Há uns tempos conversava com um amigo sobre a possibilidade
de determinada personalidade política se candidatar numas eleições em que
surgiria como candidato principal. Alguém opinou que essa possibilidade estaria
arredada porque grande parte do eleitorado estaria sabedor de atitudes e
práticas da tal personagem, ao longo de anos, que o levaria a ser punido
eleitoralmente.
Mas será que aquele raciocínio é hoje adequado à nossa
realidade? Não se pense que o autor destas linhas tem a mais leve veleidade de
querer impor regras morais ou de se arvorar em pregador de ética. A intenção
deste escrito é apenas a de abordar alguns aspectos da actualidade, tentando
encontrar caminhos que nos possam evitar enganos e manipulações pela forma como
a informação é hoje tantas vezes usada para criar sensações e ambientes que
nada têm a ver com a realidade dos factos.
Os meios de comunicação social sofreram, nas últimas décadas
e sofrem ainda, alterações profundas cujas consequências ainda estamos longe de
perceber na sua totalidade. Na generalidade, os jornais começaram por misturar
opinião com informação, abrindo caminho a uma confusão que leva a tudo menos
uma informação isenta que permita aos leitores formar a sua própria opinião em
face de dados fidedignos. Lamentavelmente muitos jornalistas, felizmente não
todos, entraram no caminho fácil de misturar os seus sentimentos e opções
políticas próprias com a informação que veiculam. Em consequência da falta de
saúde financeira dos jornais, muitas redacções foram sendo preenchidas com
estagiários ou jornalistas com contratos a prazo, cuja independência é muito
frágil.
Os novos meios, baseados na internet, vieram complicar ainda
mais a transmissão livre e rigorosa dos acontecimentos, exigindo dos receptores
da mensagem uma capacidade de análise muito mais desenvolvida do que
anteriormente. Em particular nas redes sociais, tornou-se necessário ir
verificar da veracidade do que vai surgindo, mas também da data das notícias,
sendo frequente que elas voltem à superfície meses ou anos depois de se terem
verificado, o que altera por completo o seu significado. Depois, os algoritmos que
estão por trás do facebook ou do instagram detectam automaticamente aquilo que
cada um procura com mais frequência, passando a propor notícias e fontes afins,
puxando artificialmente para um ou outro lado aquilo que é apresentado a cada
utente e assim manipulando a própria realidade que cada um percepciona.
A rapidez dos novos meios leva a um atropelar contínuo das
notícias, transformando em velho aquilo que no dia anterior fora uma grande
novidade, substituindo-se uma indignação por outra e logo pela seguinte. Como
as nossas mentes não estão habituadas a esta velocidade de substituição de
recepção, tratamento e reacção, estes escândalos sucessivos deixam de ser genuínas
manifestações de repúdio para se transformarem em puro entretenimento de
massas.
Em Portugal, por uma razão ou por outra, actualmente não há
quase um dia em que não surjam notícias sobre acções policiais em gabinetes
ministeriais, autárquicos ou de empresas públicas e privadas. De muitas delas
nunca mais se ouve falar, provavelmente porque se verificou que as queixas ou
as suspeitas eram infundadas. Mas os casos que se desenvolvem até formulação de
acusação são em número suficientemente grande para que todos os dias surjam
novas ou requentadas notícias sobre os processos judiciais correspondentes. Será
quase desnecessário recordar aqui os casos de justiça de banqueiros, de
ministros e mesmo de um ex primeiro-ministro que não saem das notícias há cinco
ou mais anos.
Este sucessivo e constante martelar sobre comportamento reprovável
de representantes das elites sociais, políticas, económicas e financeiras não
pode deixar de ter consequências sobre a forma como essas atitudes são olhadas
pelo cidadão comum. O passo para considerar que “são todos iguais” é pequeno,
tal como o é o de “normalizar” esses comportamentos, assim se respondendo à
questão formulada no início desta crónica.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 18 de Novembro de 2019