Que o Papa Francisco é uma personagem brilhante do nosso tempo, aliando uma inteligência arguta a uma simplicidade desarmante é algo que todos percebemos desde que ocupou a cadeira pontifícia, como Bispo de Roma. Há poucos dias mostrou-nos mais uma sua faceta com a seguinte frase: "A minha ansiedade está bastante controlada. Quando me deparo com uma situação ou tenho de enfrentar um problema que me causa ansiedade, eu ataco-a. Tenho vários métodos para o fazer. Um deles é ouvir Bach". Sendo como é, no seu caso sem qualquer dúvida, um homem de Fé, o Papa Francisco tem certamente a felicidade de ter no seu coração e no cérebro as ligações divinas que lhe permitirão encontrar meios para encarar os problemas que todos os dias se lhe depararão e que grandes serão alguns deles, dada a dimensão da casa que governa. E, no entanto, tem a humildade de reconhecer que um dos métodos para enfrentar as dificuldades é inteiramente humano, recorrendo à satisfação que a beleza da arte transmite, no caso a música de um homem, que por acaso até era protestante, mas que dizia que compunha para maior glória de Deus.
Homem esse, do mais comum que se possa imaginar que, como se costuma dizer, tinha uma catrefada de filhos, que gostava de comer e beber bem e que, muito simplesmente, vivia de compor música para acompanhar as celebrações do Domingo seguinte ou da festa litúrgica importante que se seguia. E é assim que temos as suas Cantatas, Missas e as suas Paixões, mas também os Concertos de Brandeburgo as Sonatas e Partitas, para além de muitas outras obras que o seu cérebro produzia em catadupa, para além de ele próprio as interpretar de forma virtuosa em diversos instrumentos. Agradeçamos ao compositor Felix Mendelssohn que iniciou no século XIX a recuperação da música de Bach então praticamente esquecida, para ser hoje tão amada e considerada no mundo inteiro que o compositor deixou de ser apenas representante do período Barroco para ser um dos maiores, se não o maior, da História da Música.
E não é que, sendo eu o mais comum e mais anónimo dos homens me acontece encontrar aqui um ponto de contacto com o Papa Francisco? Também eu, quando alguma ansiedade me ataca tenho o hábito, já antigo, de ouvir Bach. Adianto mesmo quais as obras do grande compositor da época barroca que uso com esse fim: a cantata BWV 106, dita Actus Tragicus ou, quando o tempo abunda mais, a Paixão Segundo S. Mateus. Já agora, partilho haver outro compositor, mais moderno, que se juntou a Bach naquele papel de ansiolítico auditivo privado que é Mahler em várias das suas composições, nomeadamente a Quarta Sinfonia e alguns Lieder maravilhosos, em particular, por Jessie Norman ou Dieter Fischer Dieskau. Dieskau, cuja audição me faz sempre recordar o excelente amigo que já não está entre nós, o Eng. Azevedo Gomes, com quem mantinha as mais amistosas discussões sobre qual a mais perfeita Paixão de Bach, sendo que ele preferia a segundo S. João, por mais intimista.
Por que caminhos nos leva a música, mesmo que seja apenas falar sobre ela sem a ouvir, embora o esteja a fazer neste momento, através de um dos novos meios que vieram transformar por completo a forma como a ouvimos. O “streaming” através dos vários fornecedores do mercado que hoje já oferecem uma qualidade de som apreciável, bem como a possibilidade de ouvir emissoras de rádio pela internet, permite-nos libertar daquilo de que gostamos menos, através da audição de emissões especializadas nos mais variados tipos de música ou mesmo em compositores ou intérpretes específicos. No caso concreto, delicio-me com Glenn Gould e a sua interpretação ao piano das Variações Goldberg, lá está, de Bach, sem ter que me maçar a trocar de CD no aparelho, já que se controla tudo pelo écran do telemóvel que, neste caso sim, se pode chamar verdadeiramente inteligente.
Há muito tempo que se diz que ouvir 5 minutos de Mozart de manhã é a melhor garantia de um dia feliz. Neste caso simples tratar-se-ia de uma terapêutica preventiva, mas muitos cientistas já mostraram que a Música pode mesmo ter fins terapêuticos, desde o princípio até ao fim da vida, nas mais diversas condições. A musicoterapia pode ser usada nos cuidados paliativos ao promover o relaxamento e ajudando a diminuir a dor, podendo ainda ser benéfica na reabilitação da motricidade e em outros contextos que necessitem de apoio emocional. O conhecimento, ainda que empírico, dos efeitos benéficos da música em contexto de saúde não é uma novidade dos nossos dias A tradição hebraica diz que David tocou harpa para livrar o rei Saul do um espírito e os gregos, certamente não por acaso, tinham Apolo como deus da música e da medicina.