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quarta-feira, 2 de setembro de 2020
terça-feira, 1 de setembro de 2020
DOM PEDRO, DUQUE DE COIMBRA E A UNIVERSIDADE
Enquanto a universidade portuguesa andava entre Coimbra e Lisboa, sem sair dos cânones medievais e de uma função quase exclusiva de formação religiosa, houve uma tentativa de criação de uma outra Universidade, que deveria ser constituída à imagem do melhor que havia na Europa de então, designadamente das universidades de Oxford e de Paris.
Em 1443 o Duque de Coimbra Dom Pedro, pertencente àquela a que Camões muito apropriadamente chamou Ínclita Geração tomou, enquanto Regente da coroa portuguesa, as medidas necessárias para a fundação de um Estudo Geral em Coimbra em paralelo com a Universidade que na altura estava em Lisboa. Concretizava assim as suas preocupações com o ensino superior, de que já tinha dado nota na célebre carta que de Bruges enviou a seu irmão Duarte que haveria de ser Rei. Com esse fim, nesse ano fez uma dotação para esse efeito, além de tomar outras medidas para a sua instalação física.
Dom Pedro, quarto filho de D. João I e D. Filipa de Lencastre, foi um homem culto e conhecedor do mundo do seu tempo. Para além de em jovem ter ido para a corte inglesa com dois irmãos conhecer outros mundos e línguas, entre 1425 e 1428 viajou pela Europa de onde lhe veio ter ficado conhecido como «Infante das sete partidas». Nessa altura Dom Pedro era já Duque de Coimbra, investidura ocorrida no regresso da conquista de Ceuta, em Agosto de 1415, pelo que as suas viagens não terão sido um simples passeio integrando-se antes numa acção diplomática ao mais alto nível, razão por que foi acompanhado por uma importante comitiva. De Coimbra viajou até Paris, donde passou a Inglaterra, terra natal de sua mãe Filipa de Lencastre, neta do rei Eduardo III e irmã do rei Henrique IV que deu início à dinastia de Lencastre. Em Inglaterra foi investido cavaleiro da Ordem da Jarreteira, a que seus pais também pertenciam. Tendo viajado para a Flandres, escreveu a seu irmão D. Duarte a famosa «Carta de Bruges» onde lhe dava conhecimento do desenvolvimento dos países que visitava, dando-lhe ideias para a boa governação, para além de propostas de reforma universitária necessária pela deficiência de formação do clero português. Dom Pedro passou depois pela Alemanha e foi a Viena onde ajudou o Imperador Segismundo na guerra com os Turcos, o que lhe valeu ser investido no domínio da Marca Trevisiana. Dom Pedro e a sua comitiva tiveram ainda estadas em Veneza e em Roma onde o Papa lhe entregou uma relíquia de S. Sebastião. Antes de regressar a Portugal, passou por Barcelona onde tratou do seu casamento com Isabel, condessa de Urgel, filha do conde Jaime II de Urgel e da infanta Isabel de Aragão.
O reinado do seu irmão D. Duarte durou escassos anos, o suficiente, contudo, para se deixar levar pelos desejos de glória de seus irmãos Henrique e Fernando que ansiavam por conquistas aos muçulmanos no Norte de África, em vez de se prosseguir com as navegações pela costa africana. A tragédia de Tânger, com a consequente tomada de D. Fernando como refém até à sua morte foi o resultado dessa política desastrosa. Após a morte de seu irmão D. Duarte, como o infante D. Afonso era ainda uma criança, a regência foi assegurada por sua mãe Leonor de Aragão por um breve período e depois pelo Duque Dom Pedro que retirou poder à aristocracia a favor da Coroa, e reviu a legislação do país através das «Ordenações Afonsinas», preparando já uma saída do país dos tempos medievais. Quando o seu sobrinho atingiu a maioridade em 1448, Dom Pedro entregou-lhe a governação, retirando-se para Coimbra, sede do seu ducado. A sua acção como regente tinha-lhe, no entanto, granjeado inimigos poderosos, com o seu meio-irmão D. Afonso, que ele próprio tinha feito Duque de Bragança, à cabeça. Foi assim que o Duque de Coimbra foi vítima de uma cilada e morto de forma traiçoeira naquilo a que chamaram batalha de Alfarrobeira na data infame de 20 de Maio de 1499.
A universidade que Dom Pedro desejou para Coimbra não teve desenvolvimento após a sua morte em Alfarrobeira, tendo o Rei D. Afonso V anulado todas as decisões do Duque de Coimbra enquanto Regente do Reino, além de permitir a perseguição da memória do Duque que só foi, em parte, reabilitada por D. João II, continuando até os dias de hoje envolta em mistificações e mentiras em favor de outros personagens. De tal forma é assim que mesmo a sua cidade por quem tanto fez, Coimbra, o mantém no esquecimento em favor de figuras mitológicas, ao contrário de outras cidades como Aveiro que lhe prestam homenagem e o consideram na sua verdadeira importância histórica. Depois de Alfarrobeira Coimbra teria de esperar até 1537 para ter a sua universidade, transferida definitivamente de Lisboa com D. João III, no que foi tristemente acompanhada pela Inquisição que iria castrar durante 285 anos a vida intelectual, a ciência e a liberdade com consequências no ser português ainda hoje visíveis.
O lema de vida escolhido por Dom Pedro resumia-se a uma palavra, «DESIR», mas era todo um programa.
Àquele príncipe português que no século XIV tinha a sensibilidade e o conhecimento para escrever que «POESIA É MAIS SABOR DO QUE SABER», Sophia de Mello Breyner dedicou este poema, com que termino esta singela evocação da sua vida dedicada aos Antigos Estudantes da Universidade de Coimbra:
PRANTO PELO INFANTE D. PEDRO
DAS SETE PARTIDAS
Nunca
choraremos bastante nem com pranto
assaz amargo e forte
aquele que fundou glória e grandeza
e recebeu em paga insulto e morte
Este texto foi publicado no nº de Agosto da revista FRA da Associação dos Antigos Estudantes da Universidade de Coimbra
segunda-feira, 31 de agosto de 2020
PAPEL DE COIMBRA NO PAÍS
Não deve haver cidade em que se discutam tanto eventuais investimentos públicos, nem durante tanto tempo, como Coimbra. Para além do velho ditado que nos ensina que «casa onde não há pão, todos ralham e todos têm razão», há circunstâncias muito concretas que levam a que seja assim, sem que os conimbricenses se apercebam delas em toda a sua extensão. Na realidade, por vezes ajudam mesmo a que estas situações se verifiquem, sem tomarem disso consciência.
Como foi possível que o projecto do Metro Mondego tenha sido suspenso em pleno andamento das respectivas obras de empreitada em 2010, para agora o projecto ferroviário ser substituído por autocarros eléctricos?
Porque é que a A 13 está parada à entrada de Coimbra e não se vê que seja dada ordem de conclusão até ao IP3? Porque é que o IP3 não é alvo de verdadeira beneficiação para perfil de auto-estrada em toda a sua extensão, constituindo uma ligação decente a Viseu? Porque é que o IC 6 continua inacabado às portas de Oliveira do Hospital, impedindo a ligação de Coimbra à Covilhã?
Porque é que a construção da nova Maternidade faz que anda, mas não anda, enquanto na Cidade se discute a melhor localização, sem conclusões? Porque é que não é construído o estacionamento em silo-auto dos HUC? Porque é que a ampliação já aprovada das Urgências dos HUC não anda para a frente? Como é possível a actual situação do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra em que se abandonam as instalações do Hospital dos Covões em vez de se constituir um verdadeiro Centro Hospitalar com divisão coerente e eficiente de serviços entre as diferentes edificações?
Porque é que ninguém ouviu mais falar do novo Palácio da Justiça e ainda muito menos da nova penitenciária?
Porque é que a Estação Coimbra B vai ser objecto de umas beneficiações e não é construída uma verdadeira nova estação inter-modal, bem como as respectivas infra-estruturas rodoviárias?
Tudo perguntas a que se podem dar respostas específicas que mais soam a desculpas esfarrapadas. Porque, na realidade, a verdadeira questão é o seu conjunto e é na visão global que se encontram as verdadeiras razões.
Portugal tem um «edifício» legal no que diz respeito ao ordenamento do seu território. Na base estão os planos de âmbito municipal, que abrangem os Planos Directores Municipais e os Planos de Urbanização e Planos de Pormenor que desenvolvem os PDM. Num plano acima estão previstos os Programas e Planos Intermunicipais que possibilitam a cooperação entre municípios a serem elaborados no quadro das comunidades intermunicipais, prevendo racionalidade no acesso a serviços comuns de interesse geral. Num nível superior, a legislação prevê os Programas Regionais de Ordenamento do Território, «no âmbito de definição de um quadro estratégico regional». Como tecto do edifício existe o Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT), cuja última versão data de 2019 e que, aspecto importante neste momento, serve de matriz para a «Estratégia Portugal 2030».
E aqui residirá a resposta para as questões que interessam directamente a Coimbra, acima referenciadas. Se formos analisar o PNPOT, verificamos que a estratégia nacional para a política de ordenamento do território lá prevista contempla essencialmente as duas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e o resto do país na sua «multi-polaridade», em que Coimbra surge ao mesmo nível de, por exemplo, todas as outras cidades da Região Centro. É o que se verifica nas cartas referentes ao Modelo Territorial e ao Sistema Urbano, por exemplo. O porquê desta situação não é evidente, e não andará longe da visão macrocéfala a partir de Lisboa mas também do facto de, até hoje, nunca ter sido aprovado o Plano Regional de Ordenamento do Território da Região Centro.
Na actual situação, Coimbra tem um erro de percepção dos seus problemas já que os investimentos a que se julga com direito (com toda a razão) são vistos a nível nacional de uma forma completamente diferente: não há razões para Coimbra ser tratada de modo diferente das outras cidades da região e, sobretudo, não há razão para ter duplicação de serviços que podem ser garantidos, a nível nacional, por Lisboa e Porto.
Olhando concretamente para a área da Saúde, resulta assim evidente que não faz sentido para os decisores nacionais, que Coimbra tenha um Centro Hospitalar e quanto mais dois, quando o Porto tem dois (S. João e Stº António) bem como Lisboa (Lisboa Norte – Sta. Maria e Lisboa Central – S. José). Se Coimbra não acordar, o destino do seu hospital central será tornar-se, em poucos anos, pouco diferente dos hospitais das outras cidades da região. Perderá Coimbra mas, sobretudo, perderá a Região Centro que já está neste momento a ser penalizada a nível de equipamentos públicos, a favor das duas áreas metropolitanas inclusive, embora não só, na área da Saúde historicamente tão cara à nossa cidade.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 31 de Agosto de 2020
sexta-feira, 28 de agosto de 2020
Contingência ou a história de o Pedro e o Lobo
Fico espantado e mesmo preocupado quando vejo o Governo limitar os direitos constitucionais (estado de contingência) sem apresentar justificações concretas para tal. Fala da pandemia, mas aquele estado, sem facto nenhum novo que o sustente e anunciado semanas antes, não parece razoável.
Mais impressionante é o estado abúlico dos portugueses, a começar pelo presidente da República, perante este abuso evidente.
segunda-feira, 24 de agosto de 2020
FERROVIA : UMA ILHA PORTUGUESA?
O início da História da ferrovia em Portugal coincidiu com a «Regeneração» iniciada em 1851, de que a figura mais conhecida é Fontes Pereira de Melo. Após dezenas de anos de invasões francesas e guerras civis que custaram ao país um atraso enorme no seu desenvolvimento a todos os níveis face aos restantes países europeus, houve finalmente um período, embora curto, em que se tentou ultrapassar essa situação colocando Portugal num rumo de acerto com a Europa.
Depois dos necessários estudos técnicos, financeiros e organizacionais, o primeiro troço ferroviário ligando Lisboa ao Carregado foi inaugurado em 28 de Outubro de 1856 com um comboio especial em que viajava o jovem Rei D. Pedro V com a família real, tendo a exploração comercial tido início dois dias depois.
O crescimento das linhas férreas foi, a partir daí, muito rápido e estendeu-se a todo o país. Logo em 1861 chegou a Santarém, em 1863 a Évora e em 1864 a Taveiro, em 1875 a Braga e em 1877 a Porto-Campanhã. Em 1879 estava na Régua em 1882 estava feita a ligação entre a Figueira da Foz e Vilar Formoso. A ligação entre Coimbra B e Coimbra estabeleceu-se em 1885 e em 1887 o comboio chegava a Mirandela. A ligação entre Coimbra e a Lousã estabeleceu-se em 1906 e até Serpins em 1930.
À excepção de alguns pequenos ramais de interligação, o investimento português em ferrovia nova terminou em 1952 com o troço Vila Real de S.tº António-Guadiana. Logo a partir de 1965 começaram os encerramentos, como por exemplo, Vale de Santarém–Rio Maior. O maior nº de encerramentos deu-se a partir da década de 80, como a ligação entre o Pocinho e Miranda do Douro ou Vila Real-Chaves.
O encerramento da linha da Lousã entre Coimbra e Serpins faz parte deste movimento descendente e ocorreu em 2010.
A variação da extensão da rede ao longo dos anos é um indicador preciso da evolução da ferrovia em Portugal. Assim, de zero quilómetros em 1856 passou-se para 1.212 em 1880 e 2.365 em 1900. Isto apenas em 44 anos. Essa extensão cresceu até ao máximo de 1950, ano em que foi de 3.627 quilómetros. Tendo-se mantido durante a década seguinte, a partir de 1970 foi-se reduzindo até ao valor de 2.516 quilómetros em 2016, inferior em 300 Km à extensão de linhas existente em 1910.
Não será preciso muito mais informação para se perceber a falta de investimento na ferrovia em Portugal, a partir da década de 70 do século passado, pelo que tudo o que os responsáveis políticos nos prometerem sobre o assunto deve ser recebido com muitas reticências. E nem a justificação da qualidade versus quantidade serve, porque o que se exige em cada momento é o melhor serviço adequado ao seu tempo.
Embora de início as vias férreas portuguesas tivessem a bitola, isto é, distância entre carris, de 1435 mm que veio a ser adoptada internacionalmente e no resto da Europa, na década de 50 foi adoptada a de 1664 mm usada em Espanha, para uniformização com o país vizinho, nossa única fronteira terrestre. Passámos a ter a chamada bitola ibérica que transformou a Península Ibérica numa ilha, em termos ferroviários.
Se há modo de transporte em que Portugal seja periférico é o ferroviário. Os nossos vizinhos espanhóis estão há anos a substituir paulatinamente as ligações ferroviárias a França, isto é, para o resto da Europa, para bitola europeia. Já o fez nas ligações catalãs, está a terminá-lo-lo no país Basco e está a fazê-lo para lá da fronteira portuguesa em direcção a Badajoz à Galiza.
É necessário e urgente alterar a situação. Não se pode defender a continuação da bitola ibérica nas ligações a Espanha como fraco volume de mercadorias transportadas por este modo. É precisamente para alterar isso que é necessário facilitar a circulação desde Portugal até França e restante Europa, directamente, pelo menos em duas ligações rodoviárias a Espanha em bitola europeia. Não nos podemos deixar encurralar pela bitola ibérica enquanto Espanha vai fazendo plataformas logísticas junto à fronteira com Portugal para prever a possibilidade de circulação, mas indirecta, logo mais lenta e mais cara, retirando competitividade aos nossos produtos. E as questões ambientais e energéticas aconselham a substituição do modo rodoviário (veículos de transporte de mercadorias pesados) por comboios a partir dos 300 Km.
O desinvestimento português na ferrovia dos últimos 50 anos não pode continuar sob pena de Portugal, e já não a Península Ibérica, se transformar numa ilha. Os portugueses devem tomar consciência de que, neste momento, se discutem na União Europeia decisões cruciais para financiamento das ligações ferroviárias europeias que são cruciais para a nossa economia e desenvolvimento. E não há a certeza, muito longe disso, de que os nossos governantes estejam a tomar as decisões certas nesta matéria.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 24 de Agosto de 2020
domingo, 23 de agosto de 2020
HIDROGÉNIO
«Estamos, sim, perante o retomar do circo mediático iniciado em 2005 pelo Governo Sócrates para promover as potências elétricas intermitentes, solares e eólicas, à custa dos consumidores.
Para atrair investidores para essas tecnologias, na altura imaturas, foram-lhes oferecidas FIT (Feed in Tariffs), que dão a quem delas beneficia generosas tarifas garantidas, em simultâneo com uma reserva absoluta de mercado durante 15 anos.
É assim que ainda hoje as famílias e as PME estão a pagar 380 euros/MWh pela eletricidade solar dos parques concedidos pelo Governo Sócrates em 2010, quando o preço atual de mercado está abaixo de 40 euros/MWh!
O que conduz a um sobrecusto de 600 milhões de euros por ano. E se juntarmos as FIT concedidas maciçamente às eólicas, os sobrecustos atingem os 2000 milhões de euros por ano. Uma bagatela para uma economia muito enfraquecida como a portuguesa.
E foram também as FIT concedidas às potências intermitentes que expulsam a atual central de Sines do mercado e forçaram a proprietária EDP a solicitar o respetivo encerramento, deitando assim ao lixo a mais eficiente central a carvão da Península Ibérica.
E para a substituir aparece agora um projeto megalómano de fazer uma monumental unidade de eletrólise para consumir eletricidade e água do mar, que para o efeito terá de ser dessalinizada para produzir hidrogénio, que, por sua vez, se vai queimar para depois se voltar a produzir eletricidade ...
Ou seja, desperdiçar milhares de milhões de euros de um país terrivelmente endividado num projeto completamente desnecessário e ineficiente do ponto de vista energético. E, de caminho, dar mais FIT aos novos promotores de mais 2000 MW de potências intermitentes, destruindo qualquer veleidade de se voltar a ter um mercado elétrico nos próximos 15 anos.
O país não pode derreter mais dinheiro em mais tecnologias imaturas, que apenas têm contribuído para enriquecer os respetivos promotores e arruinar a economia portuguesa desde 2005.
Por expor estas ideias no âmbito da discussão pública promovida pelo próprio Governo, fui já publicamente insultado pelo secretário de Estado João Galamba. Será uma nova ferramenta de pressão mediática que, todavia, não me intimida ... »
E estamos nisto com os socráticos também deste Governo.