É bem conhecido que existe
historicamente uma diferença entre os salários médios de homens e mulheres para
trabalho igual. Se bem que nos países da União Europeia essa diferença se tenha
vindo a esbater nos últimos anos até níveis bastante reduzidos, persistem áreas
onde essas diferenças subsistem notoriamente e países que ainda resistem à
mudança.
Na última semana as
apresentadoras da estação pública britânica BBC publicitaram uma petição com
base na existência de evidência de que, para o mesmo trabalho, naquela estação
as mulheres são mais mal pagas do que os homens. Esta posição seguiu-se à
publicação, no passado dia 19 de Julho, dos nomes de quem recebe pelo menos
150.000 libras por ano. Algumas profissionais descobriram assim que os seus
vencimentos são claramente inferiores aos de colegas do sexo masculino que fazem
exactamente o mesmo trabalho. Acresce que, naqueles níveis elevados de
ordenados, dois terços são homens quando no total dos quadros da BBC são
metade, o que torna a diferença de salários para os dois géneros muito óbvia.
De acordo com a revista Economist,
citando a consultora Korn Ferry, a diferença média entre ordenados de homens e
mulheres em vários países da Europa como a França, a Alemanha a Suécia e a
Grã-Bretanha é hoje quase nula, genericamente abaixo dos 2,5%. Curiosamente, em
Espanha essa diferença ainda existe, embora já se tenha reduzido para cerca de
5%. Mas mesmo nestes países, há um sector onde existe ainda alguma diferença,
que é nos salários mais altos que corresponde aos escalões de executivos, em
que essa diferença, por exemplo no caso da Alemanha e da Espanha chega a
ultrapassar os 15%. Já na Suécia, as executivas ganham cerca de mais 2,5% do
que os seus colegas homens.
Esta diferença generalizada, com
a excepção da Suécia que está lá para confirmar a regra, reflectirá a
dificuldade já bem conhecida que as mulheres têm normalmente em atingir lugares
de topo nas empresas, onde predominam regras pouco claras e mesmo tendência
para secretismo na definição completa dos pacotes de pagamento.
E em Portugal, que não integrou o
estudo da Korn Ferry, qual é a situação actual?
Como em quase tudo o que se
refere a um melhor conhecimento da realidade do país, uma visita à PORDATA da
Fundação Francisco Manuel dos Santos fornece-nos uma imagem do que se passa
nesta matéria, entre nós.
Assim, a diferença no salário
médio, por mês, entre mulheres e homens que era em 1985 de 22,1% diminuiu para
16,7% em 2015, favorável aos homens. Olhando para a situação de uma forma um
pouco mais desagregada constata-se que, em relação aos quadros médios,
praticamente não houve alteração no mesmo período e que diminuição mais
acentuada se verificou nos profissionais semi-qualificados com a mudança de
18,7% para 10,1%., o que justifica a diminuição média global, em virtude do elevado
número destes profissionais. Não se pode deixar de salientar que, ao contrário
da regra geral, no caso concreto dos quadros superiores a diferença neste
período de 1985 para 2015 em vez de diminuir, aumentou de 19,7 para 26,4!
Sectorialmente, a diferença é também muito acentuada a favor dos homens na
indústria transformadora, no comércio e no sector da electricidade, gás e água.
A excepção reside neste caso no Estado, sendo que na Administração Pública,
Defesa e Segurança Social Obrigatória a diferença é de sensivelmente 10% a favor
das mulheres; claro que, como o Estado tem tabelas de vencimentos sem
discriminação de sexo, aqui a diferença deve-se ao tipo de trabalho e de
formação de homens e mulheres.
Como se pode ver, a diferença de
rendimentos do trabalho entre homens e mulheres em Portugal não tem nada a ver
com outros países da União Europeia. Tirando o caso do Estado, a diferença a
favor dos homens é muito mais acentuada em todos os sectores de actividade do
que nos restantes países, tendo mesmo aumentado ao longo dos últimos anos no
que respeita aos sectores mais bem pagos da economia.
Como é evidente, uma sociedade
não pode ser justa quando uma metade é alvo de uma discriminação tão evidente,
e esta não é definitivamente uma questão que possa residir apenas nas agendas
feministas. Acresce que todos sabemos que entre nós, para além do trabalho
profissional, a mulher tem ainda a seu cargo muitas outras tarefas domésticas
não remuneradas. Esta desigualdade de salários é um sintoma de uma organização
social muito deficiente que está no centro dos maiores problemas da nossa
sociedade que se reflectem, nomeadamente, na nossa reduzida competitividade e
na mais baixa taxa de natalidade da Europa. Não é algo que se resolva com uns
decretos imediatistas, por mais bem intencionados que sejam, como a
obrigatoriedade de quotas para mulheres que desconfio mesmo funcionarem ao
contrário para aquelas que não são abrangidas, mas com reformas profundas na
organização social, política e económica da sociedade.