segunda-feira, 15 de julho de 2019

O OCIDENTE AINDA EXISTE?


Não foi, certamente, por acaso que os portugueses de 1.400 largaram deste cantinho da Europa, abrindo caminho para toda uma nova organização mundial, com consequências que perduram até aos dias de hoje. Em 1434 Gil Eanes foi o primeiro a navegar para além do Cabo Bojador e em 1487 Bartolomeu Dias dobrou o Cabo das Tormentas passando, finalmente, do Atlântico ao Índico.
Em Maio de 1453 o sultão Maomé II conquistou Constantinopla ditando o fim do Império Romano do Oriente e estabelecendo o Império Otomano que durou até 1922. No ano marcante de 1492 foi descoberta a América e os mouros foram finalmente expulsos da Península Ibérica, razões que levam a que se considere este ano como o fim da Idade Média.
Como se verifica pelo cruzamento das datas, a chamada expansão marítima portuguesa coincidiu com um “cerco” da Europa pelo Islão a Oriente e a Sul não lhe restando senão virar-se para o Ocidente, onde o Atlântico era a barreira natural e Portugal a última fronteira. Desde a sua fundação até essa altura, Portugal era uma nação completamente integrada na Europa medieval de então, através de trocas culturais e comerciais mas, fundamentalmente, pela íntima ligação das casas reais portuguesa e do resto da Europa. 

Exemplo marcante é o casamento da Infanta D. Leonor, filha do Rei D. Duarte, com o Imperador Frederico III do Sacro Império Romano e Germânico, negociado por Dom Pedro Duque de Coimbra, numa das suas muitas acções diplomáticas por toda a Europa, vindo a Imperatriz Leonor a ser mãe de Maximiliano I e avó de Carlos V, personalidades europeias de enorme relevância.
Portugal foi nessa altura capaz de corporizar a “libertação” da Europa do cerco que a sufocava e que inclusivamente tinha cortado as antigas ligações terrestres com o Oriente. Além de conseguir restabelecer essa ligação, agora pela via marítima, criou todo um novo mundo com as ligações às américas. Essa importância ficou marcada para todo o sempre através da assinatura do Tratado de Tordesilhas em 1494 que dividiu o mundo a descobrir entre Portugal e Espanha, assim ditando o futuro das Américas do Sul e Central. A América do Norte seria depois colonizada pela Inglaterra e pela França, que definiriam o futuro daquele continente, umbilicalmente ligado à Europa.
A Europa e as Américas passaram assim, na sequência de todos estes acontecimentos históricos, a constituir uma entidade informal mas cultural e politicamente relevante, a que se convencionou chamar Ocidente. 
E o Ocidente marcou indelevelmente a História da Civilização dos últimos séculos, tendo tido, apesar de algumas tentativas em sentido contrário como se viu com o Nazismo e o Comunismo no séc. XX, um papel extraordinário em avanços humanos em áreas como a Ciência, os Direitos Humanos, a Arte e muitos outros, tendo a Liberdade como símbolo maior.
Contudo, hoje vemos esta antiga “comunidade”, que demorou séculos a ser construída, a ser diariamente destruída. O fim da ameaça comunista da ex-URSS veio alterar os anteriores equilíbrios. A China tornou-se uma nova potência económica global, prevendo-se que se torne também em militar, a curto prazo. A União Europeia vê um dos seus países membros mais importantes, o Reino Unido, a desligar-se por completo. A Rússia assume que a democracia liberal não é o caminho que pretende seguir enquanto influencia, cada vez mais às claras, os processos eleitorais europeus, com a estratégia de enfraquecer a União Europeia.
Os Estados Unidos (EUA) escolheram um presidente que, deliberadamente, destrói todas as alianças com a Europa que foram sendo construídas principalmente após a II Guerra Mundial.
A pós-globalização está aí, com uma nova ordem mundial a estabelecer-se. Os EUA que desde o fim da I Grande Guerra se assumiram como motor do Ocidente parece não quererem mais esse papel, preferindo antes relacionar-se directamente com as restantes potências, em vez de participar em alianças multilaterais.
O Atlântico está a deixar de ser o mar que une para voltar a ser o que separa. E a Europa tem que estar bem consciente desta nova situação em que já não existirá o Ocidente, o que exigirá esforços de união acrescidos e uma nova visão estratégica sobre o seu papel no mundo.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 15 de Julho de 2019

quarta-feira, 10 de julho de 2019

"PROSSEGUIR A DIMINUIÇÃO DE IMPOSTOS"

António Costa promete "prosseguir a diminuição de impostos".
Isto é continuar a política fiscal dos  últimos 4 anos. Que se traduziu assim:





É preciso ter lata!

Simon

segunda-feira, 8 de julho de 2019

O CAMARTELO DA LEGALIDADE OBSCENA


Se me perguntarem se gosto do prédio Coutinho em Viana do Castelo, respondo que não gosto, mas que considero haver muito piores por esse país fora, em termos de desenho arquitectónico e ainda que gostos não se discutem, pelo que o gosto pessoal não deve ser imposto por ninguém, nem (ou muito menos) por políticos. Aliás, o gosto tem variado tanto e tão rapidamente em arquitectura ao longo dos tempos, que muitos edifícios que são hoje monumentos classificados nunca existiriam se os autores se tivessem cingido à “moda” da época em que foram construídos. O leitor gosta da sede mastodôntica da CGD em Lisboa?
Se me perguntarem se está bem enquadrado, responderei que não, à semelhança de outros em muitas das cidades portuguesas. A começar, em Lisboa, pelas Amoreiras e os novos edifícios à beira-Tejo como a Fundação Champalimaud e hotéis vizinhos ou aquela coisa urbanística que a Câmara da capital quer aprovar para o quarteirão da Portugália. E o que dizer dos edifícios da Segurança Social em Aveiro e em Viseu?
Um Estado de Direito pressupõe direitos dos cidadãos como por exemplo, poderem contar que o Estado defenderá os seus direitos adquiridos, nomeadamente aqueles que o próprio Estado transmite. E que os garantirá perante mudanças de gosto dos governantes.
E esses direitos são adquiridos, por exemplo, quando se referem a edificações aprovadas de acordo com as inúmeras regras, locais e nacionais, existentes para o efeito, quando a sua construção deu origem a licença de utilização e as fracções resultantes foram devidamente registadas em Conservatória, passaram a ter artigos nas Finanças e começaram a dar origem a pagamento das respectivas contribuições. A alteração radical de uma situação destas só se deveria poder verificar com uma causa advinda, como fosse o surgimento de uma falta de segurança imprevista, abandono durante largo período com consequências ambientais ou outras, ou então por um evidente interesse superior público justificativo de expropriação.
Nada disto se passou com o prédio Coutinho, só por um desvio grave de interpretação da lei se podendo argumentar com o gosto ou má localização. Mas foi isto que se passou quando a Sociedade Polis de Viana do Castelo há cerca de 20 anos decidiu que o prédio Coutinho tinha que ser demolido. À altura, o então ministro do Ambiente que aprovou esta decisão ditando início do processo, tinha em construção a sua imagem de político modernaço e determinado (que viria a evoluir para puro autoritarismo) e chamava-se José Sócrates. Foi então estabelecido um prazo para a demolição do prédio Coutinho e colocado mesmo um relógio na rua a contar o tempo regressivamente. Data definida para a demolição: 2003.

Estamos em 2019, estima-se agora que a demolição deste prédio vai custar aos contribuintes a nada módica maquia de 35 milhões de euros e podemos assistir pelas televisões à triste novela da saída dos últimos moradores do prédio, que nunca compreenderam nem aceitaram as razões para lhes retirarem as casas que compraram dentro de toda a legalidade. Com algum espanto sabe-se que, com a súbita pressa agora surgida, a própria Câmara procedeu ao corte de energia eléctrica ao prédio, substituindo-se ao fornecedor de energia, à margem da lei, voltando a repor a energia novamente sem segurança, como resultado de uma ordem do tribunal.
Claro que todo o processo que agora culmina com a saída dos últimos moradores foi sustentado em decisões do Estado cumpridoras da letra da Lei, desde o acto administrativo da Declaração de Utilidade Pública até às decisões de indemnização em Tribunal, não estando isso em discussão. O que nestas linhas se contesta é a razão primeira para o início do processo e acusa-se o Estado de incoerência e consequente malfeitoria a cidadãos gravemente penalizados nas suas vidas sem qualquer culpa no processo, antes tendo cumprido todas as regras ditadas pelo próprio Estado que, a certa altura, decidiu alterá-las por puro arbítrio político.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 8 de Julho de 2019

segunda-feira, 1 de julho de 2019

Défice externo

Pela primeira vez desde 2012, voltámos a ter défice externo. E isto são verdadeiras más notícias a anunciar outras ainda piores. Mas as eleições são já daqui a 3 meses e Rui Rio anda entretido a arranjar garotos para encabeçar as listas (estou ansioso para ver aquele jovem do Porto a discutir na TV com os cabeças de lista dos outros partidos).
Aqui fica o gráfico desde 2.000 que nos entregou nas mãos da troica (do blogue impertinencias)




JUDITE E HOLOFERNES


Um quadro representativo da cena bíblica da decapitação de Holofernes por Judite recentemente descoberto e atribuído a Caravaggio iria ser levado a leilão na semana passada por uma quantia de muitas dezenas de milhões de euros, mas acabou por ser comprado antes mesmo de ir à praça. Sendo realmente da autoria do genial pintor italiano do início do séc. XVII, será a sua segunda tela conhecida sobre o mesmo tema. Neste novo quadro, que terá sido pintado em 1600, Judite surge à direita, vestida de negro, com a velha criada ao centro claramente a incitá-la ao acto. No quadro que já era conhecido e que se encontra exposto em Roma no Palazzo Barberini da Galeria Nacional de Arte, Judite surge ao centro vestida de branco, embora análises ao quadro tenham permitido verificar que, originalmente Caravaggio a teria representado com os seios nus, e a velha criada expectante segurando nas mãos o saco que haveria de recolher a cabeça do general.
Se ainda hoje, para além da excepcionalíssima técnica pictórica que utiliza uma fonte de luz lateral permitindo um claro-escuro notável, o realismo da cena e as expressões das três personagens causam um forte impacto nos espectadores, poderemos imaginar o efeito que teve à época.
O episódio a que se referem estes quadros de Caravaggio foi também representado por outros pintores, de que merecem destaque Sandro Botticelli ou Goya mas, em especial, Artemisia Gentileschi. Faz parte do Livro de Judite do Antigo Testamento sobre o cerco da Betúlia pelos Assírios do rei Nabucodonosor que enviou o general Holofernes, particularmente violento na sua acção guerreira. Durante o cerco, uma bela viúva judia chamada Judite conseguiu infiltrar-se nas linhas de Holofernes, tendo seduzido o general após o que o adormeceu com vinho, aproveitando para o decapitar com a ajuda de uma velha criada, levando a sua cabeça para a Betúlia. O facto transtornou de tal modo os assírios que os judeus lhes infligiram pesada derrota.
Fazendo o Livro de Judite parte da tradição judaica, é natural que o Bem esteja colocado do seu lado e o Mal do lado dos invasores assírios. E aqui residirá o significado mais profundo desta história algo macabra para os dias de hoje, mas perfeitamente normal ao tempo, 600 anos antes de Cristo.
Para derrotar o Mal o Bem tem, por vezes, que utilizar meios extremos, como fez Judite, o que aliás ainda acontece nos dias de hoje. Lembremo-nos dos sacrifícios enormes que foram necessários para eliminar o “mal absoluto” que foi o nazismo e seus aliados, do número inimaginável de vítimas inocentes e dos meios últimos utilizados para acabar com aquela guerra levada a quase todos os povos do mundo.
Judite é a prova de que, em situações limite, até uma beleza aparentemente frágil consegue encontrar forças e meios para derrotar a força bruta. Claro que o Mal nunca é eliminado para sempre, pelo que imaginar que isso possa acontecer não passa de um exercício de ingenuidade perigosa. O Mal existe porque o Bem existe e sem aquele, este último não teria significado.
É por isso que os quadros representativos de Judite e Holofernes, de que os de Caravaggio são indubitavelmente a expressão máxima, para além de nos atraírem pela sua superioridade artística enquanto criam repulsa pela crua realidade do acto praticado, continuam a ter uma actualidade penetrante e a constituir um simbolismo poderoso da luta entre o Bem e o Mal.

Publicado originalmente na edição do Diário de Coimbra de 1 de Julho de 2019