jpaulocraveiro@ gmail.com "Por decisão do autor, o presente blogue não segue o novo Acordo Ortográfico"
domingo, 11 de setembro de 2011
segunda-feira, 5 de setembro de 2011
Um Beijo Atlântico Brasileiro
Não vou aqui comentar a qualidade do recital porque me falta formação musical adequada para o efeito, embora o entusiasmo do público presente deva ser suficiente para aquilatar dessa qualidade, aliás garantida à partida pelo curriculum dos músicos brasileiros intervenientes. As explicações do Maestro antes de cada canção permitiram à assistência perceber a riqueza e qualidade da composição erudita do Brasil desde os fins do século XIX, que vai muito para além do celebrado Villa Lobos que, aliás, também ali foi interpretado.
O Maestro Gustavo Petri veio a Coimbra a convite da Orquestra Clássica do Centro para orientar artisticamente o curso de Direcção de Orquestra Manuel Ivo Cruz que decorreu ao longo de toda a última semana no Pavilhão Centro de Portugal; Gustavo Petri é regente, compositor e pianista, sendo hoje em dia um dos nomes mais importantes da regência no Brasil.
A organização deste curso de regência em Coimbra é uma iniciativa inédita entre nós por diversos motivos. Desde logo, porque se trata de uma acção cultural de relevantíssima qualidade numa área específica de grande importância no meio musical, que é raro acontecer por ser difícil encontrar as condições necessárias para a sua realização e que proporcionou uma experiência diferente aos músicos profissionais inscritos. Os inscritos vieram de diversos locais do país, tornando Coimbra num centro de difusão de conhecimento aprofundado numa área importantíssima da cultura. Por outro lado, a vinda dos músicos brasileiros traduziu, na prática e de uma forma muito concreta, o que pode ser uma política cultural evoluída que abranja troca de experiências e formação superior proporcionada a artistas, que se reflectirá sempre numa melhoria do nosso nível cultural. Sabendo-se do desejo da OCC de que este seja o primeiro de muitos cursos deste género, com outros maestros estrangeiros a virem partilhar os seus conhecimentos na área da regência musical, espera-se que a Cidade perceba o alcance cultural desta iniciativa, apoiando-a como merece.
Curiosamente, o Maestro Gustavo Petri é o actual regente titular da Orquestra Sinfónica da Cidade de Santos que é uma das 21 cidades geminadas com Coimbra, distribuídas por todo o mundo. Todos nós nos teremos já perguntado para que servirão tantas geminações, para além das viagens que proporcionam. De facto, as geminações poderão ser interessantes se possibilitarem trocas de experiências a nível cultural, empresarial, turístico, etc. Embora esta vinda de músicos brasileiros a Coimbra não tenha sido proporcionada pela geminação, espera-se que essa situação se possa alterar no futuro.
"Um Beijo Atlântico Brasileiro" é uma canção com letra de Taís Bandeira e música de Gustavo Petri, foi composta de propósito para o recital de sexta-feira e traduz um enamoramento de brasileiros por Portugal; o facto de a sua primeira audição ter sido na Biblioteca Joanina sob o olhar altivo de D. João V é bem o sinal de que a cultura ultrapassa os revezes da História e aproxima os povos de uma forma insuperável. Obrigado à OCC por ter tornado aquele momento possível.
domingo, 4 de setembro de 2011
segunda-feira, 29 de agosto de 2011
REFÉNS DA FINANÇA
A crise que se abateu no mundo ocidental e que começou como financeira alastrando rapidamente para a o resto de economia está aí para durar e para trazer ainda mais sacrifícios. Quando caiu o Lehman Brothers, os apoios à restante banca foram gigantescos, com os Estados a assumir os chamados "activos tóxicos". Os responsáveis directos pelos problemas foram assim salvos, tendo passado os anos seguintes a ver se escapavam à chuva, estando hoje novamente a tratar livremente dos investimentos globalizados. Lembro-me bem de, no pico da crise em 2008, todos os responsáveis assinalarem que deviam ser desenvolvidos novos meios de controlo dos fluxos financeiros internacionais, de regulação da actividade bancária de investimento, etc para evitar futuras crises semelhantes. Dizia-se que se deveriam encontrar novos mecanismos internacionais para prevenir, à semelhança do sucedido na sequência da Grande Depressão e da tragédia da II Grande Guerra, quando em Bretton Woods se constituiram o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. O que é facto é que não se viu nada, a não ser os apoios estatais à banca que assim se livrou de problemas e reequilibrou os seus balanços com o dinheiro de impostos. Entretanto, a crise transferiu-se para o resto da economia, até porque esta se viu sem o dinheiro que foi para os bancos e lá ficou. Os líderes dos grandes países, que não querem perder o seu estilo de vida nem os mercados que lhes garantem o consumo do que produzem andam numa aflição, impondo regras austeras aos países que não foram capazes de conter despesas, endividando-se brutalmente e deixando crescer os seus défices orçamentais a níveis insustentáveis (no que têm grandes culpas no cartório).
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 29 de Agosto de 2011
A Europa parece actualmente uma barata tonta. Os responsáveis políticos europeus conseguiram inventar o pior dos mundos. Por um lado, instituíram uma moeda única e um Banco Central Europeu. Por outro lado, deixaram os países com as suas próprias execuções orçamentais e acesso próprio aos mercados para financiamento das suas dívidas, sem disporem de instrumentos de política monetária própria. Tudo isto sem montar uma única instituição comunitária de controlo político das finanças públicas. Puseram-nos completamente à mercê dos especuladores internacionais. Claro que as famosas agências de notação internacionais ajudam a dar cabo disto tudo, já que trabalham com procedimentos automáticos que os sistemas informáticos hoje permitem e não estão imunes, longe disso, à tentação de elas próprias se meterem em negócios escuros de contratos que permitem grandes ganhos ilícitos. As instituições europeias a tudo isto dizem quase nada; até porque o próprio e celebrado "Tratado de Lisboa" proíbe a utilização de meios que possam fazer frente aos ataques especulativos, em nome da tão celebrada livre concorrência.
Com tudo isto, o Euro está pelas ruas da amargura como seria de esperar? Nada disso, continua forte e sereno perante o dólar, como se nada se passasse. De facto, o problema é mesmo político. O almoço recente entre Angela Merkel e Sarkozy, a que se seguiram declarações pífias sobre um celebrado "governo económico europeu" a ser presidido por Van Rompuy (o leitor conhece de algum lado?) e que reuniria duas vezes por ano, foi bem a imagem do desnorte dos líderes europeus.
Os líderes políticos têm que por na ordem a indústria financeira sem complexos, porque há coisas mais importantes que os mercados e a livre concorrência; caso contrário não se augura nada de bom para o nosso futuro, até porque hoje em dia o dinheiro é a base do funcionamento da economia mundial, tal como o ar é essencial para respirarmos.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 29 de Agosto de 2011
segunda-feira, 22 de agosto de 2011
CIDADES AMIGÁVEIS
Com a urbanização crescente e o abandono dos campos, as cidades tornaram-se o local normal para se viver. Podemos (e devemos) pôr em causa o modelo de crescimento que deu origem à transferência populacional para as cidades e para o litoral. Mas isso não impede que nas cidades haja mais emprego, que esses empregos sejam essencialmente em serviços e comércio, em vez dos duros trabalhos da agricultura. Nas cidades há também mais oferta de ensino e de cultura, proporcionando-se assim mais qualidade de vida às chamadas classes médias.
A evolução da economia através da globalização e da "desmaterialização" da execução de muitas tarefas, leva a que as cidades tenham já hoje um papel determinante na cena internacional, ultrapassando mesmo as limitações geográficas e mesmo de soberania.
A gestão das cidades é hoje uma tarefa imensa e diversificada. Desde as responsabilidades a nível das infra-estruturas, ao ensino a diversos níveis com tarefas inerentes como transportes e refeições escolares, a políticas de apoio a juventude, terceira idade e desporto. Políticas a nível social, como habitação. Políticas de recuperação de centros degradados. Políticas de atracção turística. Políticas de desenvolvimento a médio e longo prazo, como planos de urbanização e estratégicos. Políticas de promoção do desenvolvimento económico, que deverão aproveitar todas as sinergias existentes, como escolas tecnologias a nível superior, indo chamar os investidores e não ficando à espera que apareçam.
Políticas de afirmação própria das cidades, através da Cultura, apoiando quem faz cultura e diferença.
Com tudo isto e muito mais, torna-se difícil contornar dois obstáculos grandes à gestão das cidades. Em primeiro lugar, as máquinas burocráticas que uma legislação pesada e uma partidarite absurda fizeram crescer até um ponto insustentável e que ocupam boa parte do tempo e dos esforços dos responsáveis eleitos. Em segundo lugar, as grandes questões estratégicas não devem fazer esquecer que as cidades existem já. E têm cidadãos que todos os dias usam infra-estruturas públicas, incluindo o espaço público. É este espaço utilizado todos os dias pelas pessoas desde que saem de casa para trabalhar, fazer compras, fazer jogging, passear as crianças, etc., que lhes fica no olhar e constrói o seu mundo real quotidiano. Não é preciso que esse espaço público seja luxuoso, como tantas vezes se vê hoje, num desbaratar inconsciente de dinheiros. Agora, tem é que estar cuidado, limpo, confortável, seguro.
Ao longo dos anos já fiz várias sugestões nestas linhas para que aquele objectivo seja alcançado de forma barata e eficiente. Relembro duas: o patrocínio de construção e manutenção de pequenos jardins por empresas ou outras instituições que lhes estejam próximas; a adopção dos gestores de bairros, que poderão ser reformados ou mesmo desempregados, cujo trabalho será andar pelas ruas e comunicar às autarquias (câmaras e juntas de freguesia) a existência de lixo acumulado, um buraco na calçada, uma grade estragada, um vidro partido ainda que num edifício privado, um banco partido, etc. etc.
As cidades têm que se afirmar num contexto muito difícil e sofisticado. Mas se não forem simpáticas e acolhedoras para os seus próprios cidadãos, isso não valerá de nada. E é tão fácil. Basta estar atento aos pormenores, cuidar das pequenas coisas e perceber que acima de todos os grandes projectos estão as pessoas, por mais simples que possam parecer.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 22 de Agosto de 2011
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
ESTA NÃO É UMA "SILLY SEASON"
A barbárie à solta pelas ruas de Londres e outras cidades inglesas não foi o único acontecimento digno de nota dos últimos dias. Infelizmente, acrescento eu.
Na realidade, algo está a mudar neste nosso mundo ocidental, com uma rapidez e uma profundidade ainda impossível de conhecer.
A economia ocidental continua num autêntico caos, sendo evidente o desnorte dos mercados financeiros e dos responsáveis políticos aos diversos níveis. As bolsas europeias e americanas mostraram durante toda a semana passada uma volatilidade e uma falta de consistência verdadeiramente assustadoras. Apesar das garantias do tipo bushiano apresentadas por Obama, segundo o qual a economia americana foi, é e sempre será "triplo A", a verdade é que, pela primeira vez na História, uma das agências de notação baixou a cotação da dívida americana.
O risco de incumprimento das dívidas italiana e espanhola agravou-se, havendo um medo generalizado de que o Euro, tal como está, poderá não resistir muitos mais meses; sente-se no ar que esse medo está no limiar de se tornar em pânico colectivo. A banca francesa está sob vigilância com uma grande queda das suas acções, temendo-se pela situação financeira de um dos maiores bancos franceses. Soube-se que a economia francesa estagnou também no primeiro semestre.
Enquanto tudo isto acontece, os líderes da Alemanha e da França vão telefonando entre si e aos restantes líderes europeus e combinam almoços para tentar resolver os problemas da Europa e, sei lá, do mundo. Da União, poucas notícias, a não ser que o BCE lá comprou mais dívida portuguesa e irlandesa para acalmar os mercados, como se fosse esse o papel de um Banco Central. Da Comissão apenas se ouve, sempre e eternamente, que as restrições orçamentais são para cumprir a qualquer custo, sendo evidente o estiolamento das economias reais; haja alguém que conte a Barroso e afins a história que por cá se conhece como do burro espanhol, sem ofensa para os nossos irmãos ibéricos: o coitado do animal acabou por morrer quando estava quase a aprender a viver sem comer.
Entretanto, a Espanha, a França, a Itália e a Bélgica decidiram proibir temporariamente a venda de acções a descoberto, tentando cortar o caminho aos especuladores que lucram com as desvalorizações; tentativas inglórias, porque desgarradas, de fazer frente a problemas de desregulação financeira da globalização.
É. De facto os acontecimentos ocorridos em Inglaterra são outro sinal de uma doença global. Mal vai quem despreza as suas causas e apenas vê a necessidade de reprimir com força aqueles comportamentos quase inacreditáveis, pela selvajaria colectiva que demonstram. Assim como não tem lugar aqui a análise sociológica habitual que acaba por ser desculpabilizante, ao considerar aqueles indivíduos como vítimas de uma sociedade que os oprime, supostamente "jovens de classes desfavorecidas residentes em bairros sociais" provavelmente até pertencentes a minorias étnicas. Nada de mais errado, porque já é possível caracterizar demograficamente, com alguma precisão, quem participou naquele vandalismo desenfreado, à medida que vão sendo identificados e levados perante a justiça. E a verdade é que fogem a todos os estereótipos adoptados, sendo na sua maioria gente vulgar que aproveita o anonimato da multidão para ir buscar os objectos que o consumismo os levou a desejar. Anthony Burgess, na sua "Laranja Mecânica" levada brilhantemente ao cinema por Kubrick, previu bem até onde poderia chegar a violência dos gangues urbanos, falhando apenas na sua dimensão.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 15 de Agosto de 2011
sexta-feira, 12 de agosto de 2011
segunda-feira, 8 de agosto de 2011
O MAL, SEMPRE PRESENTE
Não é possível pensar no morticínio que sucedeu na Noruega há poucas semanas sem sentir um nó no estômago, uma espécie de enjoo e vontade de vomitar. Se os efeitos da bomba colocada num carro numa rua em Oslo fazem já parte do nosso quotidiano, porque quase todos os dias vemos imagens de algo semelhante ocorrido em algum sítio do mundo, o que sucedeu depois na ilha de Utoia já é muito diferente. Um jovem norueguês passou mais de hora e meia de armas na mão a perseguir e matar a sangue frio todos os jovens que foi encontrando pela frente na pequena ilha onde estavam acampados. Foram 76 vidas ceifadas, 76 futuros cortados, 76 pais e 76 mães que perderam um filho ou uma filha sem ninguém saber exactamente porquê, nem para quê.
Adicionar legenda |
Antes de sair de casa para levar a cabo o massacre que planeou sozinho durante quase dez anos, Anders Breivik de 32 anos até descarregou na net um documento com mais de 1500 páginas onde supostamente daria explicações para o seu acto. Um conjunto monstruoso de disparates e citações as mais diversas, onde é difícil encontrar um rumo definido, para além do mal absoluto e de ódio a tudo o que é diferente. Um narcisismo evidente leva-o a colocar fotos suas fardado e cheio de medalhas, ele que nunca fez serviço militar, bem como usando fatos de combate ridículos, com condecorações anedóticas inventadas por ele mesmo.
O ódio ao multiculturalismo é um traço comum nas diversas arengas “explicativas” adiantadas pelo autor do massacre. A Noruega é hoje um dos países com maior nível de vida do mundo, graças às reservas gigantescas de petróleo que possui e explora. Ao contrário de muitos outros países exportadores de “ouro negro”, a Noruega definiu muito bem, por lei, o destino a dar às receitas que obtém através da exploração petrolífera. Desde logo, uma percentagem de 30% é destinada a alimentar um fundo soberano, que é dos maiores do mundo. Depois, a Noruega construiu um sistema de protecção social invejável para todos os seus cidadãos, no que respeita por exemplo à educação, à saúde e segurança social. Mas a Noruega não se fechou sobre si própria. Não aderiu ao Euro e percebe-se bem porquê. Mas, em compensação, destinou verbas assinaláveis para apoiar outros países, onde se encontra também Portugal; cá em Coimbra, por exemplo, o sistema de rega ecológico do Jardim Botânico que permite poupar água da companhia e gastos desnecessários foi custeado pelo governo norueguês que apoiou financeiramente vários outros projectos no nosso país, designadamente na reabilitação de bairros sociais degradados. Não contente com isso, a Noruega destinou verbas enormes para o apoio a populações de áreas problemáticas de todo o mundo, recebendo mesmo no seu território imensa gente carenciada e perseguida por várias razões, como é o caso da Somália. Esta atitude e a tolerância nacional perante a chegada de muito imigrantes a um país agora rico e que são acolhidos com grande atenção e mesmo cuidados que obviamente não tinham no seu país de origem, dá por vezes origem a reacções por parte de inadaptados que se acham donos do país, por vezes com grande violência como aconteceu agora. Gente que confunde tolerância e apoio a desfavorecidos com multiculturalismo. Gente que para mostrar ódio a muçulmanos resolve massacrar pessoas do seu próprio país, não pode ser senão considerada como personificação do mal absoluto, pela completa falta de sentido das suas acções e desrespeito pelos semelhantes.
Muito bem fez um jovem norueguês escapado ao massacre, ao escrever a Breivik afirmando que não lhe tem ódio. Mostrou que o futuro é dos Homens que defendem a Paz, o que é particularmente significativo num país que atribui o Nobel da Paz.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 8 de Agosto de 2011
segunda-feira, 1 de agosto de 2011
QUESTÕES DE CIDADES: O COMÉRCIO DE RUA
A evolução a longo prazo das sociedades é algo que escapa ao voluntarismo de atitudes e mesmo acções, por mais bem intencionadas que elas sejam. O mesmo acontece com as Cidades. Neste caso, o planeamento é crucial para impedir grandes males, mas é frequentemente incapaz de promover evolução num ou noutro sentido, havendo inevitabilidades a que não se consegue fugir, por mais ilógicas e injustas que pareçam ser. As últimas décadas foram particularmente infelizes no que toca ao desenvolvimento das nossas cidades, que muitos frequentemente confundem com crescimento. Isto apesar de nunca se ter falado tanto de Planos, seja a nível local, regional ou mesmo nacional. O que é facto é que as cidades cresceram sem limites, criando enormes manchas de ocupação nova e abandonando os seus centros antigos. Isso reflectiu-se na própria vivência dos seus habitantes. As viagens casa-trabalho e casa-lazer ou mesmo para compras tornaram-se mais longas e obrigaram à utilização do automóvel para tudo. Foi assim que os centros comerciais se tornaram atractivos, principalmente porque facilitam o acesso automóvel aos seus clientes; Claro que, para além disso, apresentaram outros aspectos, como a novidade de lojas de cadeias até então inexistentes nessas cidades, o tratamento de ar criando um ambiente artificial mas agradável durante todo o ano, o conceito de lojas âncora, etc.
Em paralelo, os centros urbanos foram perdendo atractividade, com consequências na perda de valor dos edifícios existentes, na rarefacção de moradores, na consequente degradação económica e social e, no fim, no afundamento do comércio de rua. Para isso é hoje evidente que contribuíram igualmente uma pedonalização excessiva e mal estudada dos centros urbanos, mais virada para o turismo do que para a comodidade dos moradores e comerciantes, bem como as leis das rendas, antigas e actual, desadequadas a uma utilização socialmente eficiente do edificado existente.
Não há hoje dúvidas de que a aposta nacional na construção civil através do crescimento urbano se reflectiu no abandono dos centros urbanos, através de uma relação entre reabilitação do edificado e construção nova que de tão baixa que é, constitui caso único na Europa (7% entre nós, contra um média europeia de 36%). É ainda certo que boa parte da nossa dívida externa está enterrada nessa construção civil nova das últimas décadas, verdadeiramente absurda.
Felizmente, os centros urbanos começam hoje a suscitar uma atenção nova por parte dos diversos intervenientes, sinal seguro de uma mudança que trará novos tempos que só poderão ser melhores. Desde logo, a própria crise económica que vivemos favorecerá a mudança do paradigma da construção nova para a renovação urbana. A alteração do clima de consumismo para hábitos de maior poupança leva a que muitos consumidores evitem os centros comerciais que facilitam as compras desnecessárias. Os agentes económicos estão também a mudar os seus comportamentos. Para além de já não apresentarem o carácter de novidade para os compradores, os centros comerciais terão atingido entre nós o nível de saturação de área de oferta, começando a apresentar muitos espaços de lojas fechadas. A nova preferência de alguns retalhistas pelo comércio de rua em vez dos centros comerciais é já um facto nas principais cidades e deverá alastrar às cidades médias, "puxando" pelo comércio já instalado que deverá, obviamente, acompanhar a qualificação da sua oferta. Cabe agora nestas novas circunstâncias, às entidades públicas, aos comerciantes e suas associações darem as mãos e aproveitar este clima com respostas conjuntas para uma revificação dos centros urbanos.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 1 de Agosto de 2011
Subscrever:
Mensagens (Atom)