segunda-feira, 14 de outubro de 2019

UMA PINTORA EXCEPCIONAL: ELISABETH CHAPLIN


O “Visto de Dentro” regressa esta semana a um tema, na verdade dois em um, que várias vezes tem abordado nestas linhas, ao longo dos anos. Refiro-me a mulheres artistas que, por uma ou outra razão, passam ao lado em termos do nosso conhecimento, ao contrário de homens artistas do mesmo período que são reconhecidos por toda a gente. Das pintoras que já aqui abordei, recordo Artemisia Gentileschi mas também Josefa de Óbidos, tão esquecida e mesmo desconsiderada entre nós, até por grandes intelectuais.
De vez em quando, há artistas que parece virem ter connosco, seja na música, seja na literatura, seja na pintura ou outras manifestações artísticas. Por este ou aquele motivo, estiveram, durante toda a nossa vida distantes de nós, por desconhecimento ou por falta nossa de capacidade de ir descobrir tudo o que não sabemos, como devíamos fazer sempre.
Foi assim, por um acaso, que alguns quadros de Elisabeth Chaplin, de quem nunca tinha ouvido falar, surgiram aos meus olhos deslumbrados. A pintora não é tão antiga assim, dado que morreu em 1982, em Florença na sua amada “Villa Il Treppiede”. Tinha 91 anos de idade, o que significa que tendo nascido ainda no séc. XIX, teve a possibilidade de acompanhar todo o período das primeiras dezenas de anos do séc. XX, extraordinariamente fértil, em termos de pintura. E, apesar de ter artistas na família, nomeadamente a mãe escultora e um tio pintor, foi autodidacta em pintura, tendo começado muito jovem a pintar e a ser reconhecida. Depois de a família ter vivido em vários locais desde Fontainebleau em França, onde nasceu a pintora, acabou por se estabelecer em 1905 nas colinas de Fiesole nos arredores de Florença. E foi aí que, passando dias e dias na Galeria Uffizi copiando as pinturas dos grandes mestres, desenvolveu a sua própria técnica, pelo que costumava dizer que foram eles os seus professores. Logo aos 16 anos o seu quadro “Retrato da família no exterior” venceu a medalha de ouro num concurso em Florença. A sua técnica de captura de cores e luz das pinturas ao ar livre na região toscana apurou-se nesse tempo. Ao longo dos anos seguintes participou nas principais exposições em cidades como Paris e Veneza ao lado de Cezanne, Matisse ou Van Gogh, tendo recebido encomendas para trabalhos importantes como, por exemplo, para a Igreja de Notre-Dame, em Paris e sido premiada com a medalha de ouro a Exposição Internacional e recebido a Legião de Honra em 1938.
O Corredor Vasari da Galeria Uffizi em Florença é célebre por albergar uma das mais importantes colecções de auto-retratos do mundo. A colecção foi iniciada por compras da família Medici mas, a certa altura, criou-se a tradição de os pintores para lá enviarem os seus próprios auto-retratos havendo, no entanto, um reduzido número de obras de autoria de pintoras. 
O Corredor Vasari preenche o interior de uma ponte pedonal fechada sobre o Rio Arno construída em 1546 por Giorgio Vassari ligando o “Palazzo Vechio” ao “Pallazo Pitti”.
Em 1946, a Galeria Uffisi comprou três quadros a Elisabeth Chaplin, mas acompanhou a encomenda do pedido de oferta de um seu auto-retrato. A pintora entregou uma obra que pintou em 1903, ainda bem jovem, o “Auto-retrato com um guarda-chuva verde” a que, mais tarde se veio juntar ainda um outro. 
É assim que, no Corredor Vasari ao lado de auto-retratos de Rembrandt, Velasquez, Delacroix ou Chagal, entre muitos outros grandes mestres da pintura, podemos apreciar também não um, mas dois de Elisabeth Chaplin. A Galeria de Arte Moderna do Palácio Pitti tem uma sala inteiramente dedicada a Elisabeth Chaplin, possuindo um acervo de largas centenas de quadros da pintora.
Ao contrário de épocas anteriores, no século XX foi possível assistir ao surgimento de pintoras consagradas, entre as quais se contam também algumas portuguesas. Devemos, no entanto, reconhecer que o merecido reconhecimento de Elisabeth Chaplin é ainda muito reduzido face a homens-pintores do mesmo tempo. E, principalmente nos dias que correm, de alguma confusão e recusa da beleza artística como algo a atingir na criação artística, precisamente a beleza da sua obra bem merece ser contemplada, conhecida e estudada.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 14 de Outubro de 2019

Contas da saúde


Com atraso de muitos meses, claro que depois das eleições, souberam-se as contas do SNS relativas a 2018. E, espanto dos espantos, para quem anda distraído e não ouve nem vê as notícias sobre  os problemas dos hospitais públicos do SNS, soube-se o prejuizo foi de quase 850 milhões de euros. Já a dívida, só a fornecedores, foi de mais de 3 mil e 4oo milhões de euros. Fora as dívidas a outros, como horas extraordinárias de médicos, enfermeiros, etc que são mais uns 400 milhões. E assim se vai passeando o Centeno das "boas contas".
Escolheram-nos, aguentem-nos!

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

UMA CAMPANHA TRISTE


A circunstância feliz de surgir nas páginas do Diário de Coimbra às segundas-feiras, o que já sucede há quase catorze anos sem interrupções tem, de tempos a tempos, alguns inconvenientes. Como os textos não surgem do nada, têm que ser escritos antes e estas crónicas são feitas normalmente ao sábado de manhã, caso desta. Significa isso, como é lógico, que nas segundas-feiras a seguir a eleições não me é possível abordar os resultados eleitorais, porque não sou adivinho.
Contudo, trata-se de uma dificuldade que se pode transformar numa oportunidade, neste caso de comentar a própria campanha eleitoral o que, após as eleições é algo que já não será motivo de escrita, passando a discutir-se as possíveis soluções governativas decorrentes dos resultados eleitorais.
Ao contrário da outra, referida como alegre por Eça de Queiroz nos seus livros de crónicas há 130 anos, esta foi uma campanha que se pode classificar como verdadeiramente triste. Na realidade, os principais partidos concorrentes mais pareciam querer passar entre os pingos da chuva esperando pelo fim da campanha sem mostrarem com eficácia as diferenças entre as propostas programáticas. Dava a ideia de não haver vontade de assustar os eleitores, querendo “pescar” todos no mesmo meio eleitoral. Pois se, a certa altura, até o Bloco de Esquerda classificava o seu programa como social-democrata (ao mesmo tempo que defendia a nacionalização de grande parte da economia, perfeitamente ao estilo 11 de Março).
Estava tudo a correr numa paz podre, quando três epifenómenos sucessivos vieram abalar a campanha eleitoral.
Em primeiro lugar, aconteceu Tancos. Face ao fim do prazo das prisões preventivas, o Ministério Público deduziu as suas acusações relativas ao processo do roubo das armas ocorrido no paiol da Base de Tancos, em Junho de 2017. O abanão provocado na campanha eleitoral foi enorme e muito elucidativo sobre as posições dos diversos partidos. Como o ex-ministro socialista da Defesa foi acusado, lá veio a ladainha do “à justiça o que é da justiça e à política o que é da política”, acompanhada da velha tese da cabala e da “agenda política” do Ministério Público, a que já nos vamos habituando, como se os códigos e definição dos prazos não fossem da autoria precisamente dos políticos que agora se queixam. E como se, precisamente, a actuação governativa de um ministro não fosse a própria definição da política. Os partidos parceiros do governo durante estes quatro anos perceberam que tinham de dizer alguma coisa para não serem engolidos na onda e lá se manifestaram espantados e escandalizados pela suposta falta de verdade das declarações prestadas na comissão da Assembleia da República. Já o PSD surfou a onda e, a partir daí, pareceu ganhar uma alma nova no ataque ao PS, algo que até aí tinha passado relativamente despercebido, permitindo uma recuperação notória nas sondagens.
Quando a tempestade de Tancos acalmou, veio a tempestade verdadeira, na forma do furacão Lorenzo que fustigou os grupos central e ocidental do arquipélago dos Açores. Oportunidade agarrada com as duas mãos pelo partido do governo. Viu-se em directo em todas as tv’s António Costa e os responsáveis pela Protecção Civil, com ar sério e compungido, a entrar de manhã nas instalações nacionais daquele serviço, para acompanhar em directo as operações a decorrer nos Açores, quando já se sabia que o furacão deixara de o ser e passara a tempestade, tal como acontece todos os anos por aqueles mares com vários furacões. Tratou-se de pura encenação eleitoralista de gosto duvidoso, mas que serviu às mil maravilhas para limpar o rasto de Tancos.
Por fim, foi o falecimento de Freitas do Amaral. A campanha praticamente acabou aí. Se o luto do CDS é inteiramente compreensível, pese embora o mútuo afastamento dos últimos anos, a manifestação generalizada de respeito pela personalidade desaparecida é demonstrativa da importância do seu papel para a edificação do regime democrático.
Com tristeza assim terminou uma campanha eleitoral em que, no final, todos os políticos pareciam já extenuados e com falta de motivação, para não falar de ideias. 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Outubro 2019

terça-feira, 1 de outubro de 2019