Tal como penso que sucederá com uma boa parte dos portugueses, tenho sido surpreendido por sucessivas notícias dando conta de uma falta sistemática de trabalhadores nas mais diversas áreas da economia.
Na construção civil, segundo a Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), haverá necessidade de 70 mil trabalhadores situação que, aliada a uma actual falta de matérias-primas, se reflecte negativamente na capacidade de resposta do sector. Como se sabe, trata-se de uma das indústrias tradicionalmente mais relevantes na economia nacional, cujos problemas se fazem reflectir na restante economia, a jusante e a montante. Contudo registe-se que, em simultâneo, o fundo de desemprego regista 32 mil trabalhadores da construção.
O mesmo sucede na indústria do mobiliário, queixando-se a Associação Portuguesa das Indústrias de Mobiliário e Afins (APIMA) de grandes dificuldades em encontrar trabalhadores para áreas especializadas, como marcenaria, tornearia e estofagem, pelo que há empresas de alguma dimensão a recusar encomendas por falta de capacidade de resposta. Há empresas que para conseguirem os novos trabalhadores de que necessitam informam que, em consequência, irão passar a pagar 750 euros aos trabalhadores que ganham o ordenado mínimo actual de 665 euros e que em Janeiro passará para 705 euros. Tal como acontece na indústria do calçado em que, de acordo com a Associação Portuguesa dos Industriais do Calçado, Componentes, Artigos de Pele e Seus Sucedâneos (APICCAPS), as empresas têm de ir à procura de profissionais fora dos concelhos tradicionais onde a oferta de mão-de-obra está esgotada.
O sector do Turismo é dos que mais sofrem com a falta de trabalhadores que, de acordo com a Associação da Hotelaria e Restauração (AHRESP), ascende a mais de 40.000, dos quais cerca de 15.000 nos hotéis, o que é confirmado pela Associação de Hotelaria de Portugal (AHP). Há mesmo unidades hoteleiras fechadas por falta de pessoal, sendo o problema mais agudo no Algarve.
E por aí fora, espalhando-se a falta de trabalhadores por toda a economia, em particular nas áreas tradicionais, não sendo a fileira da moda, com os sectores têxtil e do vestuário uma excepção, antes pelo contrário. Até o ministério das Infra-estruturas se queixa da falta de mão-de-obra qualificada para os projectos como justificação para o atraso do Ferrovia 2020.
Acresce que o Instituto de Emprego e Formação Profissional informa que as ofertas de emprego por preencher se aproximam dos 25.000, quando o número de desempregados inscritos nos Centros de Emprego é superior a 350.000. O país está perante uma evidente disfunção do mercado de trabalho que é simultaneamente sinal e resultado de muitos factores que merecem análise aprofundada e medidas de resposta adequadas.
Entre as causas, são apontados o envelhecimento da população e a falta de imigrantes para compensar a falta de mão-de-obra quer pela saída devida à pandemia, quer por os próprios refugiados que entram se dirigirem rapidamente para a Europa Central, utilizando Portugal apenas como porta de entrada na “Europa rica”. A desadequação da formação profissional é também uma evidência sentida pelas empresas aos mais diversos níveis. O próprio Estado seca a oferta de trabalho ao contratar cerca de 70.000 pessoas em apenas seis anos. Nos últimos anos assistimos também a uma grande onda de emigração.
A razão principal para a situação terá, contudo, a ver com os ordenados pagos aos trabalhadores. A estagnação económica dos últimos vinte anos com um crescimento que só se poderá classificar de miserável em comparação com os países europeus do nosso campeonato, tem tido como consequência uma descida relativa dos ordenados das classes médias. O ordenado mínimo, que é baixíssimo a nível europeu e só nos envergonha aproxima-se paulatinamente do ordenado médio dos portugueses, de que já representa 65%. O país parece ter caído numa armadilha de que é necessário sair com urgência.
Tudo isto concorrerá para o que se passa, mas um amigo meu que se especializou em Medicina na Alemanha no início dos anos setenta tem uma explicação mais simples: finalmente, cinquenta anos depois, está a acontecer em Portugal o que se verificava nos países europeus que acolhiam emigrantes portugueses que iam colmatar as falhas nos empregos que os nacionais já não aceitavam. Isto é, as ofertas de emprego existentes não são, nos dias de hoje, suficientemente atractivas para os portugueses actualmente desempregados, principalmente os jovens que têm outras aspirações. E tendo a dar-lhe razão.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 29 de Novembro de 2021
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