Claro que a Democracia não faz quarenta anos. À queda do
anterior Regime, que praticamente ninguém defendeu, seguiu-se uma fase de
instabilidade perfeitamente compreensível porque tudo se aprende na vida, até a
utilização consciente e responsável da Liberdade. Menos aceitável foi a
tentativa de apropriação dessa fase turbulenta para instalação de um novo
regime totalitário, através da manipulação de algumas facções extremistas de
militares.
Mas o povo português aproveitou bem a oportunidade que
lhe foi dada para manifestar a sua vontade em eleições, logo em 25 de Abril de
1975, criando condições para que em Novembro do mesmo ano o passo fosse
corrigido, orientando definitivamente Portugal para uma Democracia
representativa que o levasse ao seio da Europa ocidental.
Passados quarenta anos, podemos dizer que Portugal está
irreconhecível, para muito melhor. Eu frequentei a escola primária numa pequena
escola localizada á beira de um pinhal na Beira Alta onde só se chegava por um
caminho de terra e que tinha uma única sala para as quatro classes. Penso que
basta esta pequena descrição para se perceber o quanto diferente é o Portugal
de hoje.
Naquele tempo ainda se falava em “instrução primária”, depois passou-se
para “ensino” e hoje estamos no tempo da “educação”. As diferenças não são
apenas semânticas, têm verdadeiro significado. Claro que o aumento exponencial
de alunos que acompanhou a extensão da escolaridade obrigatória não podia
deixar de trazer uma descida da qualidade, algo que se está a tentar corrigir. O
acesso a cuidados de saúde era precário e caro, colocando muita gente fora dos
cuidados médicos mínimos. Algo que o Serviço Nacional de Saúde corrigiu,
colocando Portugal entre os países do mundo com melhores indicadores nessa
área.
Nem tudo correu pelo melhor, ou como deveria ter corrido.
A nossa velha pecha das más contas públicas obrigou-nos a chamar o FMI para nos
tirar da bancarrota por três vezes desde 74, obrigando a grandes sacrifícios
precisamente a quem menos responsabilidade terá por isso, como sucede nos dias
de hoje. O crescimento económico tem sido anémico, sempre abaixo das taxas anteriores
a 74, mesmo com os fundos europeus. A ocupação do território foi um desastre,
muito por causa da necessária recuperação do atraso na oferta de habitação, mas
também por uma inexistente política eficaz de ordenamento e de uma especulação
imobiliária patrocinada por autarcas e entidades bancárias.
Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão,
diz o povo na sua sabedoria. Ouvimos muitos hoje falar contra os partidos e
frequentemente com carradas de razão, mas não podemos esquecer que, sem
partidos, não há democracia. É nossa obrigação de cidadania sermos exigentes e castigarmos
os dirigentes que se esquecem do verdadeiro motivo pelo qual são chamados pelo
povo a exercer o poder: cuidar do bem comum, preparar sustentadamente o futuro
e proteger os que, por um ou outro motivo, são desfavorecidos.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Abril de 2014