Não foi, certamente, por
acaso que os portugueses de 1.400 largaram deste cantinho da Europa, abrindo
caminho para toda uma nova organização mundial, com consequências que perduram
até aos dias de hoje. Em 1434 Gil Eanes foi o primeiro a navegar para
além do Cabo Bojador e
em 1487 Bartolomeu Dias dobrou o Cabo das Tormentas passando, finalmente, do
Atlântico ao Índico.
Em Maio de 1453 o sultão
Maomé II conquistou Constantinopla ditando o fim do Império Romano do Oriente e
estabelecendo o Império Otomano que durou até 1922. No ano marcante de 1492 foi
descoberta a América e os mouros foram finalmente expulsos da Península
Ibérica, razões que levam a que se considere este ano como o fim da Idade
Média.
Como se verifica pelo
cruzamento das datas, a chamada expansão marítima portuguesa coincidiu com um
“cerco” da Europa pelo Islão a Oriente e a Sul não lhe restando senão virar-se
para o Ocidente, onde o Atlântico era a barreira natural e Portugal a última
fronteira. Desde a sua fundação até essa altura, Portugal era uma nação
completamente integrada na Europa medieval de então, através de trocas
culturais e comerciais mas, fundamentalmente, pela íntima ligação das casas
reais portuguesa e do resto da Europa.
Exemplo marcante é o casamento da Infanta
D. Leonor, filha do Rei D. Duarte, com o Imperador Frederico III do Sacro
Império Romano e Germânico, negociado por Dom Pedro Duque de Coimbra, numa das
suas muitas acções diplomáticas por toda a Europa, vindo a Imperatriz Leonor a
ser mãe de Maximiliano I e avó de Carlos V, personalidades europeias de enorme relevância.
Portugal foi nessa altura
capaz de corporizar a “libertação” da Europa do cerco que a sufocava e que
inclusivamente tinha cortado as antigas ligações terrestres com o Oriente. Além
de conseguir restabelecer essa ligação, agora pela via marítima, criou todo um
novo mundo com as ligações às américas. Essa importância ficou marcada para
todo o sempre através da assinatura do Tratado de Tordesilhas em 1494 que
dividiu o mundo a descobrir entre Portugal e Espanha, assim ditando o futuro
das Américas do Sul e Central. A América do Norte seria depois colonizada pela
Inglaterra e pela França, que definiriam o futuro daquele continente,
umbilicalmente ligado à Europa.
A Europa e as Américas
passaram assim, na sequência de todos estes acontecimentos históricos, a
constituir uma entidade informal mas cultural e politicamente relevante, a que
se convencionou chamar Ocidente.
E o Ocidente marcou indelevelmente a História
da Civilização dos últimos séculos, tendo tido, apesar de algumas tentativas em
sentido contrário como se viu com o Nazismo e o Comunismo no séc. XX, um papel
extraordinário em avanços humanos em áreas como a Ciência, os Direitos Humanos,
a Arte e muitos outros, tendo a Liberdade como símbolo maior.
Contudo, hoje vemos esta
antiga “comunidade”, que demorou séculos a ser construída, a ser diariamente
destruída. O fim da ameaça comunista da ex-URSS veio alterar os anteriores equilíbrios.
A China tornou-se uma nova potência económica global, prevendo-se que se torne
também em militar, a curto prazo. A União Europeia vê um dos seus países
membros mais importantes, o Reino Unido, a desligar-se por completo. A Rússia
assume que a democracia liberal não é o caminho que pretende seguir enquanto
influencia, cada vez mais às claras, os processos eleitorais europeus, com a
estratégia de enfraquecer a União Europeia.
Os Estados Unidos (EUA)
escolheram um presidente que, deliberadamente, destrói todas as alianças com a
Europa que foram sendo construídas principalmente após a II Guerra Mundial.
A
pós-globalização está aí, com uma nova ordem mundial a estabelecer-se. Os EUA
que desde o fim da I Grande Guerra se assumiram como motor do Ocidente parece
não quererem mais esse papel, preferindo antes relacionar-se directamente com
as restantes potências, em vez de participar em alianças multilaterais.
O Atlântico está a deixar de
ser o mar que une para voltar a ser o que separa. E a Europa tem que estar bem
consciente desta nova situação em que já não existirá o Ocidente, o que exigirá
esforços de união acrescidos e uma nova visão estratégica sobre o seu papel no
mundo.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 15 de Julho de 2019