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sexta-feira, 3 de janeiro de 2020
quarta-feira, 1 de janeiro de 2020
segunda-feira, 30 de dezembro de 2019
DA AVALIAÇÃO POLÍTICA
Quando se aproxima o fim de
períodos de tempo como sejam anos, décadas ou séculos, é quase obrigatório
fazer-se uma avaliação do que sucedeu ou do que foi conseguido. Mas há
avaliações, particularmente de governantes, que só se tornam possíveis de fazer
algum tempo depois da sua saída definitiva do poder. Os critérios para fazer
essa avaliação variam também muito sendo quase sempre impossível encontrar
unanimidades de opinião.
Apesar das diferenças de critérios,
uma pergunta será fácil de responder para avaliar uma governação: o seu país ou
o mundo, ficaram melhores ou piores à saída do poder, relativamente ao seu
início de funções? Ou dito de outra forma, qual foi a herança que deixaram?
Félix Houphouët-Boigny foi o
primeiro presidente da Costa do Marfim, tendo governado o país entre 1960 e 1993.
Foi um presidente moderado, que conseguiu notáveis sucessos económicos para o
seu país. A sua acção internacional, em particular em África, foi reconhecida,
levando a que, em 1989, a UNESCO tivesse criado o Prémio pela Paz Félix
Houphouët-Boigny.
Contudo, a governação de Houphouët-Boigny teve igualmente
aspectos que, no mínimo, se poderão considerar controversos. Transferiu a
capital do país de Abidjan para a sua terra natal, Yamoussoukro, onde construiu
um aeroporto capaz de receber o Concorde e erigiu a maior catedral do mundo,
que custou 300 milhões de dólares. Construiu ainda um grande palácio
presidencial rodeado por um lago artificial onde mandou colocar crocodilos.
Como é natural, depois da sua morte em 1993, a capital voltou a ser Abidjan,
tendo a anterior sido praticamente abandonada. O país regrediu económica e
socialmente de forma acentuada e é, de novo, um dos países mais pobres de
África. Mas houve algo de que toda a gente se esqueceu, os crocodilos do lago
do antigo palácio presidencial, cujo número aumentou de uma forma assustadora,
tendo invadido os cursos de água naturais da região. E é assim que, hoje, as
pessoas não se podem aproximar de rios e ribeiras sob pena de serem atacadas pelos
animais. A herança da governação de Félix Houphouët-Boigny, na terra em que
nasceu, acaba por ser a praga de crocodilos perigosos.
Este pequeno exemplo serve para
mostrar como a governação de alguém que foi no seu tempo tido como um exemplo
foi atravessada por incongruências que, anos depois, acabaram numa herança negativa.
Neste caso, para além de despesas sumptuárias dispensáveis, houve algo que
falhou gravemente na governação: a falta de sustentabilidade do desenvolvimento
económico. A única herança que é sentida actualmente é mesmo o perigo que os
crocodilos representam para a população.
E entre nós? Qual a herança
deixada por cada um dos responsáveis políticos que temos escolhido em eleições?
Desde os diferentes presidentes de Câmara até aos primeiros-ministros e presidentes
da República, quais foram os legados que nos deixaram com as suas governações?
No caso dos presidentes da República as suas eleições são pessoais, pelo que as
responsabilidades das suas actuações também o são, sendo fácil apreciar os
legados políticos de Eanes, Soares, Sampaio, Cavaco e, daqui a uns anos,
Marcelo. Já quanto aos outros governantes, locais e nacionais, foram escolhidos
através dos resultados eleitorais dos partidos que os indicaram para tal.
Por
mais personificadas que sejam as suas actuações, não é possível separá-las dos
respectivos partidos, em função do estabelecido constitucionalmente. Sendo
assim, quais as heranças que Mendes Abreu, Moreira, Mendes Silva, Machado,
Encarnação, Barbosa de Melo deixam para Coimbra e seus munícipes? Tal como
Soares, Sá Carneiro, Balsemão, Cavaco, Guterres, Barroso, Santana, Sócrates,
Passos, Costa nos governos PS e PSD. Será que algum nos deixou crocodilos,
ainda que de forma simbólica? Depois de amanhã entramos num novo ano. Não nos
fará mal, fora de campanhas eleitorais, fazer um pequeno esforço de memória e
tentarmos proceder a uma avaliação do que a acção de todos estes governantes
nos legou, deixando de lado o dia-a-dia e, se possível, as palas partidárias ou
ideológicas que tantas vezes nos enviesam as perspectivas da realidade.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 30 de Dezembro de 2019
quinta-feira, 26 de dezembro de 2019
terça-feira, 24 de dezembro de 2019
Prémio Gandhi de Educação para a Cidadania
E é este o tema: «princípios éticos para o bem-estar animal»
É para rir, ou é para chorar com tamanha parvoíce?
segunda-feira, 23 de dezembro de 2019
AMIZADE
Um dos fenómenos do nosso tempo é
o surgimento de uma nova solidão que vem disfarçada de companhia permanente. As
redes sociais, com as suas propostas de novas «amizades» com convites sempre em
número crescente conseguem dar a impressão de imensa companhia mas, na
realidade, não passam de um écran que, ao desligar, nos devolvem à realidade,
tantas vezes vazia de contacto humano. As redes sociais, seguindo a senda do
«facebook» criaram a figura dos «amigos» para designar as ligações pessoais
através da Internet que passou a ter um significado completamente diferente
daquele que tradicionalmente lhe é atribuído. Como o seu nome indica, o
funcionamento destas estruturas é em rede, pelo que os «amigos» chamam outros,
muitas vezes sugeridos pelos próprios algoritmos que lhes alimentam os motores.
Depois, uma espécie de protocolo não escrito leva a uma série de procedimentos
a seguir, no que respeita a «gosto», ou comentários e respectivas respostas, que
sugere o estabelecimento de relações com aspecto de serem especiais. Quem viveu
antes da existência e difusão destas redes à escala planetária, sabe muito bem
o que são amigos e, eventualmente, manterá alguns das suas listas da internet,
outros serão mantidos fora dessas redes. Contudo, quem tomou consciência de si já
depois do surgimento das redes sociais, isto é, os mais jovens, terá alguma
dificuldade em estabelecer claramente essa diferença, até porque grande parte
da sua vida passa-se na net tendo, por exemplo, abandonado a televisão clássica
e passado a estabelecer contactos pessoais através na internet, com prejuízo
dos contactos directos.
Quando se avança na idade,
percebe-se bem o valor das amizades estabelecidas ao longo da vida, sentindo-se
com maior peso a perda daquelas que se vão indo, mas aprendendo também a
apreciar melhor os momentos que se passam na sua companhia. Percebe-se quão
preciosos foram aqueles tempos aparentemente perdidos em conversas tantas vezes
leves, mas em que mutuamente se abriam as almas em momentos de cumplicidade e
de partilha de sentimentos. Aí nos demos uns aos outros, sem pedir nada em
troca, mas olhando-nos olhos nos olhos e, sem o saber então, construindo em nós
todos os alicerces da participação futura na sociedade.
Tenho, hoje em dia, a noção clara
de que as tentativas históricas de justificar o comportamento humano através de
teorias absolutas estão erradas e passam ao lado da complexidade dos seres que
todos nós somos. As teorias do homem naturalmente bom introduzidas por Rousseau
e que levaram ao iluminismo vieram a desembocar na construção do «homem novo»
do socialismo científico e nas teorias biológicas degeneradas de Lysenko. Pelo
contrário, os defensores da raça pura e da perfeição humana obtida pela luta
das espécies acelerada e artificial forneceram aos teóricos nazis a
justificação para a barbaridade do genocídio do holocausto.
É através de uma perfeita integração nas
diferentes sociedades, em respeito pelos direitos do outro que homens e
mulheres se podem afirmar na sua individualidade e personalidade próprias. Para
isso têm que se conhecer a si mesmos, o que só acontece com um desenvolvimento
de conhecimentos e bases culturais sólidas, mas também com um contacto directo
com outros, necessariamente diferentes. O papel da amizade, mesmo para além da
família, surge naturalmente como tendo uma importância crucial para a obtenção
de uma saudável integração social. Os amigos, não aqueles de construção rápida
que surgem e vão mas aqueles com quem construímos amizade em tempos
despreocupados, são muitas vezes, em determinados momentos da vida, aquele
apoio sem o qual nos seria muito mais difícil sair de situações pessoais de dor
e sofrimento. Tenho para mim que a actual inundação de ansiolíticos e
anti-depressivos na nossa sociedade se deverá, em boa parte, a uma degradação claramente
visível das redes sociais tradicionais que nos serviam de amparo nas
dificuldades. A nossa organização social actual está a desumanizar a sociedade.
Muitas pessoas trabalham a distâncias grandes de casa, correm durante todo o
dia para obterem ordenados medíocres que não lhes trazem satisfação nem
segurança económica e pessoal. A primeira vítima é o relacionamento familiar,
logo depois a possibilidade da satisfação da conversa calma e despreocupada com
amigos. Os raros momentos de relaxe são passados em frente do computador,
promovendo assim o crescimento do isolamento pessoal, enganado agora pelas
redes da Internet que se tornam numa prisão física e intelectual.Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Dezembro de 2019
quarta-feira, 18 de dezembro de 2019
segunda-feira, 16 de dezembro de 2019
INGLESES E EUROPEUS
Os resultados das eleições
britânicas da passada quinta-feira vieram confirmar as tendências das últimas
semanas, com a vitória do partido Conservador liderado por Boris Johnson e a
derrota do partido Trabalhista de Jeremy Corbyn. Se alguma surpresa houve tem a ver com
a dimensão da vitória dos conservadores que obtiveram o seu melhor resultado
desde Margaret Tatcher garantindo uma maioria absoluta confortável de 365
lugares num total de 650, mais 39 do que os necessários para essa maioria. Notória
foi também a pesada derrota dos trabalhistas que perderam 59 lugares, obtendo
apenas 203, o pior resultado do partido desde a Segunda Guerra.
A generalidade dos portugueses
terá ficado surpreendida pelos resultados dado que, durante a campanha a nossa
comunicação social, em geral, apresentava Boris Jonhson como um palhaço e
Jeremy Corbyn como uma pessoa respeitável em quem se podia confiar. Depois de
conhecidos os resultados apareceram as mais desencontradas justificações para
os mesmos, tentando desvalorizar o seu significado intrinsecamente político,
com uma boa dose de hipocrisia. O nosso primeiro-Ministro veio mesmo explicar que
os britânicos manifestaram «cansaço» com o processo do Brexit. Vale a pena
relembrar que a democracia inglesa é a mais antiga e estável da Europa, que
nestas eleições a taxa de participação foi de 67% (comparemos com o que se
passa por cá) e que o Governo agora escolhido o foi para 4 anos, sendo o Brexit
apenas uma das matérias da governação, ainda que muito importante e urgente.
Estas posições têm dois problemas: em primeiro lugar tentam menorizar o
eleitorado britânico que vai a eleições há muito tempo, devendo as suas escolha
democráticas ser respeitadas, ainda que não concordemos com elas; acresce ainda
que há uma grande probabilidade de esses comentários sofrerem um efeito de «boomerang»
político sobre quem os faz imaginando que os portugueses também são tão tontos
que não percebem as verdadeiras motivações que lhes estão subjacentes.
O eleitorado do Reino Unido
rejeitou com muita força o caminho que lhe era proposto por Corbyn, com um
programa político que fazia lembrar o esquerdismo dos anos 60/70 do século
passado, ressuscitando a luta de classes e a intervenção profunda do Estado na
vida económica e social. Este velho marxismo não tem nada a ver com a
social-democracia do Norte da Europa, antes remetendo para a prática de países
que, ao adoptarem esse caminho degradaram as suas economias e se empobreceram
irremediavelmente.
Lembrando aspectos do antigo trabalhismo, mas
radicalizando-os, Corbyn tentou passar por cima da História do seu próprio
país, fazendo por esquecer as razões dos sucessos eleitorais de Margaret
Tatcher e da «Terceira Via» trabalhista que se lhes seguiram. Jeremy Corbyn teve
sinuosas posições quanto à realização de eleições e as suas duvidosas (para
dizer o mínimo) posições anti-semitas também não devem ter ajudado a afirmar
uma posição de sensatez e equilíbrio. A sua vida política terá terminado neste
acto eleitoral, tendo agora o Partido Trabalhista quatro anos pela frente para
reformar toda a sua estratégia política para o país.
Boris Johnson é uma personalidade
complexa. Conseguiu obter os favores do eleitorado e, pelo lado do Parlamento,
tem uma vida facilitada pela frente. O seu maior adversário pode ser ele
próprio e a sua personalidade. Possui uma formação intelectual de grande
densidade, sendo o seu percurso académico prova disso mesmo. Contudo, ao mesmo
tempo cai sistematicamente na tentação de mentir, manipular a realidade e fá-lo
com o ar de quem tira o máximo divertimento pessoal disso.
É, agora, claro que o Brexit será
uma realidade a curto prazo. Os britânicos assim o escolheram, tendo o direito
de o fazer. Só podemos esperar que do lado do seu novo governo haja a
consciência de que o Reino Unido já não é uma potência imperial e que deverá
evitar ser uma marioneta nas mãos de Putin e Trump. Do lado da Europa, que
infelizmente volta a ser continental, façamos votos de que a atitude de tentar
castigar o país que sai seja substituída por uma atitude construtiva que
permita encontrar os melhores laços para um relacionamento mutuamente
proveitoso.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 16 de Dezembro de 2019
domingo, 15 de dezembro de 2019
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