A questão da democracia na União Europeia é algo
que deve estar sempre em cima da mesa. A representação democrática numa União com
quase trinta países, todos eles com as suas identidades e História, para além
das suas próprias instituições democráticas, não é um problema de menor
importância. O seu deficiente funcionamento pode mesmo colocar em causa os
próprios fundamentos da União que, recorde-se, começou por ser económica mas
avançou depois para uma união política com avanços por vezes súbitos e
profundos.
Podemos estar neste momento perante uma dessas
situações, com dirigentes a pretenderem dar passos maiores do que as pernas
permitem e sem que os cidadãos sejam devidamente informados, havendo mesmo uma
cortina de secretismo a tentar tapar o que se passa.
Na última cimeira dos países do sul da Europa realizada em Roma há duas semanas, em
que participaram Malta, Chipre, França, Grécia, Itália, Portugal, Espanha e França,
os representantes desses países assinaram um documento que prevê listas
transnacionais para o Parlamento Europeu. Esta é uma das ideias com que o
Presidente francês Emmanuel Macron pretende o reforço e aprofundamento da
unidade europeia, ou “mais Europa” como ele costuma dizer. Consistiria na
criação de um círculo eleitoral supranacional nas eleições para o Parlamento
Europeu em que as listas seriam transnacionais. Significa isso que para esse
círculo nós portugueses, por exemplo, votaríamos não em listas propostas pelos
partidos portugueses como sucede hoje, mas em listas de partidos europeus que
integrariam os candidatos portugueses. Isto é, em vez de escolher deputados
portugueses para o Parlamento Europeu, votaríamos em conjuntos de deputados oriundos
dos vários países europeus, assim se diluindo a representação nacional no PE e,
em correspondência, a responsabilidade dos deputados perante o eleitorado
nacional.
Como é evidente, os
países pequenos e médios perderiam força perante os maiores como a Alemanha, a
França, Espanha e Itália que dominariam as listas à vontade, como já hoje são
preponderantes na orientação política dos grandes grupos partidários europeus.
Se actualmente é difícil encontrar alguém que consiga dizer quem são os
eurodeputados portugueses, imagine-se como será caso essa ideia vá por diante.
E coloco a questão no futuro e não no condicional, porque já deu para se
perceber que, de uma forma ou de outra, há quem esteja muito interessado em que
tal aconteça. Claro que, para alguns partidos, até daria jeito que os seus
candidatos fossem à boleia dos poderes europeus, mas de vantagens de secretaria
para os partidos políticos penso que a maioria dos cidadãos gostará pouco.
Dizem os defensores
desta ideia que assim se obteria uma visão mais global dos problemas europeus
em detrimento das visões nacionalistas e tantas vezes paroquiais de cada um dos
países individualmente. Como é evidente, as consequências seriam exactamente as
opostas, acentuando o afastamento já hoje existente entre as populações e os
seus representantes no Parlamento Europeu que deixariam de os representar em
favor dos directórios europeus das forças políticas em que se inserissem.
Seriam criadas condições para reacções de rejeição da União através do
surgimento de novos extremismos nacionalistas e agravamento dos já existentes,
numa altura em que o Brexit já está em andamento e se notam sinais
perturbadores em países do antigo bloco de Leste, mas também na Áustria,
podendo mesmo alastrar-se a Itália nas próximas eleições.
Percebe-se bem que Emmanuel Macron tenha feito esta
proposta, que vai objectivamente ao encontro dos interesses da França. Já não
se percebe que o grupo dos outros países do Sul da Europa tenha ido na cantiga
tão facilmente. E ainda menos que o nosso representante na cimeira, o
Primeiro-Ministro António Costa tenha assinado o documento sem ter havido
qualquer discussão pública ou explicação prévia ao país sobre o seu
significado, tendo-se ainda por cima manifestado publicamente como contrário às
listas transnacionais ao regressar a Portugal. Diferença de posições fora de
Portugal para europeus verem e dentro do país para os portugueses? De um
Primeiro-Ministro deve exigir-se mais coerência.
Uma política de aproximação da Europa aos cidadãos
não se fará nunca nas suas costas e tentando sub-repticiamente sobrepor camadas
políticas da União às soberanias nacionais. É por isso que, nós cidadãos, nos
devemos opor a estas decisões tomadas à revelia dos povos exigindo, neste caso,
que a posição portuguesa seja tomada na sede própria, isto é, na Assembleia da
República e não apenas pelo Governo, seja o actual ou outro qualquer no futuro.