segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Políticos espertalhões fazem milhões



Não vou escrever sobre o caso da actualidade que veio desmascarar um político português e de seguida toda a direcção do seu partido ao tentar defender o indefensável que estava à vista de toda a gente, porque ainda vai dar pano para muitas mangas. Até porque permanecem dúvidas sobre a utilização de “informação privilegiada” na aquisição, para além de eventuais favores no financiamento e no licenciamento das obras.
O caso português resultou num lucro de uns 4 ou 5 milhões de euros, mas noutras paragens há políticos a conseguirem vantagens financeiras, nos mercados, em montantes de centenas ou milhares de vezes aquele valor. O Reino Unido continua a passar por dificuldades tremendas decorrentes do resultado do referendo de Junho de 2016 em que os eleitores escolheram abandonar a União Europeia. Parece mesmo que os responsáveis políticos só agora tomam verdadeiramente consciência dos problemas que enfrentam e ainda mais dos que os esperam no futuro que já está muito próximo.
Mas nem todos os políticos estão preocupados, já que muitos defenderam precisamente a saída da EU e continuam a defendê-la, custe o que custar. São políticos populistas como Nigel Farage que, basicamente, apelaram aos sentimentos nacionalistas de segmentos de população mais idosos e menos urbanos acenando-lhes com o encerramento de portas à imigração e com poupanças no financiamento da União Europeia. Mas, na realidade, o “custe o que custar” que acima escrevi aplica-se aos britânicos comuns e não aos próprios políticos, com Farage à cabeça.
Soube-se, através de uma investigação da Bloomberg, que na própria noite de 23 de Junho de 2016, se fizeram fortunas gigantescas jogando com o valor da Libra e com o conhecimento secreto (porque não público) de sondagens feitas nos dias imediatamente anteriores. Foi assim que, após o encerramento das urnas, o próprio Nigel Farage e o representante de uma das principais empresas de sondagens britânicas, a YouGov, foram às televisões anunciar que o referendo tinha sido ganho pelos defensores da manutenção do Reino Unido na União Europeia. Contudo, quer a empresa de sondagens, quer Nigel Farage tinham conhecimento, há vários dias, de que o resultado do referendo ditaria, com grandes probabilidades, a vitória do Brexit. No prazo de poucas horas, quando o resultado final por todos tido como surpreendente, começou a formar-se, o valor da Libra viria a cair a pique, quando no início da noite até tinha subido Os que tinham conhecimento prévio do que iria acontecer tiveram uma janela temporal de algumas horas para fazer negócios no “short selling” em contramão com as notícias que surgiram logo após o fecho das urnas. As mais-valias foram gigantescas e as declarações nada inocentes de Nigel Farage foram valiosíssimas para que tal tenha sucedido.
Segundo a Bloomberg, o volume de negócios financeiros daquele dia na City foi de uma envergadura brutal. Alguns “hedge funds” realizaram centenas de milhões de dólares, enquanto as empresas de sondagens que com eles trabalharam reconhecem ter sido aquele o dia de maiores lucros da actividade, desde sempre. De acordo com a legislação inglesa, os resultados das sondagens apenas podem ser entregues aos clientes, sendo proibido fazê-los chegar ao público antes do fecho das urnas. Uma dessas empresas de sondagens, a Survation, está muito ligada a Nigel Farage e proporcionou-lhe informação sobre a probabilidade do Brexit, bem antes do resultado do referendo. Apesar disso, o político prestou-se a dar ao público informação contrária, assim beneficiando directamente os “hedge funds” que tinham a mesma informação que ele próprio.
A actividade das empresas de sondagens fica claramente debaixo dos holofotes, mostrando que a legislação regulatória actual, ao defender as decisões de voto dos eleitores, coloca na mão dos especuladores, sejam eles financeiros ou políticos, uma ferramenta poderosa de manipulação dos mercados. Não esquecendo que os políticos estão do lado de fora, podendo usar a informação que detêm a seu belo prazer e enganar os investidores mais fracos, com a possibilidade de argumentar depois que os mercados são mesmo assim, tanto se podendo perder como ganhar. Como, aliás, fez Nigel Farage.

segunda-feira, 30 de julho de 2018

O valor da opinião pública


Com alguma regularidade, surgem na comunicação social temas que levantam grande indignação, muitas interjeições de que “é uma vergonha”, eventualmente um “prós e contras” e, certamente, programas das rádios dando a voz aos ouvintes estilo “antena aberta” ou “fórum” que, as mais das vezes, apenas servem para esvaziar as tensões existentes.
Há poucos dias, a DECO anunciou que os clientes de gás natural estão a pagar ilegalmente a chamada “TOS” – taxa de ocupação do subsolo - desde Janeiro de 2107, exigindo mesmo que os valores pagos sejam devolvidos aos consumidores. Durante dois dias houve grande agitação na comunicação social e nas redes sociais, até porque o montante global da devolução, sem juros, ascenderia a uns 50 milhões de euros, para logo depois o assunto desaparecer dos holofotes.
De que se trata? Há uns anos os Municípios foram autorizados a criar a “TOS”, a ser paga pelos clientes de gás natural. A taxa tem grandes variações de município para município tendo, segundo os jornais, Cascais um dos valores mais altos em que a TOS chega a valer mais de 30% da factura final e a Figueira da Foz o mais baixo, inferior a 0,1%. O pagamento da “TOS” era, até à aprovação do Orçamento de Estado para 2017, pago pelos consumidores através da factura mensal, sendo depois entregue aos municípios pelas empresas distribuidoras. O OE 2017 alterou esta situação e atribuiu o pagamento da TOS às empresas distribuidoras, desonerando os consumidores. Contudo, esta transferência de obrigação de pagamento nunca se verificou. Pelo que se depreende da discussão havida, a alteração depende de legislação regulamentar que o Governo nunca fez aprovar, apesar de a Entidade Reguladora do sector energético lhe ter feito chegar o necessário estudo técnico. Parece haver um problema com as diferentes taxas dos municípios, havendo alguns, como no caso de Cascais, em que o seu valor será considerado demasiado elevado para as empresas distribuidoras de gás natural, sendo necessário haver uma revisão do estabelecido que incluirá uma uniformização da taxa. Pasme-se: o que é aceitável para os cidadãos, deixa de o ser para as distribuidoras, com a GALP à cabeça.

Mas esta taxa é apenas mais um dos exemplos da inventiva do Estado português no que toca a inventar taxas e taxinhas, como se costuma dizer. Escuso de dizer que, sobre grande parte disto incide ainda o IVA, como se aqui houvesse algum valor acrescentado económico, que justificasse o fiscal.
Há uns anos, foi considerado ilegal o pagamento de aluguer dos contadores de água para a vida inteira e os municípios obrigados a terminar com essa prática. O resultado foi aquele que hoje é possível ver nas facturas de água. Em vez do aluguer dos contadores inventou-se a “tarifa de disponibilidade de serviço de água” a adicionar ao próprio consumo, como se essa disponibilidade não fosse a própria razão ser dos serviços ou empresas municipais de distribuição domiciliária de água. De facto, pagar aluguer de contadores para quê? Até porque à boleia da primeira nasceram outras disponibilidades, como a do serviço de saneamento e a dos resíduos urbanos, aguardando-se que a inventiva estatal descubra mais umas tantas para carregar no bolso dos contribuintes.
Carregar no bolso dos contribuintes de forma verdadeiramente obscena é o que se pode verificar mensalmente nas facturas de electricidade, algo para o que desde há anos venho chamando a atenção nestas linhas. E é-o de tal forma que até um dos principais responsáveis por isso, o ex-ministro da economia Manuel Pinho, foi à Assembleia da República chamar “vaca leiteira” a essa facturação, certamente vaca com corninhos, algo a que ele já nos habituou.
O que verdadeiramente impressiona, para além do descaramento com que os cidadãos são alvo de taxas, tarifas, impostos e tudo o mais escondido sob a forma de rendas dadas às escondidas a alguém, é a passividade com que tudo isto é aceite. A opinião pública é algo que em Portugal desapareceu sob a capa de supostas indignações que mais não são do que manipulações feitas com os mais diversos objectivos, normalmente partidários. Basta ver como actualmente sindicatos, comissões de utentes e partidos normalmente muito activos nessa área se calam hoje perante a realidade, comprovando pelo absurdo aquilo que acima escrevo. Se há algo que a democracia portuguesa, já com 44 anos, não conseguiu, foi mesmo criar uma opinião pública forte e esclarecida, factor essencial à sustentabilidade da própria democracia

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Para onde corre o PSD?


Na semana passada o PSD absteve-se na Assembleia da República na votação da alteração às leis laborais, oferecendo ao Governo e ao partido Socialista a aprovação da legislação, uma vez que os partidos que sustentam o Governo votaram contra. O líder do PSD justificou esse voto com o “interesse nacional”, como se todas as leis aprovadas na Assembleia da República não merecessem esse qualificativo. Ainda na semana passada, o PSD voltou a abster-se para “salvar” o governo e o partido Socialista na votação em plenário de uma proposta vinda da comissão de agricultura, na sequência de uma proposta do PCP que só surpreende por defender a propriedade privada. Segundo a proposta os proprietários de terrenos obrigados a ceder parcelas para a criação das chamadas “faixas de gestão de combustível”, através da constituição de servidões administrativas, deveriam ser indemnizados. Neste caso, a posição do PSD tornou-se ainda mais conspícua, porque significou um volte face, à última hora, relativamente às posições que haviam sido as suas, até então.
Estamos todos a assistir, por estes dias, a uma pantominice levada a cabo pelo partido Socialista e os outros partidos apoiantes do Governo sobre a aprovação do Orçamento de Estado do próximo ano que, como é evidente, está mais que garantida. E o que faz o PSD perante esta farsa? Vem ajudar à festa, através do Dr. Silva Peneda, um dos principais conselheiros do líder do partido, que há poucas semanas veio garantir que “o PSD não deve deixar cair o Governo se o Bloco e o PCP roerem a corda na votação do Orçamento para 2019”.

Os portugueses ficaram certamente muito mais descansados e a sua confiança no Governo só poderia, como se verificou logo nas sondagens seguintes, ter uma subida apreciável, o que é notável face à percepção generalizada dos graves problemas por que o país passa.
Aqui as sondagens até serão o que menos nos interessa. O importante é verificar que toda a actuação política do Dr. Rui Rio desde que assumiu a liderança do PSD tem como efeito posicionar o partido Socialista no centro do espectro político, precisamente num tempo em que este abandonou a sua histórica separação da extrema-esquerda que vinha dos tempos de 1975. Para quem justificou a sua corrida à liderança com a suposta “fuga” do PSD do seu caminho social-democrata de centro esquerda verificada nos anos anteriores, o resultado não podia ser mais contraditório. Ao recentrar o PS, está evidentemente a puxar o PSD para fora desse centro, já que a existência de dois partidos no mesmo sítio é coisa que só pode existir na cabeça de distraídos.
Na verdade, tudo isto são minudências, embora tenham o seu significado simbólico e todos sabemos como os símbolos são importantes em política. O que interessa, para um partido que tem a obrigação de ser uma verdadeira alternativa ao partido que está no poder e nunca a sua muleta, é apresentar propostas claras, objectivas e definidoras de um futuro diferente. Isto é, tem que exercer uma oposição forte e sem tibiezas, esclarecendo para que serve votar nele.
O seu líder não pode andar a dizer que “é necessário políticas sociais de proximidade” ou que “o país precisa de uma reforma judicial”, banalidades genéricas ao alcance de qualquer militante neófito de uma qualquer juventude partidária.
Ao deixar o papel essencial de definidor das linhas necessárias para o futuro ao Governo, como Augusto Santos Silva fez numa importantíssima entrevista recente, o PSD está a perder todas as oportunidades de afirmação, remetendo-se a um papel secundário que nunca deveria ser o seu. O PSD transmite actualmente uma imagem de quem diz que anda à caça do javali que lhe come as plantações, mas que dispara contra todos os pássaros que lhe aparecem pela frente, deixando obviamente a caça em alegre liberdade.
A não ser que a liderança do PSD esteja mesmo a seguir o princípio de que “as eleições não se ganham, perdem-se” invocado pelo Dr. Rui Rio logo a seguir à tomada de posse como líder do PSD. Se for realmente esse o caso, bem pode afirmar que o PSD vai vencer as próximas europeias, as próximas legislativas e as próximas autárquicas, que toda a gente percebe que se trata apenas de recados para o interior do partido, tentando calar vozes discordantes.

segunda-feira, 16 de julho de 2018

A virtualidade das obras públicas


Mais uma vez houve festa na tenda. Mais uma vez houve promessas de obras no IP3. E mais uma vez houve “esquecimentos” de obras necessárias.
Há poucos dias houve festa na tenda, desta vez montada em Oliveira do Mondego, Penacova. Governo em peso, com o primeiro-Ministro à cabeça, para lançar a que deverá ser a primeira empreitada, entre os nós de Penacova e da Lagoa Azul no valor de 12,5 milhões de euros, da “requalificação” do IP3 entre Coimbra e Viseu que, nos últimos anos, se tornou conhecida como “estrada da morte”. A esta empreitada deverão seguir-se outras duas, que ainda não têm projectos elaborados, mas que foi prometido estarem prontas até ao final de 2022 (daqui a 4 anos!) num investimento total estimado em 134 milhões de euros. Num malabarismo de números que é uma novidade numa descrição de beneficiação de uma estrada, ficou a saber-se que 85% da sua extensão será em via dupla (2+2), 12% em via composta (2+1) e 3% em via simples (1+1). Com alguma perplexidade, constata-se que as pontes existentes condicionam a existência de via dupla em toda a extensão, ao contrário do que seria de esperar que devesse acontecer, isto é, 100% em via dupla. Todos quantos têm que circular nesta estrada sabem bem da aflição que é essa experiência pelo susto permanente que provoca nos condutores, pelo que as obras são bem vindas. Mas, quando se esperaria que o Governo avançasse com a auto-estrada entre Coimbra e Viseu sai-nos esta prenda no sapato, alternativa fraca que mais uma vez mostra como os decisores de Lisboa tratam a nossa Região, por mais que alguns políticos locais tentem dourar a pílula aos cidadãos.
Auto-estrada entre Coimbra e Viseu, que deveria co-existir com um IP3 melhorado para o tráfego local é, portanto, para estes governantes, para esquecer. Tal como a conclusão da A13 a Norte, que lhe traria a razão de ser e inerente rentabilidade. 

A rotunda ao alto de Ceira continuará a servir de fecho à obra caríssima (desnecessariamente?) que foi a construção dos viadutos daquela estrada, qual monumento à incompetência de planeamento e inexistência de contenção de custos.
Tal como a conclusão do IC6, através da ligação da rotunda em que termina na Folhadosa à EN17 numa extensão inferior a 20 km, foi ostensivamente ignorada pela comitiva governamental abrigada na tenda provisória. E nem é preciso lembrar o estado caótico em que se encontra actualmente a EN 17 nas proximidades de Oliveira do Hospital, para perceber como aquelas gentes continuam afastadas de Coimbra, tão perto no mapa, mas tão longe por estrada.
O primeiro-Ministro, ufano da grande obra que ali estava a prometer, chegou mesmo a afirmar que a opção pela beneficiação do IP3 impedia o pagamento das reivindicações do tempo de serviço dos professores, já que não há dinheiro para tudo e é necessário fazer opções. E estava a falar de um investimento de pouco mais de 130 milhões de euros, distribuídos por quatro anos. Realmente, percebe-se agora como uma obra de requalificação de uma estrada, nos dias que correm, se torna numa grande obra nacional. É que os dinheiros da recuperação económica foram desviados do investimento para outras paragens ao ponto de, em 2016, o investimento público ter sido o mais baixo de sempre.
Os níveis de investimento público historicamente baixos dos últimos dois anos e que, sabe-se agora, continuam, dever-se-ão à necessidade de cumprir as metas orçamentais, para além das “reversões” efectuadas. Mas, juntamente com as cativações, ajudam a explicar a situação de carência extrema existente em serviços públicos essenciais.
Como muito bem afirmou o primeiro-Ministro na tenda em Penacova, governar é fazer escolhas. Se o nível de impostos recolhidos é aquele que se sabe em virtude da recuperação económica (fraquinha, fraquinha, mas ainda assim recuperação) e não há dinheiro para investimento público fundamental, é porque as opções políticas ditaram que fosse todo para outro lado. E o caos nos serviços públicos está a instalar-se, trazendo riscos evitáveis e perigosos, de que os incêndios do ano passado foram um sério aviso. É que os investimentos públicos têm grandes virtualidades quando necessários e bem pensados, mas não quando são virtuais, quer por ficarem a meio da execução, quer por não passarem das boas intenções do papel.