segunda-feira, 11 de março de 2019

A REGIONALIZAÇÃO, DE NOVO


De uma forma ainda algo encapotada, a questão da regionalização vai sendo reintroduzida na agenda política nacional. Vem um pouco à boleia da chamada “descentralização” aprovada pelo actual governo e que consiste, basicamente, na transferência, para os municípios, de determinadas competências que hoje são governamentais. Contudo, as propostas de transferência não foram acompanhadas do envelope financeiro necessário para que as autarquias possam exercer as novas competências, embora se prometa que tal se fará mais tarde. Não estando essa despesa prevista no Orçamento Geral do Estado a desconfiança sobre o processo de financiamento é inteiramente legítima. Umas por essa razão, outras por não concordarem com as próprias competências a transferir, uma parte das autarquias recusou a “oferta. Não certamente por acaso, já se começou a ouvir falar na necessidade de criação de taxas para tornar sustentáveis as novas competências das autarquias. Ora, tratando-se de transferência de competências hoje asseguradas e se as autarquias vão ser compensadas financeiramente para as receber, a que propósito é que os cidadãos vão suportar ainda mais impostos/taxas?
Todo este processo é um mau indicador para a discussão da regionalização, que começa a aflorar. Como é sabido, a criação de regiões administrativas encontra-se prevista na própria Constituição de 1976. Já houve uma tentativa para criar as regiões em 1998 mas o respectivo referendo, obrigatório por revisão constitucional de 1997, não foi vionculativo devido à elevada abstenção; de qualquer forma, a rejeição da proposta de criação de 8 regiões administrativas por mais de 60% dos votantes deu uma boa indicação do que os portugueses pensavam então sobre a proposta que tinha sido aprovada pelo PS, PCP e PEV na Assembleia da República.
As perguntas a fazer pelos portugueses e que terão de ser respondidas serão: quais são realmente os obstáculos que têm impedido o crescimento da nossa economia nos últimos trinta anos, em particular desde o início do século? A regionalização é uma solução para esses problemas? Será mesmo a melhor solução, isto é a mais eficiente? Relativamente ao ordenamento do território, há hoje necessidade de criar um patamar intermédio entre o Estado central e os Municípios e as CIM’s?

Na realidade, o ordenamento do território não parece hoje precisar de um patamar de decisão política intermédio. O país já está dotado de um número de equipamentos muito superior às necessidades pelo que a economia de escala deveria ter sido adoptada há trinta ou quarenta nos, estando hoje ultrapassada, por excesso. Quando se fala em regiões pensa-se sempre na distribuição de fundos europeus. Pois bem, mesmo aí a questão essencial não é espacial e sim funcional. A economia é que necessita de financiamento porque, com as actuais dívidas monstruosas ao estrangeiro, o capital é a principal carência do país. Bem podemos alindar as vilas e cidades que não será isso que criará riqueza, nem atrairá populações para as zonas interiores.
A criação das regiões administrativas não irá, por si, resolver os problemas graves que temos a nível de justiça, de educação, de saúde, de produção económica, de competitividade, não constituindo, portanto, um ganho de eficiência a nível nacional. Nem sequer trará a reforma administrativa de que o país necessita a nível de municípios e freguesias. Tal como não resolverá os problemas do actual sistema eleitoral, que promove o afastamento dos eleitores dos seus representantes.
As regiões administrativas iriam criar um novo nível de decisão política, afastando ainda mais os decisores nacionais dos problemas concretos e das populações. De caminho resolveriam, isso sim, o problema dos numerosos políticos que hoje já não encontram lugar no sistema e que teriam acesso a toda uma nova oferta de lugares que se abriria. E que, não tenhamos dúvidas, necessitaria de mais dinheiro dos impostos, só para existir.
Por outro lado não deixa de ser significativo que, mesmo prevista na Constituição, a regionalização administrativa nunca foi concretizada. E isso devia acender as luzes vermelhas da prudência e levar a perguntar sobre os verdadeiros motivos que levam a levantar esta questão.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 11 de Março de 2019

domingo, 10 de março de 2019

Oliveira do Hospital

Esta era imagem de fundo da minha meninice. A Serra da Estrela vista de Oliveira do Hospital, no Inverno. De uma beleza extraordinária.

Retirada de https://www.facebook.com/groups/347692406080944/?ref=group_header


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segunda-feira, 4 de março de 2019

POIS É, MAS…



São interessantes estes tempos que vivemos. No fim de uma legislatura cuja governação assentou num claro equívoco que salvou do esquecimento o líder de um partido que, em vez de vencer claramente como era suposto, acabou por ter uma derrota humilhante, os problemas laboriosamente escondidos teimam em sair para a luz do Sol. Os partidos que num acordo parlamentar negativo, porque assente apenas na rejeição de quem tinha ganho, ofereceram uma tábua de salvação a António Costa, lutam agora desesperadamente por mostrarem não ser aquilo que foram durante três anos.
Um dos claros sinais é a intensa utilização da conjunção coordenativa adversativa “mas” que parece ter chegado para ficar na linguagem política e que, se aparentemente poderá significar uma honesta posição de análise perante diferentes pontos de vista, muitas vezes mostra a hipocrisia generalizada destes dias.
É assim que “os enfermeiros têm razão, mas foram longe demais na forme de greve que adoptaram”. Ou, “os professores têm razão, mas não há dinheiro para lhes pagar aquilo a que têm direito”. Ou então, “realmente não fica bem familiares directos serem ministros do mesmo governo, mas sendo competentes não podem ser prejudicados por isso.” Realmente a linguagem toma muitas vezes o lugar do que deveria significar, assim transformando a própria realidade. E vêm-nos falar constantemente de “fake news”. Como diria o saudoso diácono Remédios, “não havia necessidade”, com aquele seu jeito delicioso de trocar os “s” por “x”.
A maioria sonhada ali ao alcance da mão parece fugir diariamente à medida que a realidade se vai impondo, obrigando a encarar assuntos difíceis que sublinham perante os olhos de todos a contradição entre o que se disse e o que se faz. Se a austeridade acabou e se foi possível construir outro caminho para o crescimento, por que razão não se paga aos professores aquilo a que todos reconhecem ter direito, isto é, a contagem do tempo de serviço que efectivamente prestaram? Tal como acontece com os enfermeiros que, se não cumpriram a lei da greve, não é por isso que deixam de ter razão nas reivindicações.
O argumento do cumprimento do défice só serve mesmo para União Europeia ver uma vez que, cá dentro, toda a gente já percebeu de que forma são feitas as contas para chegar àquele grande sucesso. A maior contração de investimento público de que há memória, associada ao fecho da torneira para as despesas correntes e necessárias através de cativações e a não autorização de despesas orçamentadas está a deixar o país exangue e com dificuldades respiratórias. A notícia recente de que o hospital de Chaves teve que adiar cirurgias por falta de “fio de sutura” é a prova cabal do que escrevo mostrando que estamos a assistir ao maior ataque de sempre ao SNS.

Os portugueses não têm culpa nenhuma do complexo das “más contas” que cai sobre o partido governamental e da sua necessidade de se apresentar na Europa como bom aluno da ortodoxia orçamental, nem que para isso tenha que dar cabo do funcionamento normal do país sete anos depois de ter chamado a troica de má memória. Nem, muito menos, têm que sofrer para alimentar as ambições europeias do ministro das Finanças através do “martelanço” evidente das contas públicas e de uma carga fiscal como não há memória.
Há ainda outros “mas” em Portugal, e de grande significado. O desemprego que descia desde 2014 deu a volta no fundo e já voltou a subir o que aliás é normal que aconteça. O “mas” da descida do desemprego é que foi obtido com empregos de fraca qualidade, puxando o salário médio para valor próximo do salário mínimo que, incrivelmente, deixou se o ser para o sector público numa diferenciação inaceitável, porque injusta.
Por fim, e ao contrário do que foi prometido, não foi o consumo interno que promoveu o anémico crescimento dos últimos anos que em breve nos colocará como lanterna vermelha da União Europeia, MAS sim as exportações, isto é a economia privada. Sim, aquela que produz riqueza, que todos os dias é vilipendiada e que aguenta com uma carga fiscal tremenda que a impede de crescer o que podia.
 Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 3 de Março de 2019

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Mar zangado

O mar a fazer-se convidado para entrar em casa, hoje na Ilha do Corvo (Açores). Cortesia do estimado Amigo Carlos Maia Teixeira, médico naquela ilha.









segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Duque de Coimbra – um colóquio



Estou convencido de que, se for perguntado nas ruas da nossa cidade quem foi o Duque de Coimbra, será uma pequena minoria a responder afirmativamente. Mas os que o fizerem certamente mostrarão de imediato um grande entusiasmo por uma personagem que não deixa indiferente quem conhece minimamente o que foi a sua vida e a importância que teve em múltiplos aspectos da nossa História.
Esse grande interesse foi claramente visível num colóquio organizado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no âmbito das comemorações do centésimo aniversário da sua criação. Surpreendentemente, o magnífico salão do Tribunal da Relação esteve cheio desde as dez da manhã até meio da tarde, para ouvir os palestrantes convidados, pelo que é da mais elementar justiça felicitar vivamente o juiz presidente do Tribunal da Relação Dr. Luís Azevedo Mendes pelo sucesso de mais esta iniciativa. O sucesso foi muito para além do elevado nº de pessoas que se deslocaram ao Palácio da Rua da Sofia, dada a qualidade e relevância das apresentações. De salientar que nos claustros do Tribunal está uma interessantíssima exposição sobre Dom Pedro, que se poderá (e deverá) visitar até ao fim de Abril.
Coube ao Dr. Luís Azevedo Mendes demonstrar a importância fundamental das “Ordenações Afonsinas” na História do Direito em Portugal. O Tenente Coronel-Ferreira Gapo da Brigada de Intervenção dissertou sobre os Valores Militares nos dias de hoje em comparação com os do tempo do Duque de Coimbra e de como este os assumiu em alto grau toda a vida, razão para que seja o Patrono da Brigada de Intervenção. O Doutor José Adelino Maltês não deixou os créditos por mãos alheias e foi brilhantíssimo na sua apresentação; Adoptando deliberadamente um tom provocatório, mostrou como D. Pedro foi e é importante em áreas tão diversas como a teoria política, as áreas sociais e a História do Direito em Portugal. O seu entusiasmo mostrou como a figura do Duque de Coimbra lhe é cara, a diversos níveis, não deixando de sustentar como a sua regência foi um tempo de República com Monarca, como aliás já havia sucedido na subida ao trono de D. João I e haveria de acontecer em 1640, razão por que a Democracia tem profundas raízes em Portugal, ao contrário do que muitos julgam. O Doutor Andrade Moniz analisou aprofundadamente a influência das Culturas Clássica e Bíblica em D. Pedro, designadamente na sua “Virtuosa Benfeitoria”, obra seminal da actuação política com total respeito pelo Bem-Comum que, digo eu, os dirigentes políticos dos nossos dias bem poderiam ler para terem um pouco mais de densidade na sua acção. O Doutor Alfredo Pinheiro Marques brindou-nos com uma comunicação que seria sobre a influência de Dom Pedro na História Local e Regional da Beira Litoral e no Desenvolvimento Marítimo Português; na realidade, partiu da abordagem desses temas para uma visão alargada dos Descobrimentos, de como se deverão ter realizado na prática, assim como do papel determinante que neles teve D. Pedro e a sua influência em D. João II, o Príncipe Perfeito. Não esqueceu ainda o papel dos historiadores na busca da Verdade libertadora.
Coube ao Almirante Silva Ribeiro apresentar a sua visão sobre a “Estratégia Nacional no tempo de D. Pedro”, o que fez com a sua proverbial simpatia, mas com uma profundidade de conhecimentos sobre a matéria só possível em alguém que, não por acaso, ocupa o mais alto posto militar das Forças Armadas portuguesas, com a curiosidade de o Sr. Almirante ter feito parte dos seus estudos liceais em Coimbra, no Liceu D. João III. Oportunidade rara proporcionada pela Relação de Coimbra para ouvir um especialista falar sobre estratégia e deixar em todos os assistentes a vontade de conhecer ainda mais e melhor aquele tempo e as relações político-militares de Portugal com o resto do mundo de então,
Esta crónica tem como motivo principal uma acção cultural ocorrida na nossa cidade sobre Dom Pedro, Duque de Coimbra, não sendo sobre a sua figura. Não posso, contudo, deixar de dizer que Dom Pedro é uma personagem fascinante da nossa História que a Cidade não pode esquecer, muito antes pelo contrário deve recordar e celebrar como sendo mesmo identitária, pese embora todos os esforços que alguns historiadores ao longo dos tempos têm feito para o esconder. Foi também por essa razão que muitos dos assistentes ao Colóquio estranharam que não tivessem estado presentes representantes da Câmara Municipal de Coimbra nem da Universidade de Coimbra, embora o presidente da Câmara da Figueira da Foz e presidente da CIM Coimbra o tivesse feito. Será que a sombra negra de Alfarrobeira ainda se fará sentir no nosso tempo?

Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 25 de Fevereiro de 2019