Já são setenta chegadas do Outono as vividas até agora. Curiosamente, é raro encontrar alguém que partilhe comigo o sentimento de satisfação que esta época me transmite. E, com o avançar da idade, esse sentimento é cada vez mais nítido, muito por significar o fim do Verão que sinto mais agressivo.
O Outono chegou ontem, de novo. De facto, no nosso hemisfério o Sol no seu movimento aparente anual ao longo da Eclíptica passou para o Sul do Equador Celeste no que chamamos o equinócio do Outono. É um dos dois momentos ao longo do ano em que a duração do dia é igual à da noite, sabendo-se que em 21 de Junho do próximo ano acontecerá o outro equinócio, nesse caso o da Primavera cuja importância astronómica é tão grande que tem o nome próprio de Ponto Vernal. Curiosamente, a Natureza encarrega-se de trocar as voltas aos adivinhos e outros charlatães que pretendem prever o futuro através das posições dos astros, não sabendo que a precessão dos equinócios ao longo do Equador Celeste coloca os astros onde eles não supõem.
E porque gosto do Outono? Porque a Natureza entra numa época de serenidade e de calma, não apenas pela temperatura mais amena, parecendo que tudo está pacificado. As árvores e muitas outras plantas como as videiras adoptam um colorido diferente, amarelo e avermelhado, antes de descansarem completamente para suportar os rigores do Inverno que aparecerá mais tarde. A festa anual das vindimas acontece agora, quando as uvas acabaram de absorver os calores estivais e estão prontas para se transformar nos vinhos que apreciamos desde tempos imemoriais. Na realidade, acredito que não estarei muito sozinho neste apreciar do Outono, pelo menos em alguns dos seus aspectos.
Nas suas Quatro Estações, que tanto detestei em tempos, para depois apreciar sobremaneira depois de as ouvir no violino de Nigel Kennedy que mas deu a melhor compreender, Vivaldi dedica ao Outono um trecho de suave beleza e encantamento. Bem diferentemente dos dedicados às outras estações que, claro, também têm a sua beleza própria, mas diversa, tal como as que a Natureza nos oferece.
Socialmente, estes dias têm um significado profundo. É o tempo do regresso ao trabalho em força, depois do merecido descanso anual. As cidades são-devolvidas aos seus habitantes e retomam o seu ritmo normal com a saída das multidões de turistas que actualmente as ocupam durante o Verão. E, fundamentalmente, os jovens regressam às escolas sendo um encanto ver como as crianças pequenas enchem o ar de gritos e risadas no seu reencontro com os colegas.
Muitos poetas se sensibilizam com o Outono, não resistindo a citar aquele que tanto nos diz a nós, conimbricenses, que não esquecemos a sua figura austera. Falo de Miguel Torga que em 1966 cantava no seu Diário X:
Tarde pintada
Por não sei que pintor.
Nunca vi tanta cor
Tão colorida!
Se é de morte ou de vida
Não é comigo!
Eu, simplesmente, digo
Que há fantasia
Neste dia,
Que o mundo me parece
Vestido por ciganas adivinhas,
E que gosto de o ver, e me apetece
Ter folhas como as vinhas.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Setembro de 2024
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