segunda-feira, 14 de maio de 2012

Queima das Fitas de Coimbra


A Queima das Fitas é uma festa de estudantes que voltou a ser o maior acontecimento festivo anual de Coimbra o que, só por essa razão, é motivo mais que suficiente para ser apoiado por toda a Cidade. É talvez o momento de maior entrosamento da Cidade com a sua Universidade. Recordo aqui aqueles dias em que, cinco anos decorridos sobre o 25 de Abril, a Academia decidiu finalmente que já não se justificava a manutenção do “luto académico” e a Queima foi recuperada. Perante as reacções antagónicas de uma parte restrita da academia, foi a própria Cidade, através do seu povo que subiu a Sá da Bandeira até à Associação Académica, e deu toda a força à recuperação da festa, numa manifestação histórica de unidade coimbrã.
Após trinta e tal anos de realização ininterrupta da Queima das Fitas, hoje em dia copiada em muitas cidades do país, há aspectos que deveriam ser reconsiderados para que a festa seja, mais que uma festa dos estudantes, um certame de que a Cidade goste ainda mais, de que se orgulhe e que lhe traga valor cultural, turístico e económico. Algumas coisas têm melhorado ao longo dos anos. A realização do Cortejo ao Domingo é uma delas. O esforço dos serviços camarários em proceder a lavagens e limpezas das ruas logo após a passagem do Cortejo é outra. A preocupação que este ano a Câmara e os organizadores manifestaram com o ruído é de louvar; não é aceitável que alguns cidadãos de Coimbra tenham que se “exilar” noutros locais ou que se encharquem em drogas para dormir durante a semana da Queima.
Dada a dimensão das “noites no parque”, a transferência de local foi positiva, porque o Parque Manuel Braga era insuficiente; é, no entanto, chegado o tempo de melhorar decisivamente as condições do chamado Queimódromo. O piso é completamente inadequado para este efeito, quer haja ou não chuva. Aquele palco que lá foi colocado há anos serve apenas para um tipo de espectáculos e mal. Deveria ser retirado e substituído por uma concha que permita outra variedade de espectáculos, de qualquer tipo de música, incluindo a clássica e jazz durante todo o ano, com condições mínimas de conforto e segurança, quer para os artistas quer para os espectadores; o enquadramento magnífico do Rio e da Cidade merecem-no.
Uma questão delicada tem a ver com o consumo excessivo de álcool. Alguns guias turísticos internacionais desaconselham já a vinda a Coimbra na semana da Queima das Fitas. Como motivo apontam as desagradáveis situações provocadas pelo generalizado consumo de álcool que, de facto, pouca alegria provocam e imenso nojo causam a quem as testemunha. O consumo de cerveja em Coimbra por esses dias bate todos os recordes e transforma a festa dos estudantes na de maior consumo da bebida em toda a Europa. Este ano foi-se mesmo ao exagero de colocar quiosques na rua para venda de cerveja, numa concorrência desleal com os estabelecimentos de porta aberta que pagam os seus impostos durante todo o ano e que também vendem cerveja, os quais foram claramente prejudicados.
Ao fim deste tempo, é possível detectar algum cansaço perante esta festa que se vai repetindo, sem grandes novidades nem originalidades de ano para ano, para além dos participantes que se vão renovando pela própria razão de ser da Queima. Sendo a Queima das Fitas a maior festa da Cidade, seria de toda a conveniência que a sua organização envolvesse outras entidades, para além dos estudantes da Comissão Central, o que lhe daria outra dimensão. Claro que, em primeiro lugar, é uma festa de estudantes, cabendo-lhes definir os programas e actividades. Mas é demasiado importante para Coimbra para que tudo isto não seja feito em colaboração com os responsáveis pela gestão da Cidade, seja a Câmara, sejam o Turismo, a Associação de Hotelaria e Restauração ou a Agência de Comerciantes da Baixa. Todos ganhariam com essa nova postura que permitiria uma oferta mais variada e de maior qualidade, colocando Coimbra no roteiro dos melhores festivais europeus.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Fez ontem anos

Em 7 de Maio de 1945,  o almirante Karl Donitz assinou a capitulação alemã 
Acabava a barbárie nazi.





segunda-feira, 7 de maio de 2012

Europa: um descaminho


O Euro foi criado à imagem e semelhança do antigo Marco alemão: ou era assim, ou a Alemanha não entrava na moeda única. Segundo muitos, radica aqui a origem de muitos dos nossos males de hoje. Acredito que haja alguma razão nisso, embora não explique tudo. De facto, a Alemanha tem um passado histórico difícil de gerir, desde as grandes guerras a que deu origem, até ao conturbado processo de integração da ex-Alemanha Oriental. Daí advém uma extrema ortodoxia na sua organização interna, em particular na gestão das contas públicas: são ainda demasiado frescas as consequências dos desvarios dos primeiros decénios do século XX alemão e existe um autêntico pavor de inflação elevada.
Tudo isto era conhecido aquando da criação da moeda única europeia. E, apesar disso, os dirigentes europeus, nacionais e comunitários, deixaram-se levar pela doce ilusão das baixas taxas de juro e da conversa sobre o orgulho de terem uma moeda forte. Andaram anos a deixar acumular dívida, a gastar e criar défices excessivos e a discutir autênticas aberrações como a decantada “estratégia de Lisboa”, a “Constituição Europeia” e assuntos do género, para não falar da regulação do tamanho da banana, das condições das gaiolas das galinhas, etc.
Por discutir e por aplicar a sério ficaram assuntos verdadeiramente importantes como o aprofundamento da federação europeia, absolutamente necessário a partir do momento em que se adoptou uma moeda comum. Assunto quase tabu, para não ferir susceptibilidades nacionalistas, que o próprio nome assusta muita gente. Isto depois de se terem transferido para a União algumas das principais soberanias nacionais. O resultado foi que ficou toda a gente de mãos atadas. Os diversos países do Euro, porque entregaram a política cambial e definição de taxas de juro à União; esta, porque os países continuaram com as suas políticas orçamentais e fiscais próprias. A Europa continua a ser uma grande potência económica, mas porta-se como alguém que na guerra possui uma arma poderosa, mas com o gatilho atado com um cadeado, sem a chave para o abrir.
Num mundo em que a globalização veio alterar todo o funcionamento económico e financeiro, a Europa tem-se portado como um autêntico “pato sentado”, ficando à mercê das consequências da desregulação dos fluxos financeiros, das tecnologias de informação, dos proteccionismos de muitos países outrora classificados como emergentes mas que são hoje “players” cada vez mais importantes como a China e o Brasil. Refém, acima de tudo, dos seus próprios fantasmas e de políticos sem capacidade para lidar com problemas novos, desconhecidos até dos estudiosos de economia que tateiam no escuro, acenando com fórmulas e respostas de outras épocas e outros mundos que não são os nossos de hoje
É neste contexto que Ângela Merkel age como se o Euro fosse acabar amanhã e tivesse de voltar ao antigo Marco, defendendo-se e fechando-se nas antigas políticas de segurança orçamental e anti inflacionista. Por isso exige a todos os outros “austeridade e reformas estruturais”, negando-se a considerar a hipótese de alterar o “pacto orçamental” com vista a partilhar os custos das dívidas e de défices dos outros países. Claro que estes têm todas as culpas do mundo sobre a situação em que se encontram, pelo descontrole das suas contas. Mas hoje torna-se evidente que a Alemanha está já a lucrar com os problemas dos outros. Numa altura em que a inflação anda acima dos 2,5%, a Alemanha coloca dívida pública a dez anos à taxa de 1,7%. Os fluxos do dinheiro europeu estão apenas com um sentido, ainda que a perder juros e que é o de ir para a segurança da Alemanha.
A injustiça de ser a Alemanha a pagar pelos disparates dos outros está-se a transformar numa injustiça inversa, que é a dos aflitos pagarem o bem-estar alemão, o que muda tudo. E mais uma vez convém ter uma visão histórica das coisas. A própria Alemanha que hoje é governada por tantos políticos crescidos na Alemanha de Leste se deve lembrar das dificuldades da integração alemã que se seguiu à queda do Muro de Berlim, tendo sido ajudada pelo resto da Europa, isto para não ir mais longe. E que a participação numa União exige cedências de todos para o Bem Comum, levando quase sempre a arrogância e o isolacionismo a maus caminhos de grande dor e sofrimento de todos, incluindo os que se acham donos da razão.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Maio de 2012