Vários países europeus estão a proceder à deportação de ciganos para a Roménia e para a Bulgária, de onde são oriundos. À frente está a França, que expulsa ciganos aos milhares, obtendo o seu"acordo" com 300€ por cada adulto e 100€ por cada criança.
A forma como os actuais líderes europeus olham para os cidadãos está bem à vista desde a entrada da Roménia e da Bulgária na União Europeia. De facto, a União Europeia decidiu pagar anualmente quatro mil milhões de euros à Roménia para impedir a saída dos seus ciganos para os outros países da UE. Isto é, para dar o seu acordo à entrada de países no seu seio, a UE definiu condições contra uma determinada etnia. A simples existência deste acordo diz muito sobre a actual União Europeia, que se farta de bradar que tem uma política social avançada, que é uma Europa dos cidadãos, etc. etc. Vê-se. A própria Convenção Europeia dos Direitos Humanos está a ser violada, dado que proíbe as expulsões colectivas de estrangeiros.
Aqui reside, quanto a mim, o maior problema. Os ciganos estão a ser objecto de tratamento colectivo, e não a ser tratados como indivíduos. Se uma determinada pessoa comete um crime, é lógico que deve sofrer uma condenação, que poderá incluir a deportação, se for caso disso. Coisa muito diferente é condenar comunidades inteiras com base da diferença étnica e impedir um direito de todos os cidadãos europeus que é o da livre circulação.
O argumento francês principal é o da segurança, como é hábito. Ouvi-o aliás ser repetido por um euro-deputado português que disse compreender perfeitamente a atitude francesa, porque a segurança é fundamental e dentro daquelas comunidades há pessoas que se portam mal. Claro que o facto de Sarkozy ser responsável pela segurança há 7 anos, primeiro como ministro e depois como presidente, e de sondagens recentes indicarem que 70% dos franceses se sentem inseguros justificará este novo surto de deportação: há que recuperar apoio eleitoral. Curiosamente, parece que muitos franceses ainda se lembram de "Liberdade, Igualdade e Fraternidade", e Sarkozy terá dado um tiro no próprio pé.
Apetece lembrar duas ou três coisas. A primeira é uma citação de Benjamin Franklin: "quem prescinde da liberdade em nome da segurança não merece nem uma nem a outra, e acaba normalmente sem as duas". A outra é que ainda não passaram cem anos desde que muita gente aceitou atitudes de perseguição com base na raça, porque muitas das pessoas que lhe pertenciam não se portariam bem e vestiam diferente ou eram feias. Deu numa das vergonhas que para sempre mancharão a humanidade, com milhões de judeus mortos e uma barbaridade indescritível. As seguranças a que muitas vezes damos importância escondem afinal verdades feias e desgraças de outros que muitas vezes não estão à nossa vista.
A questão tomou tal dimensão que o próprio Papa Bento XVI fez questão de tomar posição em língua francesa contra este repatriamento em massa, apelando ao acolhimento dos homens de todas as origens.
O que a União Europeia tem a fazer, depois de ter aceitado a entrada da Roménia e da Bulgária, é adoptar planos de integração ao nível da União, e não pagar a países para manterem alguns cidadãos no seu interior, com base em critérios de etnia.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 30 de Agosto de 2010