Quando o Governo espanhol decidiu convocar novas
eleições regionais na Catalunha, na sequência da estranha “declaração” de
independência no parlamento regional catalão de 10 de Outubro logo suspensa
pelos próprios, pareceu-me ser uma saída arriscada para a situação criada que, eventualmente,
mais não faria do que ganhar tempo para se tentar construir uma nova solução.
Isto, porque Mariano Rajoy ficaria refém dos resultados eleitorais de 21 de
Dezembro, sendo bem possível que essas eleições não correspondessem aos desejos
de Madrid.
Foi o que acabou por se verificar. Nestas
eleições regionais votaram 83% dos cinco milhões e meio de eleitores, que
distribuíram os seus votos pelos vários partidos. O mais votado, com 25%, foi o
“Ciudadanos” que obteve 36 lugares, mas à custa de uma queda acentuada do PP,
que apenas elegeu 4 deputados. Como o PS também ficou longe do que esperava,
elegendo 17 deputados e o Podemos obteve 8 lugares, os partidos defensores da
secessão de Espanha obtiveram um total de 70 lugares, o que lhes garante de
novo a maioria no parlamento regional de 135 deputados. Os resultados mostram
ainda que a vontade independentista é mais forte nas zonas interiores da
Catalunha, enquanto perde na faixa litoral de Tarragona e zona metropolitana de
Barcelona. Como o sistema eleitoral favorece os votos do interior, um número de
votos maioritariamente favorável à continuidade espanhola traduziu-se num
número superior de deputados independentistas, o que causa desconforto a ambos
os lados.
Parece evidente que os principais partidos terão
agora que encontrar uma plataforma de entendimento para uma revisão da
Constituição de Espanha de 1978, sendo certo que uma decisão tão séria como uma
secessão de uma região exigirá sempre uma maioria qualificada de votos e não
uma maioria simples.
A questão da Catalunha não é a única manifestação
das forças centrífugas que começaram a fazer-se sentir na Europa. O Brexit
continua a provocar tensões cada vez maiores, à medida que as negociações entre
o Reino Unido e a União Europeia vão revelando as fragilidades da posição dos
ingleses, surgindo cada vez mais vozes a pedir um novo referendo. Um dos
grandes trunfos da economia britânica tem sido, desde há dezenas de anos, o
poder da City, isto é, do centro financeiro de Londres. Essa vantagem está
claramente em vias de se esfumar perante a saída da União Europeia, com a
deslocalização dos gigantes financeiros, de seguros e serviços para as praças
continentais, com Paris e Frankfurt à cabeça. Por outro lado, a instalação de
alfandegas nas fronteiras históricas de Dover/Calais irá traduzir-se num
sobrecusto em tempo, quando não de custos directos, na circulação de veículos
pesados de transportes penalizando fortemente as empresas britânicas. E, tudo
isto, a acrescentar à consciencialização de que os argumentos contra a
imigração e contra a globalização são na realidade falsos e se vão traduzir em menor
eficiência económica, menor estado social e turbulência política que pode levar
a entregar o poder político a Jeremy Corbyn como castigo aos disparates dos
conservadores Cameron e May.
O alargamento da União Europeia a Leste, na
sequência do fim da Guerra Fria, deslocou o seu centro geográfico para a
Alemanha, colocando-a numa posição charneira também a nível político e
económico, mas teve ainda outras consequências. Os países do antigo pacto de
Varsóvia viveram dezenas de anos sob regimes comunistas que só se sustentavam
pela força das armas e de polícias políticas que controlavam os cidadãos de uma
forma brutal. Isso teve consequências sociais e políticas naquelas sociedades
que hoje, depois da estabilização democrática, surgem à superfície de uma forma
cada vez mais evidente.
O novo Primeiro-Ministro checo é Andrej Babis, um
multimilionário com algumas características populistas que defende a saída dos
imigrantes árabes e se manifesta contrário ao aprofundamento da integração
europeia defendida por Macron. Na Hungria, Viktor Orban manifesta uma actuação
política que ameaça a independência do poder judicial e é mesmo acusado de
perseguir opositores políticos. No seu país é, no entanto, bastante popular e é
provável que seja reeleito nas eleições deste ano. Na Polónia, a influência do
líder do partido Lei e Justiça é muito forte, com críticas à política
integracionista de Ângela Merkel e exigências de devolução de poderes
comunitários ao seu país, um pouco à maneira dos brexiters ingleses, atacando a
independência do poder judicial e estando em permanente conflito com as
instituições comunitárias.
As forças centrífugas que podem destruir a Europa
começaram a rodar com força e parece estarem a acelerar, com cada vez mais
governantes populistas a tomarem o poder, por uma razão simples: é que são
populares.