«Quando não se sabe
para onde quer ir,
qualquer caminho serve»
Impante da sua nova importância, acompanhado pelo comandante-geral da GNR e pelo comandante da Unidade de Controlo Costeiro (UCC) da GNR, o ministro da Administração Interna Eduardo Cabrita lá fez a viagem inaugural da Lancha «Bojador» entre Alcântara e Oeiras, no passado dia 7 de Maio.
Enquanto o seu colega da Defesa tem que se haver com almirantes, generais e antigos chefes de Estado Maior e até ex-presidentes da República para levar avante uma reforma da estrutura superior das Forças Armadas, Eduardo Cabrita avança lampeiro com a invasão das competências da Marinha de Guerra portuguesa pela GNR, que é uma força de segurança directamente dependente do Governo e do seu Ministério, e assim obedece às suas ordens sem o menor suspiro público. Ao contrário, como é bom de ver, do que sucede no relacionamento de governantes com altos responsáveis militares. O ministro Cabrita pode não saber tirar o ponto ou o que é um azimute, mas mostra gostar de mandar e de ser obedecido.
A leitura destas linhas poderá provocar alguma perplexidade, por poder dar a impressão de misturar assuntos que nada terão a ver uns com os outros. A meu ver, têm, e muito, por definirem um padrão. Quando uma governação do «quero, posso e mando» como é característica da acção de Eduardo Cabrita é acompanhada por interferências claras de forças de segurança que ele próprio tutela em áreas definidas como de soberania, algo vai muito mal, até porque não se trata de decisões de apenas de um ministro mas de uma política decidida pelo Governo.
Sucede que o destino, não a vontade própria, quis que eu cumprisse o Serviço Militar Obrigatório como Oficial da Reserva Naval. E, como Oficial da Classe de Marinha, não cumpri o SMO numa secretaria, nem a marchar em paradas, mas sim a bordo de navios da Armada Portuguesa no Atlântico, entre Portugal continental e a Madeira e os Açores. Isto para garantir saber bem do que falo, quanto ao que a seguir fica escrito.
Se a Armada, com os meios de que dispõe, cumpre com brio e profissionalismo as missões militares que lhe são confiadas, nomeadamente de defesa nacional e apoio à política externa do Estado, exerce também da melhor forma, uma acção não militar muito importante e muitas vezes desconhecida de grande parte da população.
Aplicando os conhecimentos marítimos adquiridos e consolidados durante centenas de anos, a Armada desenvolve um grande número de tarefas no mar. A própria Lei Orgânica da Marinha, para além daquilo que lhe está confiado pela Lei de Defesa Nacional e pela Lei Orgânica de Bases da Organização Nacional das Forças Armadas, define outras missões como sendo «exercer a autoridade do Estado nas zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional…», bem como «assegurar o funcionamento do Serviço de Busca e Salvamento Marítimo» o que faz em permanência, e «realizar operações e actividades das ciências e técnicas do mar». Sou testemunha pessoal do exercício de actividades de todos estes tipos, para além de outras como apoio aos faróis e, quando necessário, do apoio excepcional aos portugueses das ilhas que bem conhecem esse esforço patriótico dos nossos marinheiros, tantas vezes em condições de mar bem difíceis.
Acontece que, de acordo com as palavras do Comandante da GNR, “a lancha Bojador será utilizada "em missões de vigilância, patrulhamento e intercepção terrestre ou marítima em toda a costa e mar territorial do continente e das regiões autónomas". Se isto não é uma sobreposição às tarefas da Armada ou mesmo uma tentativa de substituição daquela, não sei o que será. Para o MAI o país deve parecer um poço sem fim de dinheiro a desbaratar em chamados «investimentos» que não fazem qualquer sentido, não colhendo a desculpa esfarrapada dos fundos europeus: governar é escolher, não fazer como a Alice de Carrol ao responder ao gato que não sabia para onde ir! Como resposta ouviu: Se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve.
Por tudo isto não fico admirado que vários Almirantes antigos Chefes de Estado Maior da Armada e outras individualidades civis tenham assinado uma carta aberta criticando esta decisão governamental, embora possa imaginar que já tenha ido parar ao caixote do lixo do MAI.
A notória falta de visão estratégica do país, só pode dar maus resultados. Espero, sinceramente espero, que, quando a lancha da GNR em alto mar necessitar da ajuda da Marinha de Guerra, porque mais tarde ou mais cedo isso vai acontecer, os portugueses possam ter conhecimento do caso e não seja considerado «segredo de estado» ou qualquer coisa semelhante. Aliás, nesta matéria, o exemplo do que se passou com os helicópteros Kamov está aí para mostrar aos portugueses a capacidade de certos políticos para estoirarem o dinheiro dos seus impostos com compras disparatadas. E que nunca aprendem.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Junho de 2021
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