O mundo mostrava que não estava
minimamente preparado para a violência do novo tipo de guerra que a Alemanha
nazi estava a começar a levar a toda a Europa. Depois de ocupada a Polónia em
poucos dias e da sujeição da Dinamarca e da Noruega, os exércitos de Hitler
entraram na Holanda e na Bélgica em 10 de Maio de 1940. Nesse mesmo dia Winston
Churchill substituiu Neville Chamberlain à frente do governo britânico enquanto
os alemães avançavam irresistivelmente pelo território dos dois países
invadidos, encontrando fraca resistência à sua infantaria e aos seus panzers.
Rapidamente a situação tornou-se desesperada do lado Aliado, o que levou
Churchill a proferir as suas célebres palavras: “não tenho mais nada para
oferecer além de sangue, suor e lágrimas (blood, sweat and tears). Prometeu
ainda, naqueles momentos iniciais da guerra que eram já uma amostra do que
estava para vir nos anos seguintes: “a minha política vai ser promover a guerra
no mar, na terra e no ar, com toda a nossa energia e com toda a força que Deus
nos der: promover a guerra contra uma tirania monstruosa, nunca ultrapassada no
negro e deplorável catálogo dos crimes humanos”.
Em poucos dias os exércitos
francês e britânico foram obrigados a recuar. A formação militar destes
soldados era deficiente, pouco tendo evoluído desde a I Guerra Mundial,
enquanto os exércitos alemães aliavam uma formação moderna a uma atitude bélica
de uma violência sem limites. Nos arredores de Dunquerque, noventa e sete
soldados ingleses que esgotaram as balas foram feitos prisioneiros de guerra e
fuzilados pelas tropas alemãs que a seguir se certificaram da sua morte com uso
de baionetas, num dos muitos crimes de guerra perpetrados pelas tropas nazis. A
Força Expedicionária britânica recuou até ao mar, ficando a partir de 26 de
Maio cercada em Dunquerque, não restando aos comandos britânicos mais nada do
que tentar a evacuação dos soldados por mar. Começava aí um dos episódios mais
marcantes da II Guerra Mundial, que durou oito longos dias e que permitiu a
evacuação de um total de 338.226 homens das praias da costa norte francesa para
a Inglaterra, naquilo que ficou conhecido como o “milagre de Dunquerque”.
A operação de resgate dos
soldados aliados de Dunquerque teve o nome de Dínamo e revestiu-se de aspectos
inesquecíveis. Por um lado, as tropas que ainda resistiam aos alemães à volta
de Dunquerque foram de uma tenacidade e de um heroísmo total, para permitirem a
continuação das operações de resgate dos seus camaradas. Por outro lado, as
esquadrilhas de aviões ingleses davam tudo por tudo para evitar que a aviação
alemã dizimasse no solo os milhares de soldados a aguardar transporte marítimo
para Inglaterra.
Um total de 222 navios militares
britânicos e franceses participaram no resgate das tropas sitiadas em
Dunquerque, dos quais 10 foram afundados pelos alemães com perda de milhares de
vidas.
Mas a operação Dínamo teve outro
aspecto distinto de qualquer outra operação de resgate militar da História.
Nela participaram 665 embarcações civis que responderam positivamente ao apelo
de ajuda do governo britânico. Navios mercantes, mas também embarcações de
pesca, rebocadores, salva vidas e centenas de pequenas embarcações de recreio
juntaram-se à perigosa tarefa de recolher soldados nas praias de Dunquerque e
de os transportar para a costa inglesa assim salvando, só por eles, cerca de
80.000 homens.
Mal se imagina o cenário dantesco
deste resgate que, apesar de constituir uma derrota dos Aliados perante Hitler,
acabou por ficar na História como a primeira desfeita do exército alemão que
não o conseguiu evitar. Significou ainda uma primeira vitória da aviação
britânica, numa antevisão do que viria a ser a Batalha de Inglaterra, ao abater
mais de trezentos aviões alemães, contra uma perda de cerca de cem, nos céus de
Dunquerque.
As centenas de pequenas embarcações
de recreio, transportando soldados até não caberem mais, tantas vezes pilotadas
por reformados e por velhos pescadores, no meio dos bombardeamentos aéreos e de
artilharia e no mar alto alvo de navios de guerra e de aviões de mergulho
constituem um símbolo poderoso da luta de David contra Golias em que este, mais
uma vez, acaba a perder. E mostra como os povos, constituídos por pessoas
simples sem serem sequer soldados, se podem erguer contra a violência e a
barbárie.
Surgiu agora um filme notável sobre
este resgate de soldados: Dunkirk, do realizador Christopher Nolan. O que se intuía
mas apenas se podia imaginar sobre as dificuldades da operação e sobre o heroísmo
anónimo de tantos surge na tela com um realismo notável, mostrando às gerações actuais
como se faz um filme sobre guerra sem efeitos especiais e barulhentos mas com
pessoas, com todas as suas expressões humanas de medo, de determinação ou
apenas de exercício anónimo do cumprimento do dever, sem hesitações ou estados
de alma.