a população carenciada. Isto é, quando deveria ser "tendencialmente gratuita", o que se está a verificar é que tal será impossível de acontecer, pura e simplesmente porque o país não tem posses para o garantir.
Desde há quase dez anos que o SNS tem sido objecto de alterações na sua organização, agravando a tal injustiça social. Exemplos? A opção por parcerias público-privadas, pela chamada "empresarialização" dos hospitais públicos, e o encerramento de unidades do interior, sob a capa de garantia de qualidade da prestação de cuidados de saúde.
Na realidade, o Estado não tem dinheiro para manter o sistema como está, e muito menos para custear os aumentos de despesas previstos. Assim, corta nos custos, muitas vezes de forma sub-reptícia, e quase sempre com maior prejuízo para quem menos pode.
Não há coragem para dizer aos cidadãos que a actual situação não se pode manter. Para dizer que os serviços prestados têm custos, que deverão ser comparticipados de forma diferente por quem tem mais posses e por quem não tem, não no acto da prestação do serviço, mas num relacionamento fiscal entre o cidadão e o SNS. Que o financiamento do SNS deverá ser completamente alterado, talvez à imagem da Segurança Social ou estendendo a toda a população um sistema semelhante à ADSE. Que as parcerias público-privadas deverão acabar, para que se saiba quem paga o quê, devendo os sectores público e privado ser completamente separados. Que a prestação dos serviços de saúde que por qualquer motivo os hospitais públicos não possam garantir em tempo útil sejam convencionados com o sector privado de forma transparente. Que os profissionais de saúde deverão trabalhar o dia inteiro nos hospitais públicos, sendo devidamente pagos, acabando-se de vez com a promiscuidade entre os sectores público e privado.
A actual situação tem custos incomportáveis para o Estado, e dá vantagens injustificadas a um sector que de privado só tem o nome, porque vive pendurado nas ineficiências e desorganização do sector público. Haja coragem para enfrentar este problema, sem demagogias e complexos ideológicos, em nome precisamente dos mais carenciados. Os outros, sabemo-lo bem, têm boas alternativas.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Agosto de 2010
domingo, 15 de agosto de 2010
JÁ FEZ O SEU "STRESS TEST"?
Em 2009 a Reserva Federal Americana entrou nos livros das contas dos bancos americanos numa operação dirigida ao estilo militar e efectuou os chamados "stress tests". O objectivo era verificar até que ponto os bancos americanos estavam preparados para enfrentar novas situações de emergência, depois de todos os sarilhos de 2008 e assim transmitir alguma tranquilidade aos mercados. Claro que a transparência nunca foi o forte da actividade bancária, nem o poderá ser nunca, pela sua própria essência. Mas que é conveniente que as entidades reguladoras tenham uma ideia clara do que se passa no interior dos bancos, lá isso também é verdade, até porque se há actividade económica que necessita de confiança como de pão para a boca é a bancária.
A situação da banca europeia também não tem estado famosa nos últimos tempos, o que se reflecte negativamente na restante actividade económica. Basta ver os últimos dados que apontam para as previsões da economia europeia e nos dizem que a pequena retoma dos últimos meses já terá terminado. A actividade bancária de apoio à actividade económica tem estado algo parada, dado que as operações inter-bancárias ainda não retomaram a sua normalidade. Os bancos continuam a recorrer ao BCE para obterem fundos, o que diz muito sobre a falta de confiança dos bancos uns nos outros.
Quando os bancos não têm confiança uns nos outros, quem terá? Perante esta situação que já dura há demasiado tempo, o "Comité das Autoridades Europeias de Supervisão Bancária" e o Banco Central Europeu organizaram uma operação de "stress test" à banca europeia. Esta acção tornou-se mais complicada do que a operação americana porque foi feita não ao estilo militar mas um pouco caoticamente e, além disso, o sistema bancário europeu é muito mais complexo que o americano. Basta dizer que na Europa foram testados 91 bancos e em Wall Street apenas 19.
E o que são os tais "stress tests" cujo nome faz lembrar exames médicos? De facto são testes realizados para verificar a capacidade de resposta dos bancos a situações que não cabem na normalidade previsível. Monta-se um cenário adverso caracterizado por exemplo, por subidas anormais do petróleo, por uma grande queda na bolsa, por uma variação súbita de taxas de juro, por uma subida exagerada dos preços das casas, etc. Vai-se aos livros dos bancos e calcula-se a reacção do capital do banco comparando o cenário adverso com o cenário habitual ou de referência. Se o rácio de capital chamado "Tier 1" estiver acima de 6%, a situação do banco é segura; se estiver abaixo, é necessária uma recapitalização do banco, para que esteja preparado para enfrentar as dificuldades.
No caso dos bancos portugueses a boa notícia é que todos os bancos sujeitos aos "stress tests" responderam de forma positiva, isto é, apresentaram valores acima daquele mínimo. Na realidade, em toda a Europa apenas 7 bancos falharam estes testes, entre os quais o gigantesco Hypo Bank Estate, curiosamente alemão.
A má notícia é que as consequências que se esperavam, de reanimação do mercado inter-bancário face à retoma previsível de confiança, ainda não se verificaram. Provavelmente porque os bancos sabem muito bem qual a sua verdadeira situação e a sua capacidade de resposta a uma nova crise. Sabem também, melhor do que ninguém, que a montagem do tal cenário mais adverso foi algo medrosa e visou acima de tudo restaurar a tal confiança, aparecendo assim aos olhos de muita gente como uma operação algo artificial e pouco realista.
A ideia do "stress test" é, contudo, bem curiosa e poderia ser seguida em muitos outros sectores. Claro que a iliteracia financeira crónica da maioria dos portugueses os impedirá de perceber o que está em causa para além da barragem "informativa" que lhes foi imposta sobre o tema. Mas até em termos pessoais todos teríamos vantagens em ensaiar os nossos próprios "stress tests" para conhecer a nossa capacidade de reacção a cenários desfavoráveis.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 16 de Agosto de 2010
segunda-feira, 9 de agosto de 2010
LÁGRIMAS COM GOSTO
Ter o privilégio de escrever com regularidade e inteira liberdade no Diário de Coimbra tem-me proporcionado muitas vezes a satisfação de poder comentar factos e situações que mostram a relevância e qualidade da nossa Cidade em numerosas áreas.
Terminou há cerca de uma semana a segunda edição do Festival das Artes que se saldou por um sucesso notável, a vários níveis.
O Festival das Artes é uma organização da Fundação Inês de Castro que está intimamente ligada à Quinta das Lágrimas. No entanto, os seus 42 eventos não se limitaram à Quinta das Lágrimas, tendo alguns deles sido realizados noutros espaços como o Museu da Água, o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, o Teatro da Cerca de S. Bernardo ou o próprio rio Mondego. Os eventos abarcaram diversas formas de arte como a música, a dança, o cinema, a declamação e ainda outras áreas culturais como a culinária, o debate e visitas guiadas a locais emblemáticos da região como o Buçaco, o rio Mondego e as ruas da nossa Cidade. Os espectáculos realizados na "Colina de Camões" na Quinta das Lágrimas beneficiaram, é certo, do cenário absolutamente excepcional conseguido naquele espaço. A integração dos vários elementos como a zona do palco, o lago e as bancadas espalhadas pela colina, em conjunto com a proximidade da "Fonte dos Amores" e a colina da Universidade bem enquadrada pela mata da Quinta, proporcionam um ambiente de sonho perfeitamente adequado à realização deste tipo de espectáculos.
Segundo os responsáveis pelo Festival, os oito concertos de música que tiveram lugar ao ar livre na "Colina de Camões" tiveram uma média de 570 espectadores por cada, tendo um deles atingido o recorde de 1.250 pessoas a assistir. Por outro lado, foi anunciado que 70% dos espectadores são de Coimbra e 30% de visitantes. Estes números expressivos significam pelo menos três coisas: primeiro, que as gentes de Coimbra têm grande apetência por manifestações culturais; depois, que também em Coimbra é possível organizar com sucesso um festival cultural e artístico de elevada qualidade com apoios de mecenas e diversas entidades públicas e privadas; por fim, que é vantajoso misturar o tradicionalismo de Coimbra consubstanciado pelo fado e pelos agrupamentos ligados à Academia, com outras formas de arte e de cultura.
O sucesso deste Festival das Artes prova que apesar dos murmúrios maldizentes e das críticas permanentes de muitos dos ditos "coimbrinhas", Coimbra é das cidades portuguesas mais vivas e actuantes na área cultural. Na realidade, talvez o pudesse ser ainda mais se determinados "donos da cultura" deixassem de lado muita da arrogância intelectual que ostentam e tivessem a humildade de aceitar outras ideias e formas de trabalhar.
Em Portugal a área da promoção cultural está desde há muito ligada em demasia aos subsídios estatais, o que ao longo do tempo permitiu o estabelecimento de uma rede bem evidente de distribuição de vantagens mútuas, excepto para o público pagante de impostos que costuma deixar às moscas boa parte dos "eventos culturais" que nos ficam a todos bem caros.
O Festival das Artes é bem a prova de que é possível oferecer aos diversos públicos aquilo que eles quer ver e ouvir, indo ao encontro das suas diferentes apetências e necessidades culturais, sem ceder minimamente à exigência de qualidade.
Por tudo isto e como todas as realizações têm um nome por trás, como cidadão de Coimbra tenho todo o gosto em dizer: obrigado, Dr. Júdice e dê continuação ao Festival das Artes.
Publicado no Diário de Coimbra em 9 de Agosto de 2010
quinta-feira, 5 de agosto de 2010
Um tiro no porta-aviões ou na água?
"Nem a Fitch, nem a Moody"s nem a Standard & Poor"s vão ser submetidas a um controlo por parte da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), entidade a quem o Governo atribuiu ontem a responsabilidade de supervisionar as agências de rating que actuam em Portugal."
Afinal que agências de rating é que a CMVM vai controlar?
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
Excelente negócio?
A PT vai desembolsar 1,04 mil milhões de reais - 435 milhões de euros, metade para cada uma das empresas - para garantir uma fatia de 35% das sociedades que fazem parte do núcleo que controla a Oi, sem que as mesmas percam a mão da Telemar Participações, holding que manda na nova operadora brasileira onde a PT está presente."
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
Políticas culturais alicerçadas no poder local?
"Em visita a Coimbra, a primeira no exercício de funções, Gabriela Canavilhas reconheceu que a cidade, nos últimos anos, "deixou-se ultrapassar por outros centros, como Lisboa e o Porto". Mas, para a ministra da Cultura, os projectos que ontem visitou – o Centro de Artes Visuais, A Escola da Noite e o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha – fazem, entre outros, nomeadamente o Festival das Artes, um conjunto capaz de "inverter essa situação".
Em declarações aos jornalistas no âmbito da visita que realizou a estes três projectos estruturantes no tecido cultural da cidade, a ministra recordou ainda a importância fundamental de as políticas culturais estarem "alicerçadas no poder local". A "autarquia tem de ser um parceiro incontornável, em todas as iniciativas culturais", disse Gabriela Canavilhas, afirmando que "em Coimbra ainda temos algum trabalho a desenvolver". E "é isso que estamos a fazer", garantiu a responsável".
A senhora ministra, acompanhada pelo responsável da Direcção Regional de Cultura, disse isto enquanto visitava vários equipamentos municipais, sem qualquer responsável autárquico por perto, provavelmente porque nem souberam da visita que deve ter sido organizada pela Direcção Regional que regularmente vai sempre aos mesmos organismos e esquece outros sempre com a mesma regularidade, vá-se lá saber porquê.
SONDAGENS DE VERÃO
Após meses seguidos em que as sondagens foram sistematicamente definindo uma tendência contínua de crescimento das intenções de voto no PSD até ao limiar da maioria absoluta, surgiu uma sondagem em que alguma imprensa logo destacou que "Passos cai nas intenções de voto". Claro que o facto essencial de a liderança das intenções de voto continuar solidamente nas mãos de Passos Coelho fica nas letras mais pequenas, sendo destacada aquela frase acima referida.
Curiosamente, a sondagem em causa refere como responsáveis por aquela variação, duas situações concretas ocorridas no período a que diz respeito: proposta de revisão constitucional do PSD e aplicação da "golden share" na PT.
As implicações do uso da "golden share" na PT na formulação das intenções de voto revelam algo interessante, embora esse reflexo tenha apenas a ver com o momento da utilização dos direitos preferenciais. Na realidade, o posterior desenvolvimento da questão, com a aceitação da proposta da Telefónica espanhola por mais 350 milhões de euros ainda era desconhecido aquando da realização da sondagem. Esta revela que os portugueses, com o seu patriotismo algo cego, terão ficado sensibilizados com a argumentação da defesa dos interesses estratégicos nacionais face às intenções comerciais da empresa espanhola. Acredito que depois da aceitação da nova proposta os portugueses tenham ficado um pouco baralhados com o súbito desaparecimento do tal interesse estratégico nacional podendo ser levados a concluir, ainda que eventualmente de forma errada, que a tal "golden share" terá sido usada para negociar um valor de venda mais elevado. Até porque quem lucrou com esse aumento de valor foram os accionistas de referência da PT, entre os quais não se conta o Estado. A influência nas sondagens desta questão da venda da Vivo aos espanhóis parece-me assim muito limitada no tempo e com contornos indefinidos à data desta sondagem que poderão ainda vir a revelar implicações políticas bem diversas das que actualmente parecem evidentes para muitos.
Já a questão da influência da proposta de revisão constitucional merece outro tipo de abordagem. De acordo com as análises da imprensa, a subida do PS deve-se ainda a ter retomado a "defesa do Estado Social" que as propostas de revisão constitucional do PSD colocariam em causa. Cabe aqui referir três aspectos: primeiro, a actual legislatura tem poderes de revisão constitucional a partir de 12 de Agosto, pelo que o PSD tem todo o direito a apresentar propostas suas para revisão de aspectos da Constituição que considere serem actualmente menos adequados ao País e ao seu desenvolvimento que está estagnado há mais de dez anos; segundo, essa revisão constitucional terá de ser sempre aprovada por 2/3 dos deputados da Assembleia da República; terceiro, quem efectivamente detém poderes de revisão da Constituição é a Assembleia da República e não qualquer outro órgão de soberania, seja ele Presidente da República, Governo ou Tribunais de qualquer instância, que estarão obrigados a aplicar qualquer revisão constitucional aprovada nos termos definidos na própria Constituição.
O PSD apresentou propostas que, essencialmente, tentam encontrar alternativas de financiamento da Saúde e da Educação, sectores que consabidamente gastam dinheiro a mais para os rendimentos do país e essencialmente, apresentam resultados maus demais para os níveis das respectivas despesas. Além de que, como estão actualmente organizados, propiciam eles mesmos graves injustiças sociais e são geradores de aumento das disparidades entre pobres e ricos. No que respeita a propostas de índole mais política como poderes presidenciais e outras do mesmo tipo, o PSD faz muito bem em apresentar propostas que ache adequadas sem pedir autorização a ninguém; quem tem que aprovar ou reprovar que o faça, no exercício dos seus poderes. Sá Carneiro, por exemplo, não fez outra coisa no seu tempo.
O PSD, que ao que tudo indica será Governo depois do actual, faz o seu papel ao dizer aos portugueses quais serão as linhas de força da sua governação, sem enganar os eleitores para ganhar eleições. É assim que se costuma fazer nas democracias as quais, como se sabe, não têm donos. E as coisas têm que ser feitas no tempo certo: em altura de revisões constitucionais apresentam-se as respectivas propostas em sede de Assembleia da República; em altura de eleições, submetem-se aos eleitores os programas eleitorais que, como se sabe, são coisas muito diferentes. Em cada momento as sondagens flutuam ao sabor das questões do dia-a-dia e ai dos políticos que lhes submetem as suas estratégias para o país.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 2 de Agosto de 2010
sexta-feira, 30 de julho de 2010
Fim do "i" (para mim, claro)
segunda-feira, 26 de julho de 2010
GRANDE MÚSICA
Embora haja quem discorde, quanto a mim existe mesmo a "grande música". Para além de muitos outros compositores, basta ouvir Mahler para se saber imediatamente que isso é verdade. Todos nós teremos certamente trechos musicais que nos acompanham quase desde sempre. Pela minha parte há dois compositores que desde há muitos anos trago permanentemente no carro, primeiro através das cassetes, depois pelos CDs e agora através do leitor de MP3.São eles Bach e Mahler, concretamente através da Cantata BWV 106 conhecida por "Actus Tragicus" e os Concertos Brandeburgueses do primeiro e pelo "Adagietto" da quinta sinfonia, pelo canto do quarto andamento da quarta sinfonia e por toda a primeira sinfonia de Mahler. Não poderei dizer nunca que estas músicas serão suficientes para a satisfação da minha necessidade musical, mas que me acompanham sempre, isso é verdade.
Como não sou especialista, não identifico claramente as razões interiores à estrutura interna das músicas que me levam a gostar mais de umas ou de outras. Mas é um facto que desde que me foi dado ouvir Mahler fiquei instantaneamente rendido à sua música.
Se levou a sua leitura desta crónica até este ponto, o leitor perguntar-se-á provavelmente por que razão estarei para aqui a partilhar gostos pessoais de música. Acontece que a música é uma forma de arte muito própria e completamente diferente das outras. A música entra-nos pelos ouvidos, invade-nos o cérebro e podemos "fechar" todos os outros sentidos, que a música continua. A música "vive" assim completamente dentro de nós e provoca-nos sentimentos íntimos e pessoais como provavelmente nenhuma outra forma de arte. Não há pois outra maneira de abordar este tema senão através da partilha de alguns dos nossos gostos.
Fez no início deste mês 150 anos que nasceu Gustav Mahler. Morreu novo, com 50 anos, e a sua carreira musical verdadeiramente excepcional desenvolveu-se essencialmente como maestro. Era um maestro perfeccionista até ao limite e de uma exigência extrema dos seus músicos, que costumava dizer: "na vida, faço todas as concessões; na arte, não faço nenhuma".
Viveu num período particularmente conturbado da História, que foi a transição do século XIX para o século XX. Nasceu também numa zona particularmente exposta a conflitos sociais, étnicos e políticos: a Boémia. Tendo nascido pobre e judeu e sofrido com todas as dificuldades inerentes a essa condição, tornou-se um maestro respeitadíssimo desde muito novo e chegou a Maestro Titular da Ópera Imperial de Viena com tudo o que isso significava à época. Dirigiu ainda a Metropolitan Opera de Nova Iorque. Com uma vida ocupadíssima como maestro, ficava-lhe pouco tempo para compor. Ainda assim, deixou-nos um legado musical que marca a História da Música de forma indelével, tendo feito a transição da música antiga e do romantismo para o modernismo do século XX com acordes dissonantes e novas sonoridades, pertencendo em simultâneo a esses mundos tão diferentes.
A exigência e rigor extremos que praticava enquanto maestro, verificam-se com igual grau nas suas composições. Nota-se nelas um rigor e um despojamento de artificialismo tais que a sua beleza é indescritível. A complexidade e estrutura das suas obras exigem que seja interpretada por orquestras sinfónicas completas. Uma das suas sinfonias, a oitava, é mesmo conhecida pela "sinfonia dos mil" pelo número de intérpretes que exige para a sua interpretação entre orquestra, solistas e corais. Felizmente, hoje em dia temos os suportes musicais mais variados que nos permitem apreciar a música de Mahler onde e quando queremos. Estimado leitor, não deixe que a "balbúrdia musical" que hoje invade constantemente os nossos ouvidos substitua a Grande Música e ouça Mahler, que vale a pena.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 26 de Julho de 2010