"Sem moeda própria não voltaremos a ter problemas de balança de pagamentos iguais aos do passado. Não existe um problema monetário macroeconómico e não há que tomar medidas restritivas por causa da balança de pagamentos. Ninguém analisa a dimensão macro da balança externa do Mississipi ou de qualquer outra região de uma grande união monetária. Isto não significa que não exista uma restrição externa à economia. Simplesmente esta é o resultado da mera agregação da capacidade de endividamento dos vários agentes económicos. O limite depende essencialmente da capacidade de endividamento dos agentes internos (incluindo os bancos) perante o sistema financeiro da Zona Euro. Se e quando o endividamento for considerado excessivo, as despesas terão que ser contidas porque o sistema financeiro limitará o crédito. O equilíbrio restabelece-se espontaneamente, por um mecanismo de deflação das despesas, e não têm que se aplicar políticas de ajustamento."
Em:
https://www.bportugal.pt/pt-PT/OBancoeoEurosistema/IntervencoesPublicas/Paginas/intervpub20000223.aspx
Meus amigos, percebem agora de onde vêm os nossos problemas? Dos dirigentes e não do povo.
jpaulocraveiro@ gmail.com "Por decisão do autor, o presente blogue não segue o novo Acordo Ortográfico"
quinta-feira, 5 de maio de 2016
Dívida pública (números)
De um comentário no blogue Quarta República:
No ano 2000, a dívida pública portuguesa somava 61 mil milhões de euros, o que correspondia a 48 por cento do PIB.
Era um valor bem abaixo do limite de 60 por cento estabelecido pelo tratado que criou a moeda única.
O problema é que em 2005 a dívida pública portuguesa atingiu os 96 mil milhões de euros, correspondentes a 62 por cento do PIB.
Tinha-se ultrapassado neste ano o limite dos 60 por cento estabelecido em tratado e isto obrigava Portugal a travar o endividamento.
Mas em vez de travar, Portugal fez exatamente o contrário: o endividamento disparou.
Como consequência, em 2011, quando a troika chegou a Portugal, a dívida publica já estava nos 185 mil milhões de euros, correspondentes a 108 por cento do PIB, quando o limite era 60 por cento.
Foi aqui que nasceu a crise da dívida em que estamos agora mergulhados.
Para agravar as coisas, o Eurostat descobriu que vários países, incluindo Portugal, estavam a esconder a dívida em empresas públicas, dívida que não era incluídas nas contas nacionais.
Ou seja, o país continuava a endividar-se mas escondíamos a dívida.
Bruxelas deu ordem para alargar o perímetro orçamental também às empresas públicas, o que fez ainda disparar mais os números da dívida.
De tal modo que no mês passado a dívida pública portuguesa atingiu os 233 mil milhões de euros, um valor que deverá rondar os 130 por cento do PIB, o que é mais do dobro dos 60 por cento a que Portugal se comprometeu por tratado.
No ano 2000, a dívida pública portuguesa somava 61 mil milhões de euros, o que correspondia a 48 por cento do PIB.
Era um valor bem abaixo do limite de 60 por cento estabelecido pelo tratado que criou a moeda única.
O problema é que em 2005 a dívida pública portuguesa atingiu os 96 mil milhões de euros, correspondentes a 62 por cento do PIB.
Tinha-se ultrapassado neste ano o limite dos 60 por cento estabelecido em tratado e isto obrigava Portugal a travar o endividamento.
Mas em vez de travar, Portugal fez exatamente o contrário: o endividamento disparou.
Como consequência, em 2011, quando a troika chegou a Portugal, a dívida publica já estava nos 185 mil milhões de euros, correspondentes a 108 por cento do PIB, quando o limite era 60 por cento.
Foi aqui que nasceu a crise da dívida em que estamos agora mergulhados.
Para agravar as coisas, o Eurostat descobriu que vários países, incluindo Portugal, estavam a esconder a dívida em empresas públicas, dívida que não era incluídas nas contas nacionais.
Ou seja, o país continuava a endividar-se mas escondíamos a dívida.
Bruxelas deu ordem para alargar o perímetro orçamental também às empresas públicas, o que fez ainda disparar mais os números da dívida.
De tal modo que no mês passado a dívida pública portuguesa atingiu os 233 mil milhões de euros, um valor que deverá rondar os 130 por cento do PIB, o que é mais do dobro dos 60 por cento a que Portugal se comprometeu por tratado.
terça-feira, 3 de maio de 2016
COIMBRA
Por diversas maneiras, umas mais ruidosas, outras mais silenciosas, foi-me feito sentir algum desconforto ou mesmo desagrado pelos textos que publiquei nestas duas últimas semanas sobre Coimbra.
Mas na realidade, se observarem bem, vereis que os aspectos abordados são os que considero estratégicos para Coimbra. Aqueles que permitirão dizer, daqui a vinte ou trinta anos (quem cá estiver) se a actuação dos responsáveis políticos escolhidos pelo povo foi boa ou se, pelo contrário, foi desfavorável à Cidade e seu concelho.
Claro que também observo se um determinado passeio está por arranjar, se um jardim ou outro está desconsoladamente abandonado, etc. etc. A questão é que estes problemas, cuja resolução é importante para o dia-a-dia dos cidadãos, não são o que definem o nosso futuro colectivo.
A estratégia para a Cidade exige pensar lá mais para a frente, perceber o que se passa aqui e no mundo em resumo, ver os problemas e saber como resolvê-los. Nada mais que isto. E já não é pouco.
Abraço amigo a todos.
Mas na realidade, se observarem bem, vereis que os aspectos abordados são os que considero estratégicos para Coimbra. Aqueles que permitirão dizer, daqui a vinte ou trinta anos (quem cá estiver) se a actuação dos responsáveis políticos escolhidos pelo povo foi boa ou se, pelo contrário, foi desfavorável à Cidade e seu concelho.
Claro que também observo se um determinado passeio está por arranjar, se um jardim ou outro está desconsoladamente abandonado, etc. etc. A questão é que estes problemas, cuja resolução é importante para o dia-a-dia dos cidadãos, não são o que definem o nosso futuro colectivo.
A estratégia para a Cidade exige pensar lá mais para a frente, perceber o que se passa aqui e no mundo em resumo, ver os problemas e saber como resolvê-los. Nada mais que isto. E já não é pouco.
Abraço amigo a todos.
segunda-feira, 2 de maio de 2016
Coimbra (parte 2)
A classificação da
Universidade e da Rua da Sofia como património da Humanidade pela Unesco não foi
mais do que o reconhecimento do extraordinário valor patrimonial de Coimbra que,
aliás, não se fica por ali. Basta recordar toda a Alta, a Igreja de Sta. Cruz
com os túmulos dos nossos primeiros reis e a Sé Velha, para além do Mosteiro de
Sta Clara-a-Velha, jóia patrimonial hoje patente em todo o seu esplendor. Tal
como Sta. Clara-a-Nova que abriga o túmulo da Rainha Santa numa Igreja, toda ela
espantosa.
O afluxo turístico
crescente que procura Coimbra encontra uma oferta hoteleira variada e de
qualidade, ao contrário de há poucas décadas.
A oferta cultural
de Coimbra conta hoje, para além dos tradicionais organismos académicos, com
diversas companhias de teatro profissionais dotadas de instalações devidamente
equipadas. Coimbra afirma-se hoje também por ter uma orquestra profissional de
música erudita residente que não poderá deixar de vir a ser aproveitada pelo
novo equipamento do Convento de S. Francisco o qual, pela sua dimensão e
qualidade, deverá levar Coimbra a competir culturalmente num campeonato
completamente diferente do que conhecíamos antes. Não poderemos esquecer que é
pela Cultura que actualmente qualquer Cidade se afirma a nível internacional. A
cultura é a manifestação pura da liberdade e o maior diferenciador entre uma
cidade perdida no passado e uma cidade viva e promotora da qualidade de vida
das suas gentes.
Os conimbricenses
criticam, muitas vezes com razão, aspectos menos felizes da Cidade e devem
certamente continuar a fazê-lo porque a exigência é sempre uma atitude cívica
correta e mesmo necessária. Mas desafio os leitores a, de vez em quando, saírem
das suas voltas habituais e a fazerem turismo dentro da sua Cidade, a pé de
preferência, e tentarem vê-la como os visitantes o fazem. Percorram os
trajectos dos turistas, visitem a Universidade e a sua Biblioteca Joanina, vão
ao Machado de Castro e criptopórtico, desçam à Baixa, uma vez pelo Quebra-Costas,
outra vez pela Couraça de Lisboa, vão até à Praça Velha e passem pela casa
medieval, olhem à volta e deliciem-se com aquilo por onde se passa tantas vezes
sem ver com olhos de ver, como se costuma dizer. Da esquina do antigo governo
civil encham os olhos com uma das vistas mais belas que conheço. Vão aos
espectáculos de teatro e de música, visitem as exposições, que as há sempre em
vários locais. Verificarão como Coimbra é hoje uma cidade diferente, virada
para o futuro, e que espera de todos nós uma atitude consentânea com essa
realidade, a começar pelos que, de uma forma ou outra, têm a responsabilidade
de propor respostas políticas.
Os anos setenta e oitenta
do século passado levaram grande parte do tecido económico de Coimbra. Não
adianta chorar pelas indústrias que desapareceram interessa, sim, perceber porque
isso aconteceu e de que maneira estamos a ultrapassar essa situação que não foi
exclusiva de Coimbra, antes pelo contrário, basta ver as enormes áreas
industriais abandonadas em Lisboa e no Porto. A adaptação a uma economia que
está a transformar-se rapidamente em todo o mundo exige uma capacidade de
resposta que passa muito pela flexibilidade e pela formação plural.
Características essas proporcionadas pela existência de um ensino superior
moderno e não elitista, virado para a investigação de topo, mas também para a
ligação ao mundo da economia e da cultura, exigência da tecnologia dos nossos
dias que rapidamente está a mudar as nossas vidas.
A saúde é um dos
nossos bens mais preciosos e a garantia de que todos podem ter acesso às
melhores condições para dela dispor é certamente um avanço civilizacional,
mesmo dos mais importantes. E é uma área em que a afirmação de Coimbra a nível
nacional, mas hoje também a nível mundial é uma verdade insofismável. A
qualidade da formação superior em medicina, enfermagem e farmácia, bem como a
investigação em todas as áreas ligadas à saúde, tem levado a uma afirmação que
vai muito para além da oferta de excelentes serviços de saúde. A economia
ligada à saúde é hoje em dia um “cluster” que em Coimbra tem uma importância
extraordinária e condições para continuar a desenvolver-se e a aumentar o seu
valor.
Estimado leitor,
embora possa parecer uma declaração de amor a Coimbra, esta crónica que acabou
por exceder o tamanho habitual e se dividiu em duas, é muito mais do que isso,
é a minha demonstração de que Coimbra é muito melhor do que muitos dizem.
terça-feira, 26 de abril de 2016
Coimbra (parte 1)
Não deverá haver
melhor dia para escrever sobre a minha Cidade do que este em que celebramos a
Liberdade e a devolução da soberania a quem nunca deveria ter sido tirada, o
Povo.
Coimbra é a minha Cidade de acolhimento, para onde vim estudar para
acabar o Liceu, porque naquela altura apenas as cidades capitais de Distrito
possuíam escolas até ao fim do 7º ano que permitia o acesso à Universidade.
Coimbra tinha ainda a vantagem de ter a sua Universidade, pelo que todas as
Beiras drenavam os seus estudantes para aqui, para além de virem outros de
grande parte do país porque, por exemplo, a Universidade do Porto não dispunha
da oferta de cursos da de Coimbra em Letras e em Direito. Tinha dezanove anos
aquando do 25 de Abril que viria a mudar radicalmente Portugal e também a
relação de Coimbra com o resto do país. As mudanças trazidas pela
democratização do ensino alteraram os fluxos de jovens, permitindo que
primeiro, fizessem os seus estudos secundários nas suas próprias terras de
origem e depois, os próprios estudos superiores à medida que novas
universidades e politécnicos se foram instalando por todo o território
nacional.
Pode-se dizer que
estas alterações não deixaram de ser, nas primeiras décadas da Democracia,
desfavoráveis a Coimbra que sofreu um notório definhamento na comparação com
outras cidades do país, não acompanhando a sua evolução. Era, eventualmente,
inevitável. Para isso contribuiu ainda uma evolução errada da ocupação do
território, que privilegiou o crescimento das áreas metropolitanas de Lisboa e
do Porto ensanduichando toda a zona das Beiras, com Coimbra no seu centro.
Certamente, não ajudou muito que responsáveis regionais pretendessem a
afirmação da zona Centro como sendo polinucleada, isto é com várias cidades
consideradas como equivalentes, tendo definido as políticas regionais em função
desse princípio. Tal terá contribuido para a diminuição da importância do papel
de Coimbra na região e, no meu ponto de vista, da própria região com efeitos
que ainda hoje se fazem sentir, nomeadamente nas ligações rodoviárias para cidades
do interior, casos de Viseu, Covilhã e Castelo Branco.
Mas Coimbra reagiu
e surge hoje com uma afirmação a vários níveis, que só os chamados
“coimbrinhas” no seu histórico pessimismo e gosto pela má-lingua se recusam a
ver. Se já não recebemos os estudantes das Beiras como dantes, em contrapartida
os estudantes estrangeiros que nos procuram são aos milhares e Coimbra não fica
notoriamente a perder, sob o ponto de vista económico, mas também pela nova
característica cosmopolita que ganhou.
O espaço urbano é
hoje muito diferente, surgindo a cidade como polinucleada, não já com apenas um
centro, o que lhe confere uma vivência urbana mais moderna e variada. Claro que
o velho centro sofreu desertificação, mas há hoje um movimento de regresso que
dentro de no máximo meia dúzia de anos, se poderá classificar de espectacular e
eu sei bem do que falo neste aspecto particular. Os parques verdes junto às
duas margens do Mondego alteraram por completo o relacionamento dos
conimbricenses com o rio que anseiam agora pela continuação da intervenção
urbana nas duas margens até à Ponte-açude.
(2ª parte na
próxima semana)
segunda-feira, 25 de abril de 2016
quarta-feira, 20 de abril de 2016
segunda-feira, 18 de abril de 2016
Offshore da decência
A resolução de
problemas financeiros pessoais ou empresariais tem um determinado tipo de
opções, desde que a honestidade, a ética e, mais prosaicamente a simples
decência, estejam bem arrumadas num qualquer local a recato de observações
incómodas. Tal como acontece com o próprio dinheiro arrecadado de uma forma
digamos, menos convencional.
Os chamados “Panama
papers” vieram avivar o interesse público pela utilização dos chamados
“offshores”, paraísos fiscais e zonas francas existentes um pouco por todo o
mundo e até mesmo, cá em Portugal. Curiosamente, a publicação a conta gotas
daqueles documentos, não veio trazer grandes surpresas no que diz respeito aos
portugueses envolvidos, que já estariam mesmo a ser objecto de investigações
por parte das nossas autoridades. Boa parte dos nomes incluídos seriam uma
surpresa mas ao contrário, isto é, se não estivessem na lista, quase como um
“noblesse oblige”. O mesmo não se dirá da inclusão de dirigentes chineses, a
começar pelo presidente, o seu irmão e vários outros altos cargos do partido
comunista chinês na lista dos detentores de empresas e contas bancárias
offshore, o que mostra bem que a ganância e a ética não têm cor política.
Nesta era em que,
pelos vistos, se dá tanto valor à amizade, os “Panama papers” vieram também
tornar pública a fortuna colocada em offshore de um grande violoncelista russo
que é um grande amigo de Vladimir Putin e é o feliz possuidor da singela maquia
de 2.000 milhões de dólares que o próprio também justificou como dádivas de
amigos e admiradores.
Lá está, costuma dizer-se que os amigos são para as
ocasiões e são tantas e tantas vezes a solução para problemas financeiros e não
só, que essa bela instituição da amizade se não existisse já há muito tempo,
teria que ser inventada de novo.
Claro que tudo o
que tenha a ver com bancos não tem, à partida, nada a ver com decência. Mas
resolver os problemas dos bancos portugueses que foram eles próprios a criá-los
com as suas escolhas empresariais ao longo dos anos através de um banco mau que
será com toda a certeza pago pelos contribuintes, é a prova disso mesmo. Quando
Portugal assinou em 2011 o famigerado “Protocolo de Entendimento” com a troika com
o empréstimo no valor de 78.000 milhões de euros visou apenas resolver os
problemas do Estado, deixando de lado o sistema bancário, que já na altura
necessitava de 30 a 40 mil milhões para se equilibrar.
A consequência foi os bancos,
um após o outro, serem objecto de resolução ou venda forçada ao primeiro que
aparecer, deixando de lado os “activos” mal parados para mais tarde resolver enviando
a conta aos cidadãos contribuintes. Alguém achará decente não deixar falir os
bancos, responsabilizando os donos/accionistas, protegendo-se apenas os
depositários até ao valor previsto na Lei? Porque já se sabe quem pagará a
conta dessa protecção e quem beneficia com isso.
E o que dizer de
altos responsáveis da Polícia Judiciária detidos por se terem deixado envolver
no tráfico da droga de cujo combate eram até há pouco tempo a cara? E dos
funcionários do Fisco que decidiram montar o seu próprio negociozinho privado
de venda de declarações falsas a empresários que delas precisavam? A boa
notícia é que as forças policiais funcionaram e não tiveram dúvidas em acabar
com o regabofe.
Tal como
anteriormente os responsáveis máximos dos serviços envolvidos na emissão de
Vistos Gold a estrangeiros foram detidos por suspeita de montarem o seu próprio
negócio co-lateral, envolvendo o próprio Ministro responsável por essa área
governativa.
Longe da decência
andará igualmente a proposta estapafúrdia de transformar as mulheres em mero
instrumento reprodutivo, através da proposta de aprovação das “barrigas de
aluguer”. Que diabo de direitos de terceiros podem justificar que as mulheres
possam ser legalmente reduzidas àquela condição?
Muitos milionários
colocam os seus haveres a bom recato de fiscos e outros olhares “incómodos”,
utilizando para isso os “offshores” que as autoridades deste mundo permitem e
até patrocinam. Mas tudo isto que vamos vendo e lendo por todo o lado mostra
que há algo que anda muito mais longe da vista e chama-se, apenas, decência.
segunda-feira, 11 de abril de 2016
Para memória futura.
Detesto militarismos.
Mas fiz serviço militar e sei que, como em tudo na vida, só se respeita quem se dá ao respeito.
Mas fiz serviço militar e sei que, como em tudo na vida, só se respeita quem se dá ao respeito.
Criminosos de guerra, dos nossos dias
Por estes dias de
grande azáfama informativa, ou antes de enxurrada de notícias que mais parece
construção de biombo para esconder a realidade, houve uma que passou
praticamente despercebida nos nossos meios de comunicação social: “Radovan Karadžić,
líder dos sérvios bósnios na guerra da Bósnia de 1992-95 foi considerado
culpado de genocídio e crimes de guerra pelo Tribunal
Penal Internacional da ex-Jugoslávia na Haia. Foi condenado a 40 anos de prisão.” Para este
texto tive que me socorrer da revista Economist e outros textos de imprensa
internacional porque, por cá, parece só nos interessarmos por denúncias anónimas
e umas pueris ameaças de bofetadas queirosianas.
Os mais jovens nem
saberão o que foi a guerra na Bósnia e, provavelmente, nem imaginam que na
nossa Europa, há uns escassos 20 anos, houve uma guerra cuja brutalidade e
selvajaria não ficou a dever nada ao que se passa hoje no Médio Oriente.
Após a II Guerra
Mundial, um dos países surgidos para lá daquilo a que Churchill chamou Cortina
de Ferro, foi a Jugoslávia. O regime comunista instalado foi dominado com mão
de ferro pelo Marechal Tito possuidor de personalidade muito forte mas que não
tentou sequer solucionar as divisões entre as repúblicas, especialmente a
Sérvia e a Croácia temendo-se que, quando o seu regime acabasse, se desse a desintegração
do país.
De facto, após a
sua morte e o fim do bloco soviético, os demónios dos ultra-nacionalismos
libertaram-se e deram origem à guerra civil que surgiu entre 1992 e 1995,
conhecida como Guerra dos Balcãs. As atrocidades cometidas por todos os lados
deste conflito são indescritíveis, colocando em causa todo o nosso conceito de
civilização e de respeito pelos outros, de uma forma ainda mais acentuada por
acontecer no centro da Europa, em pleno final do século XX. Todos os fantasmas
da região, que já tinham dado origem à I Grande Guerra, continuando pelas lutas
entre extremistas nazi-fascistas e comunistas durante a II Grande Guerra e que
tinham sido contidos pelo regime do Marechal Tito, pareceram transformar-se em
verdadeiros cavaleiros do apocalipse, eliminando qualquer pequena mostra de
humanidade.
O massacre de mais
de 7.500 homens e rapazes muçulmanos bósnios no enclave de Srebrnica em Julho
de 1995 foi apenas um dos dez crimes de que Karadžić foi considerado culpado
pelo Tribunal
Penal Internacional da ex-Jugoslávia, das onze acusações de genocídio, crimes de guerra,
crimes contra a humanidade e outras atrocidades. Evidentemente, Karadžić não
andava sozinho. O seu comandante militar Ratko Mladic está também a ser julgado,
devendo conhecer a sentença do Tribunal ainda no decorrer do corrente ano, mas
o principal responsável, o ex-presidente jugoslavo Slobodan Milosevic já se
livrou de qualquer penalização, por ter morrido em 2006, enquanto era julgado.
A história pessoal
de Radovan Karadžić deve ser conhecida, dado ser a demonstração de como uma
pessoa comum pode degenerar num criminoso sanguinário. Karadžić, nascido no
Montenegro na Jugoslávia em 1945 é um psiquiatra com formação nas Universidades
de Sarajevo e Colúmbia em Nova Iorque, sendo além disso um poeta com obra
publicada.
Apesar de tudo isso, as circunstâncias do fim da Jugoslávia e da sua
herança política familiar, sendo filho de um antigo combatente da Chetniks,
levaram-no a participar activamente numa das facções políticas e mais, a pegar
em armas e comandar e participar nos crimes odiosos pelos quais foi agora
condenado. Terminada a guerra dos Balcans, Karadžić pôde viver calmamente no
centro de Belgrado, sem ser denunciado por ninguém, apesar dos mandados de
busca internacionais que sobre ele pendiam, tendo deixado crescer umas barbas e
usando identidade falsa, fornecida pelas próprias autoridades sérvias. Só em
2008 a polícia internacional o identificou, deteve e apresentou ao Tribunal
onde aguardava ser julgado, tendo ele próprio assegurado a sua defesa, perante
as mais de três milhões de folhas que compunham a acusação.
A História mostra
que, quando os conflitos são mal resolvidos, há sempre consequências. Que as
sentenças do Tribunal
Penal Internacional da ex-Jugoslávia sirvam, pelo menos, para demonstrar que nos nossos
dias a barbárie, mais tarde ou mais cedo, não fica impune.
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