Do Tratado de Versalhes que a Alemanha foi obrigada a assinar
em Junho de 1919, fechando-se assim a chamada Primeira Guerra Mundial terminada
em 1918 muito se tem dito, designadamente sobre as consequências pesadas para a
Alemanha defendendo-se, com muitas razões, que a Grande Guerra que se lhe
seguiu vintes anos depois, não foi mais que a continuação daquela. É mesmo
possível detectar, aqui e ali, comentários que, de certa forma, parecem
desculpabilizar o que se lhe seguiu, Hitler e o Nacional-Socialismo, como uma
sequência histórica quase normal, por uma sua inevitabilidade.
Nada de mais errado. À derrota alemã, seguiu-se a queda da
monarquia e eleição da Assembleia Constituinte alemã, logo em Janeiro de 1919,
a que se seguiu a primeira experiência democrática alemã, a República de
Weimar, declarada ainda nesse ano. Esta cidade da Turíngia tinha um passado
cultural a que se podem associar nomes como Goethe, Schiller, Bach ou Liszt e
havia-se tornado um pólo cultural de grande intensidade, em grande parte pelo
classicismo que se deve àqueles e muitos outros artistas.
A partir de 1911 o arquitecto Walter Gropius reuniu uma plêiade
de técnicos e artistas das mais variadas áreas na Escola de Artes e Ofícios de
Weimar. Assim se desenvolveu um novo tipo de arquitectura que, à função
restrita dos edifícios, associava conceitos de simplicidade e de depuração de
formas, além da utilização de materiais que permitissem produção em larga
escala, como o betão e o vidro para fachadas. De entre os muitos professores
convidados podem citar-se Kandisky, Paul Llee ou Laszló Nagy, pelo que se
percebe o nível e a sofisticação da investigação e do ensino da Escola. Em
Abril de 1919 Walter Gropius publicou um manifesto que se considera como o
início da Bauhaus, termo que inverte a palavra que, em alemão, significa
«construção de casa» - «hausbau» e que só por si indica o que lá se praticava
como inovação. Em 1925 a Escola foi transferida para Dessau e, por fim, para
Berlim em 1930, tendo fechado definitivamente as portas em 1933, com a chegada
dos nacional-socialistas de Hitler ao poder. Muitos professores e antigos
alunos da Bauhaus espalharam-se pelo mundo inteiro, influenciando de forma
radical a arquitectura e o design como fusão da arte e da função até aos nossos
dias e vários edifícios nas cidades de Weimar e Dessau inspirados na Bauhaus
são hoje classificados património mundial pela Unesco.
Enquanto toda esta actividade de vanguarda sucedia na Alemanha,
no mesmo país nascia e crescia a verdadeira serpente do mal, o
nacional-socialismo. A inflação dos anos vinte, associada ao peso dos castigos
de guerra, a que se juntaram as trágicas consequências da «grande depressão» de
1929 criaram nas classes médias-baixas alemãs um sentimento de revolta
receptivo aos populismos mais desenfreados A tudo isto Hitler e os seus
apaniguados acrescentaram a invenção de um «culpado» genérico por tudo o que de
mau acontecia, os judeus. Se nas eleições de 1928 o partido nazi conseguia
apenas 2,6% dos votos, em Setembro de 1930 obteve já 18,3% dos votos
tornando-se o segundo maior partido no Reichstag, depois do partido social-democrata
SPD. Após um governo minoritário fraco e pressões de luta nas ruas, em novas
eleições realizadas em Julho de 1932 o partido nazi obteve 37,4%, tornando-se
no maior partido do parlamento. Em Janeiro de 1933 Hitler tomou posse como
chanceler da Alemanha e, logo em 27 de Fevereiro seguinte dá-se o incêndio no
Reichstag, oportunidade para Hitler suspender as liberdades civis e instaurar a
ditadura, ditando assim o fim da República de Weimar que durou, portanto,
escassos 11 anos
O que se passou a seguir é, infelizmente, bem conhecido de
todos nós. Podia não ter acontecido assim, se a falta de coragem, a inércia e o
oportunismo de muitos, da esquerda à direita, não tivessem deixado o campo
livre à barbárie de um dos piores grupos de assassinos que o mundo já conheceu.
Impressionante e perturbador é que, num país em que a Filosofia, o Direito, mas
também as Artes, atingiram os píncaros das mais elevadas realizações humanas,
tenham surgido as mais baixas pulsões que, a certa altura, tudo devoraram e
destruíram. Isto aconteceu há cem anos. Desde então, têm sido construídas as
mais variadas pontes entre povos com tratados, uniões, etc., com o objectivo de
evitar repetições da História. Mas todos os dias vemos como a Democracia é um
edifício frágil, atacado quer por dentro por oportunistas e corruptos vários,
quer de fora através dos populismos mais descarados.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra, em 2 de Março de 2020