Por estes dias de
grande azáfama informativa, ou antes de enxurrada de notícias que mais parece
construção de biombo para esconder a realidade, houve uma que passou
praticamente despercebida nos nossos meios de comunicação social: “Radovan Karadžić,
líder dos sérvios bósnios na guerra da Bósnia de 1992-95 foi considerado
culpado de genocídio e crimes de guerra pelo Tribunal
Penal Internacional da ex-Jugoslávia na Haia. Foi condenado a 40 anos de prisão.” Para este
texto tive que me socorrer da revista Economist e outros textos de imprensa
internacional porque, por cá, parece só nos interessarmos por denúncias anónimas
e umas pueris ameaças de bofetadas queirosianas.
Os mais jovens nem
saberão o que foi a guerra na Bósnia e, provavelmente, nem imaginam que na
nossa Europa, há uns escassos 20 anos, houve uma guerra cuja brutalidade e
selvajaria não ficou a dever nada ao que se passa hoje no Médio Oriente.
Após a II Guerra
Mundial, um dos países surgidos para lá daquilo a que Churchill chamou Cortina
de Ferro, foi a Jugoslávia. O regime comunista instalado foi dominado com mão
de ferro pelo Marechal Tito possuidor de personalidade muito forte mas que não
tentou sequer solucionar as divisões entre as repúblicas, especialmente a
Sérvia e a Croácia temendo-se que, quando o seu regime acabasse, se desse a desintegração
do país.
De facto, após a
sua morte e o fim do bloco soviético, os demónios dos ultra-nacionalismos
libertaram-se e deram origem à guerra civil que surgiu entre 1992 e 1995,
conhecida como Guerra dos Balcãs. As atrocidades cometidas por todos os lados
deste conflito são indescritíveis, colocando em causa todo o nosso conceito de
civilização e de respeito pelos outros, de uma forma ainda mais acentuada por
acontecer no centro da Europa, em pleno final do século XX. Todos os fantasmas
da região, que já tinham dado origem à I Grande Guerra, continuando pelas lutas
entre extremistas nazi-fascistas e comunistas durante a II Grande Guerra e que
tinham sido contidos pelo regime do Marechal Tito, pareceram transformar-se em
verdadeiros cavaleiros do apocalipse, eliminando qualquer pequena mostra de
humanidade.
O massacre de mais
de 7.500 homens e rapazes muçulmanos bósnios no enclave de Srebrnica em Julho
de 1995 foi apenas um dos dez crimes de que Karadžić foi considerado culpado
pelo Tribunal
Penal Internacional da ex-Jugoslávia, das onze acusações de genocídio, crimes de guerra,
crimes contra a humanidade e outras atrocidades. Evidentemente, Karadžić não
andava sozinho. O seu comandante militar Ratko Mladic está também a ser julgado,
devendo conhecer a sentença do Tribunal ainda no decorrer do corrente ano, mas
o principal responsável, o ex-presidente jugoslavo Slobodan Milosevic já se
livrou de qualquer penalização, por ter morrido em 2006, enquanto era julgado.
A história pessoal
de Radovan Karadžić deve ser conhecida, dado ser a demonstração de como uma
pessoa comum pode degenerar num criminoso sanguinário. Karadžić, nascido no
Montenegro na Jugoslávia em 1945 é um psiquiatra com formação nas Universidades
de Sarajevo e Colúmbia em Nova Iorque, sendo além disso um poeta com obra
publicada.
Apesar de tudo isso, as circunstâncias do fim da Jugoslávia e da sua
herança política familiar, sendo filho de um antigo combatente da Chetniks,
levaram-no a participar activamente numa das facções políticas e mais, a pegar
em armas e comandar e participar nos crimes odiosos pelos quais foi agora
condenado. Terminada a guerra dos Balcans, Karadžić pôde viver calmamente no
centro de Belgrado, sem ser denunciado por ninguém, apesar dos mandados de
busca internacionais que sobre ele pendiam, tendo deixado crescer umas barbas e
usando identidade falsa, fornecida pelas próprias autoridades sérvias. Só em
2008 a polícia internacional o identificou, deteve e apresentou ao Tribunal
onde aguardava ser julgado, tendo ele próprio assegurado a sua defesa, perante
as mais de três milhões de folhas que compunham a acusação.
A História mostra
que, quando os conflitos são mal resolvidos, há sempre consequências. Que as
sentenças do Tribunal
Penal Internacional da ex-Jugoslávia sirvam, pelo menos, para demonstrar que nos nossos
dias a barbárie, mais tarde ou mais cedo, não fica impune.
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