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quarta-feira, 11 de maio de 2011
Aflição mesmo.
segunda-feira, 9 de maio de 2011
Sejamos parte da solução
Claro está que uma afirmação consciente de opção política no próximo acto eleitoral que permita a constituição de um novo Governo com uma representação que lhe permita proceder às reformas políticas que se impõem é importante, mesmo fundamental, mas não chega.
É hoje claramente perceptível que a democracia não se esgota nas eleições nem na necessária conflitualidade política e vá lá, ideológica, entre os partidos. A responsabilidade pessoal de todos é cada vez mais necessária para que os nossos representantes não entrem em roda livre e não se apropriem indevidamente do sistema como tantas vezes tem sucedido, limitando assim as hipóteses de sucesso do país.
A ACEGE (Associação Cristã de Empresários e Gestores) emitiu há dois dias um comunicado sobre a actual situação nacional, que coloca várias questões importantes e aponta caminhos para todos os que detêm algum grau de responsabilidade a nível das empresas. Parte da constatação óbvia de que o Estado português chegou a uma situação de insolvência que exigiu ajuda externa sem a qual o Estado social teria falido. Mesmo com a ajuda externa, só será possível manter o Estado social se for recriado. A ACEGE mantém que é mesmo “a defesa do Bem Comum, da coesão social e dos mais protegidos que implica enfrentar esta questão”. Claro que nada disto será possível se a economia portuguesa não crescer o suficiente para pagar o empréstimo externo e sustentar o Estado social, lembrando-se que não cresce há uma década, sendo essa e o despesismo do Estado as principais causas da actual situação.
É assim que a Acege, entre muitas outras considerações que vale a pena ler, afirma que “para voltarmos ao crescimento económico que nos permita reduzir o desemprego, sustentar políticas sociais e pagar as dívidas que, como povo, temos, é essencial reduzir o custo do Estado, libertar recursos para as famílias e para as empresas e reorientar as prioridades das políticas públicas. Assim, a defesa do Bem Comum passa pela reforma do Estado, concebida seriamente e executada com sentido social. Impõe-se a reforma social do Estado”.
Não esquecendo a parte que nos cabe a todos individualmente, a ACEGE sustenta que a emergência económica reclama, sobretudo, a responsabilidade pessoal e social dos líderes empresariais, colocando à consciência dos líderes empresariais alguns critérios orientadores bem concretos, entre os quais destaco:
“ - utilizar o despedimento como último recurso e, na sua inevitabilidade, ponderar critérios de natureza social nas escolhas a fazer;
- pagar o salário mínimo mais elevado possível, de modo a retirar da pobreza aqueles que integram cada comunidade empresarial;
- diagnóstico social interno, para conhecimento das situações familiares dos colaboradores mais carenciados, construindo sistemas internos de solidariedade, abertos a todos os colaboradores, de preferência confidenciais;
- pagamento pontual aos fornecedores, entendido como o mínimo ético empresarial, de modo a evitar constrangimentos de liquidez nas outras empresas, em especial nas mais pequenas”
Como se vê, há muito espaço para que todos nós sejamos parte integrante da solução para Portugal, para além dos sacrifícios que nos estão a chegar a todos nós de forma violenta.
Claro que, perante a situação trágica a que chegámos, devemos ter um grau de exigência cada vez maior relativamente aos que nos representam que, pelo poder do voto, acedem à possibilidade de poder dispor do dinheiro dos nossos impostos, não lhes permitindo que se desviem da obrigação de gastar essas receitas no Bem Comum e não de forma irresponsável.
domingo, 8 de maio de 2011
Rentes de Carvalho em directo
Liberdade sem pão? ........Não é liberdade!
IMF Survey: IMF Outlines Joint Support Plan with EU for Portugal
segunda-feira, 2 de maio de 2011
O PANO DE FUNDO
Enquanto assistimos a todas as danças e contradanças da vida política pré-eleitoral e às idas e vindas da troika que vai definir a nossa vida dos próximos anos, há condicionantes sociais que passam ao lado da atenção de quase todos nós, quando são cruciais para o nosso futuro colectivo.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) divulgou na semana passada o relatório “Doing Better for Families”, que é ainda mais demolidor para Portugal que todos os relatórios e análises económicas que nos últimos tempos nos têm assolado.
Por aquele relatório, ficámos a saber que Portugal é hoje o segundo país da OCDE com a taxa de natalidade mais baixa, apenas acima da Coreia. A taxa média de fertilidade dos países da OCDE é de 1,74, nos países europeus é de 1,6 e em Portugal o valor é de 1,32. Para se ter uma ideia do significado destes valores, a taxa da natalidade em Portugal era de 2,2 em 1980, em linha com a média da OCDE, nessa altura. Note-se, para termo de comparação, que a Holanda, a Bélgica, a Dinamarca, a Finlândia, a Suécia, o Reino Unido e a França têm todos valores superiores a 1,8, enquanto a Irlanda está bem acima dos 2,1.
Em consequência desta evolução, assiste-se hoje à situação de, em cada 100 lares portugueses, existirem apenas 5 com três ou mais crianças, 10 com dois filhos, 25 com um filho e, pior que tudo, 60 com nenhum filho.
Deve-se recordar que, entre nós, para se assegurar a substituição das gerações, o valor da taxa de fertilidade deve ser de 2,1 filhos por mulher em idade adulta.
Perante estes valores não são necessárias grandes análises para se perceber que este é certamente o maior problema de Portugal, a médio e longo prazo.
Como se vê pelos números indicados, este problema não é exclusivo de Portugal. No entanto, na última década metade dos países da OCDE conseguiu travar a queda das taxas de natalidade, enquanto entre nós elas continuaram em queda livre.
Com este pano de fundo, todas as políticas do chamado “estado social” caem pela base. Se não há uma renovação geracional, o nosso futuro é sermos um país de velhos, sem jovens para pagar os custos sociais que isso acarreta. Basta lembrar o aumento dos custos em reformas e em cuidados de saúde que isso implica para se perceber que o nosso actual caminho é pura e simplesmente insustentável.
Aqueles países que conseguiram inverter o caminho para o deserto geracional adoptaram políticas agressivas e consistentes de apoio à maternidade e às crianças. Entre nós, parece que toda a gente se atropela para conseguir o contrário, desde a dificuldade de entrada de jovens no mercado de trabalho, ao castigo às mulheres trabalhadoras que engravidam, à falta de apoio às jovens mães e crianças, ao sinal contrário do apoio efectivo ao aborto etc. etc. Quem anda sempre com o “estado social” na boca que vá aos países nórdicos e veja a enorme quantidade de jovens mães sorridentes com crianças nas ruas e parques públicos, ao contrário de cá.
Este é de facto maior problema de Portugal, que só se resolverá a médio longo prazo, mas que tem de ser encarado de frente já, ou será tarde.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 2 de Maio de 2011
segunda-feira, 25 de abril de 2011
TEMPOS DIFÍCEIS
Estamos a 25 de Abril de 2011 e hoje não há comemorações do 25 de Abril na Assembleia da República, havendo uma cerimónia comemorativa no Palácio de Belém, promovida pelo Sr. Presidente da República, com a participação dos presidentes seus antecessores que espero sejam ouvidos com atenção. Claro que, apesar dos tempos difíceis por que passamos hoje é feriado, e na passada quinta-feira, como é tradição, quase todo o país parou na parte da tarde, se é que não foi durante todo o dia. Sorte para os hoteleiros do Algarve e espanto seguro para a chamada “troika” que entre nós analisa o verdadeiro estado do País para propor os sacrifícios que vamos suportar em troca do dinheiro que nos vão entregar (com juros, claro).
Chegámos a este ponto depois de anos a fio em que os indicadores sociais, económicos e financeiros se foram todos orientando para o que temos hoje. Alguns desses indicadores são impressionantes:
Temos a maior taxa de desemprego dos últimos 90 anos (620.000 desempregados, dos quais metade há mais de uma ano); na última década tivemos o pior crescimento económico dos últimos 90 anos; temos a segunda maior vaga de emigração dos últimos 160 anos; temos a pior dívida pública (em % do PIB) dos últimos 160 anos; temos a maior dívida externa dos últimos 120 anos (quando a dívida externa bruta era de 40% do PIB em 1995, ela atinge hoje os 230% do PIB; nos últimos 10 anos, os défices da balança corrente andaram entre os 8% e os 10% do PIB. É hoje evidente para os estudiosos de macro-economia que os nossos problemas graves começaram na segunda década de noventa. Por essa altura, quase todos pensavam que a entrada no euro era a porta de acesso num paraíso económico: enganaram-se redondamente, como hoje se vê). Vítor Constâncio dizia mesmo quando tomou posse em 2000 como Governador do Banco de Portugal:"...Sem moeda própria não voltaremos a ter problemas de balança de pagamentos iguais aos do passado. Não existe um problema monetário macroeconómico e não há que tomar medidas restritivas por causa da balança de pagamentos".
As taxas que pagamos aos mercados para nos financiarmos ultrapassaram há vários meses o valor de 7% que o Sr. Ministro das Finanças tinha definido como o máximo admissível antes de pedirmos intervenção do FEEF/FMI e continuaram paulatinamente a crescer, antes e depois do PEC IV, tendo já ultrapassado os 11%.
Referir os factos da nossa economia que acima reproduzi (via “Desmitos” do Prof. Álvaro Santos Pereira) não é um acto de campanha eleitoral. Aproximam-se eleições cruciais para o nosso futuro, embora muitos de entre nós estejam convencidos de que a EU e o FMI entraram e vão ficar a mandar em nós durante muitos anos e de que a nossa soberania ficará entretanto em boa medida suspensa. Conhecer da forma mais completa possível a situação em que estamos e como a ela chegámos é meio caminho andado para podermos decidir com responsabilidade sobre o nosso futuro, dos nossos filhos e dos filhos deles, que é isso que está em causa neste momento grave.
De facto, a saída é estreita, mas a nossa obrigação é usar com inteira consciência a Liberdade, valor essencial que se celebra neste dia, para assumir o nosso destino nas nossas mãos já no próximo dia 5 de Junho.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 25 de Abril de 2011
segunda-feira, 18 de abril de 2011
FALTA DE ELEITORES, OU SINTOMA DE DECLÍNEO?
Enquanto o país se arrasta penosamente até que um novo Governo com a capacidade efectiva de decisão que a EU e o FMI permitirem possa sair das eleições de 5 de Junho, as notícias que nos caem em cima são cada vez mais aflitivas.
No meio da avalanche de desgraças, houve uma notícia que, se chamou a atenção aos partidos (et pour cause), passou relativamente despercebida à população em geral. O Distrito de Coimbra passou a ter direito a eleger 9 Deputados, em vez dos dez das últimas eleições e dos doze que elegia ainda há poucos anos. Os responsáveis partidários tiveram umas palavras de circunstância sobre o sucedido e passaram adiante. Qual a posição do Distrito de Coimbra em comparação com os outros? Do total dos círculos eleitorais, sete elegem mais deputados que Coimbra, doze elegem menos e outros dois elegem o mesmo número: Faro e Viseu. Saliente-se que, relativamente às últimas eleições, o Distrito de Coimbra até aumentou o número de eleitores em pouco mais de 2.200, mas Faro que ganhou o Deputado que Coimbra perdeu, aumentou esse valor em mais de 10.000. Dos distritos vizinhos, Aveiro elege 16 deputados e Leiria 10.
A perda de importância do nosso Distrito ao longo dos anos da Democracia tem sido notória e há razões para isso, sendo elas endógenas e exógenas.
Começando por estas últimas, há desde logo a normal e sã competitividade entre cidades. Muitas das cidades que são capital de Distrito mudaram radicalmente ao longo dos últimos anos. Pegaram nas suas fraquezas e delas fizeram forças, montaram estratégias de desenvolvimento, atraíram novas populações, apoiaram a criação e atracção de empresas, limparam a cara, construíram parques de estacionamento centrais, criaram novos jardins, ordenaram a ocupação do território, criaram novas universidades, etc.
Depois, houve acções do Estado Central ou mesmo de responsáveis regionais em sua representação que introduziram factores externos. Por exemplo, os acessos rodoviários de Coimbra à Beira Interior continuam praticamente os mesmos de há décadas, a Estação Ferroviária continua absolutamente miserável à espera de um mirífico TGV e, quando há obra nova é muitas vezes mal feita e desadequada ao desenvolvimento urbano como a passagem do IC2 sobre a cidade e a vergonha mais recente dos acessos da Ponte Europa e da rotunda final da variante do IC2 ao Almegue sem que a cidade gema. Isto para não falar da retirada de Direcções Regionais como a da Agricultura e da Economia, relativamente às quais conviria agora saber quais os custos e benefícios que originaram para o próprio Estado. Ou da retirada da sede do Turismo do Centro, introduzindo em simultâneo uma “marca” absolutamente inócua chamada Centro, quando existe aqui uma das marcas turísticas mais valiosas de Portugal: Coimbra.
Para não falar ainda das teses peregrinas de desenvolvimento regional que “matam” Coimbra, através do conceito da região polinucleada.
Que ninguém em Coimbra se iluda: tudo isto ajuda a retirar paulatinamente Coimbra do mapa, seja eleitoral ou outro qualquer.
Mas entre nós também temos responsabilidades no que tem acontecido e isso não deve ser escamoteado. Desde logo, aquela espécie de pudor que todos temos em assumir a liderança, quando na realidade os municípios à nossa volta só têm a ganhar se Coimbra for forte. Depois, a Cidade deixou-se levar outra vez pelo espírito coimbrinha, completamente provinciano. Não é por acaso que os dois eventos principais da Cidade voltaram a ser, como há cinquenta anos, a procissão da Rainha Santa e…a Queima das Fitas, felizmente regressada, senão nem isso.
Eu sei que estou a ser algo injusto para algumas situações e que temos cá do melhor que há em Portugal. Mas não chega e que diabo, assumamos o famoso direito à indignação e exijamos sem vergonha nem contemplações o melhor para Coimbra, quer lá fora, quer cá dentro. Sejamos capazes, como já aconteceu antes, de unir as mãos, estabelecer bases mínimas de entendimento e forçar que a curva inclinada descendente mude para ascendente, não para termos mais deputados, mas para alterar tudo aquilo que leva a que tenhamos ainda menos, no futuro.
Publicado originariamente no Diário de Coimbra em 18 de Abril de 2011
segunda-feira, 11 de abril de 2011
A GRANDE CRISE
Propositadamente, as minhas crónicas das últimas semanas abordaram temas que a muitos leitores poderão ter parecido um pouco alienígenas, dadas as preocupações generalizadas e justificadas com a situação económica e financeira do país que, como era previsível, desembocou na semana passada num pedido de ajuda ao FEEF/FMI.
Os leitores que me perdoem se esperam o contrário, mas vou continuar a não escrever sobre essa matéria. Não é que esteja tudo dito, nem que os mitos se não continuem propalar, mas francamente o que está feito, feito está e as consequências que vamos sofrer durante anos são também mais ou menos conhecidas. O resto será objecto da natural e legítima luta política pré-eleitoral e os resultados deverão relevar mais do bom-senso que de outra coisa.
Chegámos ao ponto em que estamos depois de algumas décadas de um crescimento económico mundial absolutamente avassalador que se seguiu ao fim da Segunda Grande Guerra. O sistema capitalista ou de livre-mercado provou que era o melhor sistema para criar riqueza e dar origem a crescimento económico, emprego e desenvolvimento. Até aos anos oitenta do século passado, ao lado do sistema capitalista existia no entanto uma boa parte do mundo que seguia outro caminho: o sistema socialista. A certa altura, a pressão de crescimento do lado ocidental ou capitalista foi de tal forma que o outro lado implodiu: na realidade, em vez de Sol na Terra que tantos sonhavam era apenas um gigantesco buraco negro. Todos pensámos que a partir daí todo o mundo poderia assistir a um crescimento semelhante ao que o mundo ocidental tinha experimentado até então. No entanto, o desaparecimento do mundo socialista levou a que, algo contraditoriamente, o sistema de livre mercado desenvolvesse internamente uma crise de enormes proporções, ampliada pela falta de capacidade de resposta de políticos imaturos e impreparados, designadamente na nossa União Europeia.
A desregulação económica e financeira que se seguiu à queda do Muro de Berlim foi acompanhada de uma “economização” generalizada da sociedade. Os critérios para toda a actividade humana passaram a ser os mesmos do investimento económico puro e duro, criando-se uma sociedade egoísta e crescentemente desprovida de valores. A cultura sólida foi sendo substituída por turismo e conhecimentos “light”. Não será por acaso que na nossa Europa e mais acentuadamente entre nós, a taxa de fertilidade tenha descido até aos actuais níveis insustentáveis e que uma doença chamada depressão alastre pela sociedade e, em particular, pela juventude, da forma que se conhece. Não tenhamos dúvidas que a angústia mata, como costuma dizer o meu amigo Giuseppe, distribuidor da Cais na Baixa,. E a organização ou direi mesmo, a desorganização da nossa sociedade actual é mesmo angustiante. Tenhamos todos a humildade e a capacidade de o reconhecer e de exigir a quem tem mais responsabilidades a nível da organização social, que tenham respeito pelas pessoas e pelas suas necessidades e legítimas ambições de valorização cultural e humana e não apenas de enriquecimento material. É que, ao contrário do que alguns possam pensar, é precisamente em alturas de aflição económica como a actual, que é mais necessário pensar nas pessoas e não apenas em economia.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 11 de Abril de 2011
segunda-feira, 4 de abril de 2011
ERCOLE SUL TERMODONTE
É raro, mas de vez em quando deparamo-nos subitamente com uma obra de arte que nos deixa absolutamente esmagados pela capacidade humana de elevar o espírito acima das tristes e desoladoras manifestações de inveja, mesquinhez e capacidade de perseguir os semelhantes do nosso dia-a-dia.
Como disse, sensações dessas são raras, mas felizmente acontecem. Sucedeu-me, por exemplo, a primeira vez que me defrontei com a Guernica de Picasso. E também com Las meninas de Velasquez e a Pietà de Miguel Ângelo.
Há poucos dias deparei-me com uma obra-prima absoluta que, certamente pela minha deficiente cultura, desconhecia que existia: a ópera que Vivaldi compôs sobre um dos trabalhos de Hércules: ERCOLE SUL TERMODONTE. Em mais um dos trabalhos que aceitou fazer, a fim de que Eristeu lhe permitisse partir definitivamente de Argos, após todas as tragédias por que tinha passado, Hércules partiu para a Capadócia a fim de buscar o cinturão de Hipólita, rainha das Amazonas. Após uma série de enganos e mentiras, as Amazonas entraram em guerra com o exército de Hércules tendo-se travado violenta batalha nas margens do Rio Termodonte de que resultou a morte das Amazonas e da sua rainha Hipólita. O objectivo que poderia ter sido conseguido facilmente e sem derramamento de sangue, só foi atingido por uma enorme tragédia. Mas de novo o gigante Hércules provou ser imbatível e regressou a casa com mais uma tarefa cumprida.
Foi sobre esta história que Vivaldi compôs a sua ópera verdadeiramente excepcional, que foi originalmente apresentada em Roma, no Teatro Capranica em 1723. Nesta cidade, por influência da Igreja, as mulheres não podiam então pisar o palco (nada que nos possa admirar aliás, se olharmos ao papel secundário que ainda hoje a Igreja reserva às mulheres). Os papéis femininos eram então dados a homens a quem, para conseguirem as vozes femininas, eram cortados os seus órgãos genitais: os famosos CASTRATI. O sucesso da nova ópera de Vivaldi foi estrondoso, tendo sido considerada uma autêntica revolução nessa arte. Felizmente, temos hoje a possibilidade de ouvir esta obra-prima, porque o libretto original do Teatro onde foi apresentada pela primeira vez foi integralmente conservado e as árias individuais foram guardadas em várias bibliotecas.
Os antigos mitos gregos exerceram grande influência da nossa cultura ocidental. Os trabalhos de Hércules mostram como, ao longo da vida, se torna necessário ultrapassar dificuldades diversas. Se umas são mais fáceis e se resolvem com relativa facilidade outras há que, pela sua complexidade exigem destreza, compreensão das circunstâncias e mesmo capacidade de ultrapassar obstáculos que, à partida, pareciam intransponíveis. Momentos há em que a força moral e mesmo a física parecem chegar ao seu limite e descobrimos tantas vezes que ainda temos mais para dar.
Passamos todos nós, nesta altura, por um momento de desânimo nacional, em que apenas se parece discutir a ajuda que os estrangeiros nos podem dar para sair da crise que nós próprios criámos. Haja consciência de que não há tarefas impossíveis. Tal como Hércules, temos que tomar consciência da realidade das tarefas, apetrecharmo-nos dos meios necessários (incluindo financiamento nas melhores condições possíveis) e ter a capacidade e vontade de ultrapassar as dificuldades. Por nós próprios.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 4 de Abril de 2011