segunda-feira, 11 de abril de 2016

Para memória futura.

Detesto militarismos.
Mas fiz serviço militar e sei que, como em tudo na vida, só se respeita quem se dá ao respeito.



Criminosos de guerra, dos nossos dias


 Por estes dias de grande azáfama informativa, ou antes de enxurrada de notícias que mais parece construção de biombo para esconder a realidade, houve uma que passou praticamente despercebida nos nossos meios de comunicação social: “Radovan Karadžić, líder dos sérvios bósnios na guerra da Bósnia de 1992-95 foi considerado culpado de genocídio e crimes de guerra pelo Tribunal Penal Internacional da ex-Jugoslávia na Haia. Foi condenado a 40 anos de prisão.” Para este texto tive que me socorrer da revista Economist e outros textos de imprensa internacional porque, por cá, parece só nos interessarmos por denúncias anónimas e umas pueris ameaças de bofetadas queirosianas.
Os mais jovens nem saberão o que foi a guerra na Bósnia e, provavelmente, nem imaginam que na nossa Europa, há uns escassos 20 anos, houve uma guerra cuja brutalidade e selvajaria não ficou a dever nada ao que se passa hoje no Médio Oriente.
Após a II Guerra Mundial, um dos países surgidos para lá daquilo a que Churchill chamou Cortina de Ferro, foi a Jugoslávia. O regime comunista instalado foi dominado com mão de ferro pelo Marechal Tito possuidor de personalidade muito forte mas que não tentou sequer solucionar as divisões entre as repúblicas, especialmente a Sérvia e a Croácia temendo-se que, quando o seu regime acabasse, se desse a desintegração do país.

De facto, após a sua morte e o fim do bloco soviético, os demónios dos ultra-nacionalismos libertaram-se e deram origem à guerra civil que surgiu entre 1992 e 1995, conhecida como Guerra dos Balcãs. As atrocidades cometidas por todos os lados deste conflito são indescritíveis, colocando em causa todo o nosso conceito de civilização e de respeito pelos outros, de uma forma ainda mais acentuada por acontecer no centro da Europa, em pleno final do século XX. Todos os fantasmas da região, que já tinham dado origem à I Grande Guerra, continuando pelas lutas entre extremistas nazi-fascistas e comunistas durante a II Grande Guerra e que tinham sido contidos pelo regime do Marechal Tito, pareceram transformar-se em verdadeiros cavaleiros do apocalipse, eliminando qualquer pequena mostra de humanidade.
O massacre de mais de 7.500 homens e rapazes muçulmanos bósnios no enclave de Srebrnica em Julho de 1995 foi apenas um dos dez crimes de que Karadžić foi considerado culpado pelo Tribunal Penal Internacional da ex-Jugoslávia, das onze acusações de genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e outras atrocidades. Evidentemente, Karadžić não andava sozinho. O seu comandante militar Ratko Mladic está também a ser julgado, devendo conhecer a sentença do Tribunal ainda no decorrer do corrente ano, mas o principal responsável, o ex-presidente jugoslavo Slobodan Milosevic já se livrou de qualquer penalização, por ter morrido em 2006, enquanto era julgado.
A história pessoal de Radovan Karadžić deve ser conhecida, dado ser a demonstração de como uma pessoa comum pode degenerar num criminoso sanguinário. Karadžić, nascido no Montenegro na Jugoslávia em 1945 é um psiquiatra com formação nas Universidades de Sarajevo e Colúmbia em Nova Iorque, sendo além disso um poeta com obra publicada. 

Apesar de tudo isso, as circunstâncias do fim da Jugoslávia e da sua herança política familiar, sendo filho de um antigo combatente da Chetniks, levaram-no a participar activamente numa das facções políticas e mais, a pegar em armas e comandar e participar nos crimes odiosos pelos quais foi agora condenado. Terminada a guerra dos Balcans, Karadžić pôde viver calmamente no centro de Belgrado, sem ser denunciado por ninguém, apesar dos mandados de busca internacionais que sobre ele pendiam, tendo deixado crescer umas barbas e usando identidade falsa, fornecida pelas próprias autoridades sérvias. Só em 2008 a polícia internacional o identificou, deteve e apresentou ao Tribunal onde aguardava ser julgado, tendo ele próprio assegurado a sua defesa, perante as mais de três milhões de folhas que compunham a acusação.
A História mostra que, quando os conflitos são mal resolvidos, há sempre consequências. Que as sentenças do Tribunal Penal Internacional da ex-Jugoslávia sirvam, pelo menos, para demonstrar que nos nossos dias a barbárie, mais tarde ou mais cedo, não fica impune.



segunda-feira, 4 de abril de 2016

FMI novamente com más notícias


 Neste período de “distensão política” poderíamos ser levados a pensar que o tempo do FMI em Portugal foi apenas um sonho mau e que já estávamos livres desses senhores. No entanto, a realidade tem muita força e acaba sempre por se impor, por mais que muitos tentem cobri-la com o manto diáfano da fantasia.
Portugal já tem um Orçamento de Estado para 2016, que foi promulgado pelo Presidente da República em apenas quatro dos vinte dias de que dispunha para o fazer. Não tendo sido levantadas quaisquer dúvidas sobre a existência de inconstitucionalidades no documento, não havia razões para que não entrasse rapidamente em vigor, até porque já estamos em Abril. É claro que não haveria inconstitucionalidades como em tempos recentes de aplicação do memorando com a troika, no fio da navalha das receitas e despesas, com a necessidade de fugir à bancarrota nacional que, essa, afinal não é inconstitucional.
Claro que, mais importante que ter um orçamento, é a sua concretização tendo em vista a recuperação da economia do país. E foi aqui que o relatório da terceira avaliação pós-programa do FMI veio como um duche de água gelada, por mais que se tente esconder isso do povo. O FMI mostra não acreditar nas metas contidas no Orçamento e pede que sejam tomadas medidas adicionais, quer do lado da despesa, quer do lado da receita, para que os valores do défice e da dívida no final do ano se aproximem dos objectivos fixados. A fim de diminuir a despesa do Estado, o FMI considera que “as propostas que dizem respeito à reversão total dos salários dos funcionários públicos este ano devem ser reconsideradas para um período de tempo mais longo”. Já do lado da despesa, o FMI considera que “ a reversão da sobretaxa de IRS e a redução do IVA para algumas categorias deve ser adiada até que seja identificado espaço orçamental para o fazer”.
Tudo isto porque o FMI prevê para este ano um défice das contas públicas de 2,9%, portanto 0,7% acima do previsto no Orçamento, quando em 2015 foi de 3,0% não contando com o efeito do BANIF, que por si acrescenta 1,4%, estando ainda por explicar a razão disso. No que respeita ao défice estrutural, o FMI prevê um agravamento de 0,5% do PIB, para o valor de 2% do PIB.
Como se a negritude do cenário traçado não fosse ainda suficiente, o FMI avisa que o crescimento da economia já atingiu o máximo, indo descer a partir de agora, com as opções orçamentais aprovadas, se não houver mais reformas estruturais. Quando se sabe que o anémico crescimento de 2015 que terá sido de 1,46 depois de ser de 0,91 em 2014 e claro, negativo nos anos anteriores, ainda pode descer mais, as preocupações não podem deixar de ser grandes. O FMI não se refere a outros factores como o desemprego, mas a verdade é que no primeiro trimestre de 2016 esta taxa voltou a crescer, o que já não sucedia há vários trimestres, o que não vem ajudar nada a sermos optimistas.

Por fim, o FMI alerta para o grave risco da revisão da única nota de investimento atribuída em Portugal, pela  única sociedade de rating que não nos classifica como “lixo”. A acontecer, o que poderá ser consequência de incerteza política ou se as previsões do Orçamento de Estado não se vierem a verificar, particularmente no crescimento económico, as consequências para o país serão muito más, quer pelo lado da falta de investimento estrangeiro quer, pior ainda, por o Banco Central Europeu (BCE) deixar de poder comprar dívida pública portuguesa e os bancos portugueses deixarem de poder usar a dívida soberana como colateral para se financiarem.
É bem sabido que o FMI não colhe a simpatia generalizada dos cidadãos, e isso acontece por boas razões. A simples referência à deslocação das suas delegações significa más notícias para os países que os recebem. A razão principal é que o FMI só tem que se deslocar a países que o chamam por estarem em situação financeira desesperada. Não vão àqueles que têm políticas que conduzem a crescimentos económicos e bem-estar dos cidadãos, porque não é preciso. As soluções que apresentam são também normalmente pesadas e exigem sacrifícios de grande parte das populações, principalmente das que não podem fugir, o que obviamente não é nunca o caso dos muito ricos.
No nosso regime democrático já fomos obrigados a chamar o FMI por três vezes, o que constitui um triste recorde internacional. Seria bom que todos tivéssemos consciência disso e das razões que levaram a essa resposta desesperada. Em vez de clamar contra o mensageiro das más notícias, que não é mais do que isso, devemos antes ter atenção ao que diz e exigir rigor nas contas públicas e na governação. Nada mais, aliás, do que o que o Presidente Marcelo fez na sua declaração ao país ao comunicar a promulgação do Orçamento de Estado.


domingo, 3 de abril de 2016

Concordo com José Manuel Fernandes:

"foi vergonhoso o voto contra do PSD na condenação, pela Assembleia da República, dos julgamentos de Luanda. Vergonhoso. Tal como o do CDS, pois o do PCP foi apenas… lógico."

Para onde vão as reversões? Quem tem mais cuidado em favorecer os desprotegidos, na prática?

Imagem A


https://desviocolossal.wordpress.com/2016/02/08/as-consequencias-redistributivas-de-um-governo-de-esquerda/

segunda-feira, 28 de março de 2016

Assassinos. Em todo o mundo.


E voltaram a fazê-lo. Os agentes do autoproclamado Estado Islâmico voltaram a matar pessoas na Europa, desta vez em Bruxelas que, para além de ser a capital da Bélgica, funciona também, na prática, como capital da União Europeia. Por isso mesmo, todos os que nos sentimos europeus, sentimos esses atentados como sendo contra nós próprios, o que nos faz sentir também atacados e vítimas da barbárie, em completa solidariedade com os 31 mortos e centenas de feridos em Bruxelas.
No entanto, e sem ir mais longe, uma revisão dos atentados de raiz islâmica desde 13 de Novembro de 2015 em que morreram pelo menos 137 pessoas em Paris, dá-nos um quadro tenebroso que não deixa praticamente nenhuma parte do mundo livre destas acções. Assim, de forma resumida, no mesmo mês de Novembro, um atentado em Beirute provocou 43 mortos, outro em Bamako no Mali, 27 mortos, e um em Tunes, 12 mortos. No mês de Dezembro, em San Bernardino nos EUA morreram 14 pessoas e em Panaclim no Paquistão, 23 pessoas. Já em Janeiro do corrente ano, um atentado em Zliten na Líbia, fez 65 mortos e outro em Jacarta na Indonésia, 8 mortos. Em Fevereiro, um atentado em Bagdad no Iraque, provocou 73 mortos. 

No corrente mês de Março, ainda antes de Bruxelas os terroristas islâmicos atacaram em Ancara na Turquia onde fizeram 37 mortos e em Grand-Bassam na Costa do Marfim, causando 18 vítimas mortais. Não refiro o nº de feridos, que é de largas centenas. Antes destes atentados, recorda-se o sucedido em Bruxelas em Maio de 2014 quando um islamita matou 3 pessoas no Museu Judaico, dando início a este ciclo de atentados, a que se seguiu a matança do Charlie Hebdo em Paris, em Janeiro de 2015, em que morreram 12 pessoas.
Há evidentemente um ponto comum em todos estes atentados, que é o facto de em todos eles os autores se reivindicarem de islamitas e agirem em nome da sua religião, pela construção de um dito califado e contra os cruzados do ocidente. Notoriamente são tele-comandados pela organização do dito Estado Islâmico ou DAESH que em muitos casos envia os terroristas, mas em muitos outros utiliza agentes nascidos nos próprios países europeus onde atacam.
Estes ataques terroristas, juntamente com os milhões de refugiados que há anos procuram a segurança da Europa, são uma das consequências do estado actual do Médio-Oriente. Se até ao final dos anos 70 do século passado a vida naquela zona do globo era minimamente aceitável, bastando ver as fotografias dessa altura, a implantação dos estados teocráticos desfez as ilusões de quem imaginaria que a civilização, tal como a conhecemos no resto do mundo, era ali possível. O regime dos aiatolas no Irão e a monarquia da Arábia Saudita acirraram os ódios seculares entre as duas principais facções islâmicas, favorecendo o surgimento de pequenos grupos radicais que foram crescendo de importância, até se tornarem no que são hoje. A invasão soviética do Afeganistão em 1979 e a guerra selvagem que se seguiu, criou as condições para o regime dos talibans e o desenvolvimento da Al-Qaeda, o atentado do 11 de Setembro e posterior invasão americana, a que se seguiram as guerras do golfo. As chamadas primaveras árabes que descambaram nos mais sombrios invernos e a guerra civil na Síria formaram o caldo em que os mais radicais dos radicais islâmicos começaram a fazer o que se considerava impossível, isto é, conquistar grandes áreas de terreno, estabelecer uma organização económica também ela toda baseada em terrorismo e formar algo com aparência de estado, o DAESH.

Os ataques internacionais contra o dito Estado Islâmico têm sido importantes e estarão a ter consequências quer na sua organização, quer na reconquista de terreno. Mas existe a sensação de que não está a ser tudo feito para acabar com ele, o que levanta dúvidas e mesmo suspeitas sobre os seus financiamentos e aquisição de armamento. A venda de petróleo e bens culturais tem que ser feita através de países vizinhos, tal como a entrada de armamento.

Discute-se muito, e bem, sobre o controlo dos possíveis terroristas no interior dos países europeus e a necessidade de prevenir os actos terroristas; discute-se igualmente a necessária segurança associada aos milhões de refugiados vindos do Médio Oriente. Mas essas, repito, são consequências de algo e não o verdadeiro problema. E esse consiste na situação caótica no Médio Oriente, de que muitos são historicamente responsáveis, mas para o qual é necessário, acima de tudo, encontrar solução. Há o problema militar do Estado Islâmico que exige solução drástica e rápida, através da concertação internacional, na qual a Europa tem que ter voz decisiva, dado que é a primeira a sofrer as consequências.
E há o problema cultural e religioso do Islão em confronto com o resto do mundo que há muitos anos escolheu um modelo civilizacional assente nos direitos definidos internacionalmente, quer os humanos, quer os das mulheres e das crianças, por exemplo. Esse será, talvez, o mais difícil de resolver sabendo que, se sempre houve fanáticos e sempre haverá, o que é preciso é que por detrás deles não haja falsos moderados a instigarem o ódio e o terror.

segunda-feira, 21 de março de 2016

Política e justiça



O que se passa no Brasil por estes dias é algo que nos choca por diversos motivos relacionados com o exercício da governação, com a corrupção política generalizada, com a justiça, levantando ainda várias questões co-relacionadas. De facto, para além do que vai sucedendo aos olhos do mundo, as reacções que suscita merecem também ser vistas com alguma atenção, pelo que revelam do mundo político.
A chamada operação “lava-jato” leva já dois anos e promete não deixar pedra sobre pedra na política brasileira, fazendo lembrar o que sucedeu em Itália com a operação “mãos limpas” na década de 1990. Depois de ter descoberto as ligações entre as maiores construtoras do Brasil, a Odebrecht, a Andrade Gutierrez e a Camargo Correa e os principais dirigentes do Partido dos Trabalhadores tendo como placa giratória a Petrobras, a Justiça brasileira chegou finalmente ao ex-presidente Lula da Silva, não há muito tempo doutorado Honoris Causa pela Universidade de Coimbra, recorde-se. A partir daqui, se antes já eram perceptíveis as manobras políticas para travar a Justiça, passou a assistir-se a algo inimaginável num país democrático, com a tentativa de nomear Lula da Silva para o Governo, com o objectivo confesso de o subtrair aos juízes.

Para se perceber o que se passa no Brasil, não se pode deixar de referir a actual situação económica do país. Quando Fernando Henriques Cardoso entregou a presidência a Lula da Silva em Janeiro de 2003, o Brasil tinha sofrido uma completa reforma económica a partir do “Plano real”, que havia retirado o país de uma década terrível do ponto de vista económico, colocando o Brasil na senda do crescimento. Lula teve a inteligência de prosseguir com a política económica de Fernando H Cardoso com um bom crescimento, enquanto criava uma série de programas para reduzir a pobreza do país, como o Bolsa Família e Fome Zero. A sucessora Dilma Rousseff veio, no entanto, a mostrar-se de uma grande incapacidade para garantir que o Brasil continuasse no bom caminho, em termos económicos.
Em 2015 a economia retraiu 3,8% e neste momento a economia desacelera há sete trimestres consecutivos. O consumo caiu 4%. O investimento cai pelo segundo ano consecutivo, acumulando actualmente 18%. O desemprego está a crescer, com 1,5 milhões novos desempregados em 2015, estimando-se para este ano que esse número suba aos 2 milhões. De acordo com os analistas internacionais, a redução do PIB per capita em 2015 e 2016 poderá ser superior a 10%, sem se prever sequer que em 2017 possa recuperar, antes pelo contrário. Neste caso, o Brasil estará a passar pela pior crise desde 1901, altura em que teve 3 anos sucessivos de recessão. A inflação em 2105 foi de 11%, o que traz receios de descontrolo, perante o estado geral da economia. A dívida pública deverá crescer 11 pontos em apenas dois anos, não havendo sinais de o governo de Dilma pretender diminuir o défice das contas públicas.
A razão das gigantescas manifestações contra a política da Presidente Dilma reside nesta trágica situação da economia brasileira.
Neste contexto, a descoberta de que as elites governativas participaram num gigantesco esquema de corrupção que lhes garantiu enormes fortunas, só poderia criar as condições propícias à revolta das classes mais atingidas, isto é, as classes médias. A atitude da Presidente Dilma tentando subtrair Lula à Justiça para obstruir a sua acção é de uma imprevidência inacreditável, para dizer o mínimo.

Entre nós espanta que, em vez de se discutirem os problemas como a situação económica do Brasil e a corrupção ao mais alto nível, se troquem os factores e se acuse a Justiça brasileira de perseguição a políticos, no caso precisamente com a mesma orientação ideológica. Ao arranjarem desculpas ideológicas para os corruptos, transformando-os em perseguidos em vez dos gangsters que na verdade são, apenas nos fazem pensar no que fariam se o poder lhes fosse parar às mãos.

segunda-feira, 14 de março de 2016

Trabalho infantil e escravo, hoje.

Os Estados Unidos da América aprovaram, no fim do passado mês de Fevereiro, legislação que proíbe finalmente a importação de produtos fabricados com recurso a mão-de-obra infantil ou escrava. Esta legislação veio tapar uma brecha na lei que permitia essa importação, caso a procura dos produtos em causa não pudesse ser satisfeita de outra forma, situação que se mantinha desde 1930.
A simples leitura de uma notícia destas causa perplexidade e mesmo alguma perturbação. Na realidade, no mundo actual e no ano de 2016 da nossa era, pode não parecer evidente que estas situações sejam uma realidade e, muito menos, que tenham uma expressão significativa. Vivemos numa União Europeia que é uma das regiões mais desenvolvidas e mais civilizadas do mundo e, à excepção de algumas ocorrências como é a actual crise dos refugiados causada pela situação de guerra do Médio Oriente, não é assim tão frequente chegarem até nós ecos de situações recorrentes de tão grande miséria humana como a escravatura ou o trabalho infantil.
Mas a necessidade de proibir algo é a primeira prova de que existe. E a lista que foi conhecida com o cruzamento dos produtos que podem ser resultado de trabalho forçado em escravatura ou por crianças, com os países onde tal acontece é verdadeiramente surpreendente. Que países do extremo-oriente como a Tailândia, o Cambodja ou as Filipinas surjam na lista não nos causará assim tanta admiração. Tal como muitos países africanos, onde talvez a pobreza extrema e persistente leve a que estas situações sejam mais frequentes, como são os casos da Guiné, da Serra Leoa ou do Congo. Satisfação causa o facto de nenhum dos países africanos de língua portuguesa fazer parte da lista, o que é de saudar. Mas a existência de numerosos países centro e sul-americanos provoca alguma surpresa e altera boa parte da percepção geral desses países, para pior. À cabeça está o Brasil com uma grande quantidade de produtos em que, pelo menos em parte da sua produção, são utilizadas crianças ou mesmo pessoas escravizadas de alguma forma. Estamos a falar de uma variedade de produtos que vão da cana do açúcar, ao algodão, aos tijolos, ao tabaco, ao vestuário, aos sapatos até à madeira, o que indicia uma situação verdadeiramente surpreendente no país irmão. Mas o Brasil não está sozinho, longe disso, sendo acompanhado pela Argentina, pelo México, pelo Paraguai e quase todos os centro-americanos desde a Bolívia à Colômbia ou à Guatemala.
Do lado dos produtos, há um que merece uma chamada de atenção especial. Estima-se que haja actualmente mais de 2 milhões de crianças na África ocidental a trabalhar na colheita de cacau, numa actividade fisicamente muito pesada e perigosa. Para além da colheita directa dos frutos da árvore, as crianças transportam cestos à cabeça com quilos e quilos de frutos e ainda procedem ao corte dos mesmos para retirar o miolo, trabalho feito com catanas que deixam milhares de crianças com feridas graves, no que corresponde a cerca de 40% das crianças envolvidas. Nesta zona do continente africano é produzido mais de 70% do cacau do mundo, principalmente na Costa do Marfim e no Gana, o que provoca uma dependência enorme da indústria mundial de chocolate do que aqui se passa. Afirma-se que os grandes fabricantes de chocolate têm investido dezenas de milhões de dólares nestes países com vista à erradicação do trabalho infantil na cultura do cacau mas, como é hoje evidente, o resultado não é minimamente satisfatório. E não é agradável, para dizer o mínimo, oferecer às nossas crianças chocolates Nestlé, Mars ou Cadbury, sabendo que na sua origem está o trabalho de milhões de outras crianças em condições desumanas.
E não devemos esquecer que, mesmo entre nós, o trabalho infantil era uma realidade ainda não há muitos anos. Podemos querer esquecê-lo ou até tentar calar a verdade, mas ainda nos anos noventa do século XX havia muitas crianças a trabalhar em Portugal. No Norte do país, uma boa parte das indústrias do vestuário e do calçado usava crianças na laboração embora de forma encapotada, ao deixar operários e operárias levar parte do trabalho para ser feito em casa. E aí, às escondidas de qualquer fiscalização, as crianças participavam arduamente na confecção dos produtos durante a noite que, no dia seguinte, seguiam para as fábricas.

Quer-se acreditar que, entre nós, esta situação já esteja completamente ultrapassada. Mas não podemos deixar de tomar consciência do problema, a nível internacional, já que hoje ninguém está sozinho e o que acontece do outro lado do mundo tem implicações no nosso dia-a-dia, nem que seja na oferta de uma tablete Kit Kat ou um pacote de M&M às nossas crianças.

segunda-feira, 7 de março de 2016

Mudança radical à vista no mundo automóvel

A sinistralidade automóvel é um problema gravíssimo pelo sofrimento e custos sociais e económicos que provoca às famílias atingidas e à sociedade em geral. É conhecido o conjunto de factores que podem estar associados aos acidentes de viação, em conjunto ou por si só: as características da via e do veículo e ainda do próprio condutor, para além da envolvente, como as condições meteorológicas.
Nos últimos dez ou quinze anos, a sinistralidade automóvel em Portugal conheceu uma diminuição assinalável. Tal deveu-se a uma melhoria radical das nossas estradas, a um rejuvenescimento do parque automóvel e também, por certo, a um policiamento mais eficaz com vista, essencialmente, a descer a velocidade habitual de circulação dos automobilistas portugueses.
Contudo, a partir de 2014/2015 verificou-se uma inversão na tendência de melhoria da nossa sinistralidade automóvel. Relativamente a 2014, no ano de 2015 registaram-se mais 5.569 acidentes rodoviários num total de 122.800, um acréscimo de quase 5%, que provocaram 478 mortos.
Têm sido apontadas várias razões para tal facto, nomeadamente ligadas a alguma retoma económica que provoca um aumento de viaturas em circulação nas estradas o que, no entanto, explicará apenas uma pequena parte do problema. Sucede que o aumento da sinistralidade nos últimos dois ou três anos se tem vindo a verificar em todo o mundo e, em particular, na Europa e nos EUA, pelo que haverá razões comuns, para além do circunstancialismo deste ou daquele país.

Dado que as estradas são as mesmas e os veículos automóveis são cada vez mais seguros, as causas para o aumento do número de acidentes residirão certamente no comportamento dos condutores. Os especialistas apontam uma razão essencial para o actual aumento da sinistralidade e tem a ver com a utilização de meios de comunicação dentro do carro. Todos nós, que diariamente nos deslocamos na cidade verificamos que, na realidade, é enorme o número de condutores que, com a maior descontracção, conduzem enquanto seguram o telemóvel junto ao ouvido com uma das mãos. Apesar da existência de inúmeros sistemas que permitem falar ao telefone mantendo as mãos livres, penso que não exagerei se disser que, na maioria dos casos não são utilizados, seja por razões de privacidade na conversa, seja por qualquer outro motivo ligado à opção pelo sistema mais fácil, que é pegar no telefone. Mas o problema não se restringe às chamadas. O telefone é hoje uma ferramenta de comunicação potente, que permite ler e enviar mensagens escritas, fazer o mesmo com e-mails e comunicar através das redes sociais. Para além da distracção causada pelos telefonemas, o desvio do olhar da estrada para o aparelho potencia de forma terrível o surgimento de acidente e é precisamente isso que se verifica actualmente em todo o mundo. O número de acidentes não aumenta nas auto estradas e sim em meio urbano ou sub-urbano onde, por a velocidade ser inferior, os condutores tendem a baixar a defesa na condução e se distraem mais facilmente.
Não por acaso, surgem cada vez mais notícias de que o desenvolvimento da indústria automóvel está prestes a seguir no caminho dos veículo que circularão sem intervenção de condutor. A enorme capacidade da informática nos dias de hoje, a possibilidade de utilizar sensores que analisam o meio ambiente de forma mais completa que as pessoas e a possibilidade de interligação automática entre veículos e entre eles e as infraestruturas viárias está a permitir o surgimento de viaturas que se conduzem por elas mesmas. Para além dos milhares de veículos experimentais da Google que circulam na Califórnia, há marcas que já oferecem a possibilidade de condução completamente automática em auto-estradas com velocidade até 130 Km/h. A vontade ou necessidade de as pessoas estarem permanentemente conectadas leva a que prescindam da condução em favor dessa situação, o que está a levar a indústria automóvel a tentar encontrar novas soluções que estão já a mostrar um futuro rodoviário completamente diferente daquele que conhecemos até hoje. Acresce uma maior consciencialização da tremenda tragédia dos mortos e incapacitados por acidentes rodoviários, situação que se considera cada vez mais inaceitável.
Os automatismos dos veículos automóveis já estão aí há alguns anos, em praticamente todos os segmentos, dos mais económicos aos mais sofisticados. Muitos dos condutores não se aperceberão disso e a esmagadora maioria nem perceberá o seu funcionamento, mas os veículos têm hoje diversos sistemas que funcionam independentemente da vontade ou da acção dos condutores. Desde o ABS até sistemas de detecção automática de peões, de leitura de sinalização rodoviária e de detecção de vias até aos sistemas electrónicos de controlo de estabilidade e de tração, o caminho tem sido o de aumentar a segurança activa e passiva dos veículos, para além das capacidades dos condutores.

O próximo passo, em grande parte ditado pelos comportamentos actuais dos condutores, será o da auto-condução generalizada dos veículos. E não deverá estar tão longe como o leitor possa imaginar.

quinta-feira, 3 de março de 2016

As mulheres são seres humanos?

Eis a magna questão discutida por uma academia saudita. Sim, nos dias de hoje. Ontem, há muito tempo, a Igreja Católica discutia o magno problema do sexo dos anjos, não sei se chegaram a alguma conclusão.
Mas as mulheres? Seres humanos? Lá teriam que deixar de andar tapadas, credo!

sauditahttps://actualidad.rt.com/sociedad/201115-mujeres-seres-humanos-saudita