Como se previa, a CDU/CSU venceu as eleições na Alemanha, dando
a oportunidade a Angela Merkel de um quarto mandato como Chanceler, no que será
a mais longa governação desde o fim da II Grande Guerra, já que iniciou essas
funções em 2005.
Contudo, os resultados destas eleições têm outros aspectos a ter
em conta, já que houve novidades relativamente ao que anteriormente se tornara
habitual na Alemanha. Desde logo, pela primeira vez desde o fim da guerra, o
partido AfD – “Alternativa para a Alemanha”, assumidamente de extrema-direita,
obteve uma votação (13%) que lhe permitiu eleger 94 deputados, sendo a terceira
força no parlamento alemão. Os socialistas democráticos do SPD caíram para
próximo dos 20%, um resultado péssimo para o seu líder Martin Schulz que se havia
demitido de presidente do parlamento europeu para tentar a chancelaria no seu
país vindo a obter a pior votação de sempre para o seu partido. Mas o próprio resultado
do partido da própria Angela Merkel foi decepcionante, já que caiu mais de 8%
em relação ao resultado anterior, ficando-se nos 33% o que, ainda assim, lhe
permite a manutenção na chancelaria, embora se antevejam algumas dificuldades
para formar a necessária coligação.
A duração do seu mandato à frente dos destinos da Alemanha
obriga a que se observe com algum detalhe a personalidade e modo de governar
desta mulher que é considerada a mais influente do mundo e, em particular, a
personalidade mais importante entre os líderes da União Europeia. Merkel nasceu
na antiga Alemanha de Leste e a sua formação foi largamente influenciada, quer
pelo pai pastor de uma igreja luterana a norte de Berlim, quer pelo ambiente
paranóico e ultra vigiado do seu país, aprendendo a falar pouco e a ser discreta.
A formação científica do doutoramento em química forneceu-lhe os métodos de
análise e de decisão sustentada que mais tarde aplicaria no seu exercício de
governante. A sua personalidade discreta mantém-se até hoje. Ao fim do dia de
trabalho no seu imponente gabinete, regressa a casa que é apenas um
vulgaríssimo pequeno apartamento, para calmamente preparar a sopa que constitui
o seu próprio jantar.
Após a queda do muro de Berlim, dedicou-se à política, tendo
sido eleita deputada e iniciado a carreira de governante quando Helmut Kohl,
que lhe chamava a sua menina, a convidou para um ministério relativamente
secundário, mas de onde partiu para o que hoje é.
Politicamente, Merkel costuma dizer que é “um pouco liberal, um
pouco social-cristã e um pouco conservadora”. Isto é, fundamentalmente,
acredita numa série de princípios simples, não demasiado elaborados ideologicamente
e muito ligados à vida concreta das pessoas. Há mesmo quem diga que pensa de
forma ética e não ideológica. Talvez por isso reagiu à desgraça dos refugiados
de 2015 tendo, surpreendentemente para muita gente, permitido a entrada na
Alemanha de mais de um milhão de pessoas fugidas à fome e à guerra. Aqui
residirá o surpreendente resultado do AfD nestas eleições recolhendo, sobretudo
na população residente no antigo território da Alemanha de Leste, o voto de
reacção à entrada de tantos refugiados. Os esquerdistas que, também por cá,
ainda há pouco tempo se divertiam a pintar bigodes hitlerianos na cara de
Merkel e a colocá-la a fazer saudações nazis bem podiam pintar agora a cara de
preto perante a verdadeira face de Angela Merkel.
Mas estas eleições alemãs trouxeram à superfície alguns aspectos
insuspeitados da política de Merkel e que colocam nuvens escuras no futuro do
país que ameaçam transformar-se em tempestade se a Chanceler não alterar a sua
política interna no próximo mandato.
Na realidade, Merkel tem governado sobre as reformas económicas
profundas introduzidas pelo Chanceler Gerhard Schröder do SPD que a antecedeu,
nomeadamente na área do emprego, e que trouxeram competitividade e catapultaram
a economia alemã depois de anos de estagnação ou pior. O investimento público alemão,
em função do PIB, é hoje inferior à média da OCDE e o valor líquido das
infraestruturas do país tem caído de forma impressionante. O seu cuidado
obsessivo com o défice, descurando o investimento nas infraestruturas, tem
garantido boas contas mas descura claramente o futuro e obrigará, mais cedo ou
mais tarde, a reformas e grandes investimentos que alterarão a situação económica.
Um investimento público de apenas 2,1% do PIB fica abaixo da própria média da
UE, que é de 2,7%. As infraestruturas clássicas, como estradas, pontes,
edifícios escolares e hospitais começam mesmo a ter problemas decorrentes de
falta de investimento, mas até a velocidade de internet é hoje muito baixa em
comparação com a maioria dos países.
Curiosamente, encontramos aqui a justificação para um olhar tão
benigno de Merkel e mesmo do até agora seu ministro das Finanças Wolfgang
Schäuble relativamente às contas do actual governo português que atinge as
metas exigidas quanto ao défice através de cativações e cortes maciços no
investimento público: na verdade, eles próprios têm essa prática no seu próprio
país. A sua preocupação é o número do défice no fim do ano, independentemente
do processo seguido para lá chegar, e fazer reformas não é propriamente o seu
forte.
Texto publicado no Diário de Coimbra em 2 de Outubro de 2017
Texto publicado no Diário de Coimbra em 2 de Outubro de 2017