segunda-feira, 6 de julho de 2020

DESCONFINAR COIMBRA


O INE publicou as suas previsões para população dos municípios do país, para 2019. Para Coimbra o valor apontado é de 133.945, o que significa uma redução de 5,09% relativamente a 2011. Coimbra não está sozinha neste movimento de diminuição populacional, antes pelo contrário, acompanha 86% dos concelhos do país nessa descida. As excepções verificam-se essencialmente em concelhos das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, em Aveiro e mais um ou outro concelho mais próximo de Lisboa, embora não integrado na sua área metropolitana. Já no que respeita à colecta de IRS, Coimbra aparece em sétimo lugar depois de Lisboa, Porto, Cascais, Sintra, Oeiras e Gaia mas com Almada e Matosinhos já muito próximos. Não podemos deixar de verificar que, em termos de IRS per-capita, Coimbra surge ainda na quarta posição após Lisboa, muito destacada do resto do país e do Porto, Oeiras e Cascais. Em termos populacionais, Coimbra surge em décimo sétimo lugar, sendo que, na região Centro, Leiria se aproxima em termos populacionais.
Quando se observam estatísticas e dentro delas os resultados da nossa cidade, temos que ser criteriosos e distantes de clubites partidárias ou ideológicas, porque estamos todos no mesmo barco, como se costuma dizer. A evolução processa-se normalmente com alguma lentidão, mas é claramente perceptível ao longo de algumas dezenas de anos. E a realidade é indesmentível: Coimbra há muito tempo que deixou de ser a terceira cidade do país como até aos anos setenta do século passado se costumava apresentar e, em muitos critérios nacionais, surge cada vez mais abaixo na classificação das cidades portuguesas. Nada que quem tem filhos não verifique directamente: muitos jovens com formação superior não encontram trabalho compatível em Coimbra e são chamados para viver em Lisboa ou têm mesmo que emigrar. Sei exactamente o que é esta constatação, porque é essa a situação dos meus filhos que dificilmente algum dia voltarão para Coimbra e os netos só conhecerão a cidade como curiosidade turístico/familiar.
Perante a situação que a realidade nos transmite, em vez das fantasias e mitos que ainda por aí andam, duas posições se nos colocam como cidadãos.
Uma delas, a mais fácil e devo dizer que já foi adoptada por muita gente de grande qualidade e capacidade de intervenção é a de desistir da cidade, encolher os ombros e dizer que os conimbricenses (ou coimbrinhas como depreciativamente costumam dizer) têm o que merecem e o futuro de Coimbra é um lento e irreversível definhar, restando aproveitar do muito de bom que ainda tem.

A outra será tentar apontar caminhos, soluções para inverter o caminho das últimas décadas. Na realidade, Coimbra está na situação muito característica de cidades que se deixam afundar perante o crescimento de metrópoles relativamente próximas e que perdem a sua afirmação económica para essas realidades maiores sempre em crescimento.
A sua localização privilegiada perto da costa e entre as duas grandes áreas metropolitanas não foi, no entanto, acompanhada pelo estabelecimento de boas ligações viárias com o interior, o que a isola das cidades beirãs do interior. As boas ligações rodo e ferroviárias por que Coimbra é servida devem-se apenas a se encontrar no caminho entre Lisboa e Porto.
Para recuperar da estagnação que tem vivido, Coimbra tem que se reinventar estrategicamente do ponto de vista económico. Necessita de economia produtiva, para além do Turismo e dos excelentes serviços de que dispõe. O cluster de indústria alimentar e de bebidas que se constituiu há cerca de cem anos desapareceu e tem que ser substituído por outro. Só assim se encontrará massa crítica industrial que promova emprego especializado e criação de riqueza.
Para isso é necessária e urgente a existência de uma agência que coordene todos os parques industriais do município de forma a oferecer e manter terrenos de qualidade e competitivos para alojar empresas produtivas. E ainda uma outra agência, esta de desenvolvimento, que se dedique a procurar activamente, em Portugal e no estrangeiro, empresas que se possam localizar em Coimbra, dentro de uma estratégia de desenvolvimento de cluster.
Tudo isto com uma colaboração activa e profunda entre o Município e a Universidade e Politécnico, sem o que não se gerarão sinergias capazes de atrair e desenvolver novos núcleos produtivos tecnológicos que se afirmem no contexto internacional.
Como é evidente não se trata aqui de inventar, mas de aplicar soluções que já provaram em muitas cidades-farol que, por um motivo ou por outro, conheceram dias maus de estagnação e souberam reinventar-se encontrando um novo papel de relevo na economia dos seus países e mesmo internacional, desenvolvendo sustentadamente emprego de qualidade

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 6 de Julho de 2020

quarta-feira, 1 de julho de 2020

A Europa do Norte não é solidária? Uma perspetiva holandesa

Artigo de Ramon O’Callaghan, "dean" da Business Scool do Porto, mo Negócios de 1 Julho 2020, a ler com muita atenção para entender melhor o que se passa na União Europeia:

« No Financial Times de 16 de junho, Mark Rutte, o primeiro-ministro holandês e os líderes da Áustria, Dinamarca e Suécia publicaram um artigo apelando para um “nível realista de despesas” e para que todo este dinheiro seja um empréstimo, não uma doação.

A chanceler alemã e o Presidente francês querem dar 500 mil milhões de euros aos países da UE mais afetados economicamente pelo “lockdown” da covid-19, especialmente os do Sul da Europa. Pretende-se que este fundo constitua uma doação incondicional. Com ele, a Alemanha está “a atravessar o Rubicão”. Pela primeira vez, está disposta a transferir dinheiro para o Sul da Europa. Embora a maioria dos Estados-membros da UE pareça apoiar a proposta, os chamados “Quatro Frugais” (Áustria, Dinamarca, Holanda e Suécia) estão contra.

Um artigo recente na revista holandesa Elsevier argumenta que esta proposta é perversa, pois os países do Sul da Europa (particularmente França e Itália) não são, de modo algum, pobres e têm acesso a dinheiro. De acordo com o Credit Suisse Global Wealth Report (a referência no que toca à avaliação de riqueza doméstica global), os alemães são menos ricos do que os franceses e os italianos. A riqueza média dos franceses é de 276.121 euros, e a dos italianos é de 234.139 euros. Mas para os alemães é de 216.654 euros. Assim, os alemães são, em média, mais pobres do que os franceses e os italianos. Os holandeses são um pouco mais ricos (279. 077 euros).

De acordo com a mesma revista, o que os holandeses acham mais estranho é a acusação do Presidente francês, Emmanuel Macron, e do primeiro-ministro italiano, Guiseppe Conte, de que a Europa do Norte não é solidária. Isto é um disparate. A Alemanha sempre foi um contribuinte líquido para a União Europeia e para os seus antecessores. E a Holanda é, per capita, o maior contribuinte líquido para o orçamento da UE.

A somar a isto, afirmam, o dinheiro está a ser transferido dos aforradores para os devedores. O Banco Central Europeu mantém as taxas de juro baixas e imprime dinheiro a uma escala sem precedentes, o que prejudica os aforradores e favorece os devedores. Na Alemanha e nos Países Baixos, por exemplo, a maioria dos empregados tem pensões privadas. Estas pensões estão a perder valor. Enquanto as pensões e poupanças do Norte da Europa estão a sofrer, os devedores estão a beneficiar, especialmente os países do Sul com uma elevada dívida nacional.

Assim, os holandeses argumentam que é a solidariedade do Sul que está a falhar. Os acordos da UE no Pacto de Crescimento e Estabilidade têm sido sistematicamente violados pelo Sul. Desde a introdução do euro em 1999, França e Itália nunca cumpriram. A dívida italiana aumentou de 113% para 137% do PIB. Deveria ter caído para 60%. E França, que tinha uma dívida nacional de cerca de 60% quando o euro foi introduzido, tem agora uma dívida de 100%. Como guardiã das regras, a Comissão Europeia deveria ter distribuído multas, mas nunca o fez sob pressão de França e de Itália. Em contraste, as dívidas nacionais da Alemanha, dos Países Baixos e dos países escandinavos sempre foram cerca de 60% ou menos (exceto temporariamente, durante a crise financeira de 2008).

Os norte-europeus pagam mais contribuições para as pensões e os impostos, e gozam de menos anos de reforma. Durante a sua vida, os holandeses trabalham em média 41 anos, os suecos 42,9 anos, os alemães 39,1, os dinamarqueses, 40 anos, relata o Eurostat. Em França, a média é de 35,4 anos, e em Itália 32. Os holandeses trabalham em média 39 horas por semana, enquanto os franceses trabalham a mais curta em toda a Europa: apenas 35 horas. Assim, a produtividade laboral dos holandeses e alemães é 25% mais elevada do que em Itália. Em suma, os europeus do Norte trabalham com mais frequência e mais anos.

O IMD acaba de publicar os resultados do Ranking Mundial de Competitividade 2020. O ranking baseia-se em muitos fatores, incluindo a produtividade, e é realizado em colaboração com institutos parceiros em diferentes países. Em Portugal, a parceira é a Porto Business School. Neste ranking global, “os Quatro Frugais” ocupam as posições cimeiras: Dinamarca - 2.º posição, seguida de Holanda (4.º), Suécia (6.º), e Áustria (16.º). A estes seguem-se a Alemanha (17.º lugar), França (32.º), Espanha (36.º), Portugal (37.º), e Itália (44.º). Não é pois, surpreendente que os “Quatro Frugais” sejam contra a atribuição deste dinheiro as europeus do Sul, que são menos produtivos e se reformam mais cedo.

No Financial Times de 16 de junho, Mark Rutte, o primeiro-ministro holandês e os líderes da Áustria, Dinamarca e Suécia publicaram um artigo apelando para um “nível realista de despesas” e para que todo este dinheiro seja um empréstimo, não uma doação, dizendo o seguinte:

“Como pode ser responsável gastar 500 mil milhões de euros de dinheiro, de repente, e enviar a conta para o futuro? Parte da recente proposta da Comissão Europeia baseia-se em encontrar novas formas de financiamento. Mas não existe dinheiro novo ou fresco. (...) quando pedimos dinheiro emprestado, em conjunto, na UE, a forma correta de utilizar esse dinheiro é convertê-lo em empréstimos para aqueles que realmente precisam deles, nas melhores condições possíveis”.

Os “quatro frugais” não se veem como mesquinhos, preferem antes ser vistos como os “quatro sensatos”. Compreendem que os trabalhadores da Volvo na Suécia e da Philips nos Países Baixos dependem do desenvolvimento económico no Sul. Quanto mais fortes forem as economias italiana e espanhola, melhor para a Dinamarca, Áustria, Suécia e Holanda. E vice-versa. Apoiam a criação de um fundo de recuperação de emergência limitado no tempo para atingir aqueles que foram mais duramente atingidos pela crise da covid-19. Mas já disseram “não” ao plano Merkel-Macron e fizeram uma contraproposta: empréstimos para os próximos dois anos com o compromisso de reformas fortes e a garantia de proteção contra a fraude.

Em última análise, na perspetiva destes países, os problemas dos países do Sul da Europa deveriam ser resolvidos pelos próprios, aumentando a idade da reforma, tornando o mercado de trabalho mais flexível, simplificando a criação de empresas, melhorando a competitividade. Os cidadãos e os políticos do Sul não devem amaldiçoar os do Norte porque se recusam a “dar dinheiro”. Os empréstimos podem ser utilizados para investimentos orientados para necessidades reais e acompanhados por reformas que podem ajudar a relançar a economia e torná-la mais forte e mais resistente para o futuro. Abraçar a transformação verde e digital será também essencial para avançar depois do coronavírus, para fomentar o crescimento e a criação de emprego e para permitir o reembolso de empréstimos, em linha com princípios económicos sólidos.»

Malomil: Li Zhensheng (1940-2020), o fotógrafo da Revolução...





segunda-feira, 29 de junho de 2020

A ESTÁTUA DE VOLTAIRE


Na altura dos ataques terroristas ao “Charlie Hebdo”, em Paris, escrevi nesta página o seguinte: «No Panteão de Paris repousam os restos mortais de Voltaire, o grande iluminista e lutador pela Liberdade que introduziu em França a tolerância religiosa e a liberdade de imprensa. Dele foi dito que a melhor maneira de definir o seu espírito seria: "Posso não concordar com nenhuma palavra do que você disse, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo".
Não passaram muitos anos até a barbárie surgir de novo nas ruas de Paris, agora por outros motivos, mas com a mesma parede de fundo: a incapacidade de perceber a História, o desrespeito pela Liberdade e o atavismo da intolerância. No fundo, o ódio à Cultura que espreita sempre por trás dos extremismos. Se mais não fosse preciso, a profanação da estátua de Voltaire, em frente ao Louvre do outro lado do Sena, mostra até que ponto as manifestações ditas anti-racistas que grassam pelo Ocidente são atravessadas por desconhecimento da História e visam reescrever a História sujeitando factos do passado à visão de hoje.
A origem dos actuais movimentos de manifestantes teve início no homicídio nos EUA de um homem de cor preta, levado a cabo por um polícia e visto por todos na televisão perante a passividade de outros polícias que nada fizeram para impedir a morte daquele homem. Nada mais justo do que promover manifestações de protesto contra este facto que, infelizmente, é apenas mais uma morte levada a cabo em acções policiais naquele país, uma de entre dezenas de milhares que sucedem todos os anos, independentemente da cor da pele das pessoas.
A partir daí surgiram manifestações anti-racistas por todos os EUA, que rapidamente se transformaram num movimento contra as estátuas de personalidades homenageadas por este ou aquele motivo. A razão imediata apresentada tem a ver com ligações ao antigo colonialismo ou a escravatura, surgindo os designados “afro-americanos” como vítimas actuais do que se passou há séculos. Quando vejo isto na televisão não posso deixar de me recordar que todos os que se manifestam são descendentes de pessoas que, de uma maneira ou de outra, foram viver para a América. Porque americanos a sério só conheço os índios, que lá viviam antes de os europeus terem começado a emigrar para o continente americano e se terem dedicado a praticamente dizimar quem lá vivia antes. Todos os americanos, excepto os poucos índios sobreviventes, são descendentes de emigrados na América sejam europeus, asiáticos ou africanos, não havendo euro-americanos, asiático-americanos ou afro-americanos.
O movimento passou depois para a Europa onde as manifestações anti-racistas foram claramente manipuladas politicamente, como foi visível em Portugal. E, claro, perante a actual ignorância histórica generalizada, até a estátua do Padre António Vieira em Lisboa foi vítima de vandalização.
Penso estar correcto ao pensar que é raro haver hoje no Ocidente quem ainda defenda a escravatura ou mesmo o racismo, sendo que mesmo este termo, presente até na nossa Constituição, está desactualizado porque, de acordo com a ciência, a espécie humana não tem raças. Quanto à escravatura constitui uma nódoa antiga na História da Humanidade mas é preciso dizer que foi no Ocidente que primeiro foi extinta, subsistindo ainda vergonhosamente noutras zonas como África e Ásia.

Assistimos hoje à substituição de ideologias que provaram historicamente dar mau resultado por um conjunto de ideias sociais atraentes para muita juventude por colocarem em causa uma sociedade que vêem estar cheia de injustiças. Não se trata de uma ideologia, mas de uma anti-ideologia, porque não propõe objectivos nem caminhos para os atingir, assumindo apenas críticas fortes ao existente, mas não só, também ao que se passou na História. Em vez de se assumir tudo o que se passou de bom ou de mau como fazendo parte do passado de que se tiram lições, parece surgir a necessidade de fazer alguém pagar, hoje, pelo que eventuais antepassados praticaram.
Precisamente por não se tratar de uma ideologia, é muito difícil contrapor sem se cair no erro de defender um passado indefensável aos olhos actuais, nem de tratar a situação como mero caso de polícia. A falta de Cultura e inerente falta de respeito por um passado comum é consequência de falta de políticas culturais e, acima de tudo educacionais, que forneçam aos cidadãos ferramentas intelectuais que lhes permitam compreender o mundo e perceber onde estão as verdadeiras injustiças actuais para verdadeiramente as combater.
 
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 29 de Junho de 2020

segunda-feira, 22 de junho de 2020

O país dos Ronaldos

Não bastava a utilização da narrativa do suposto «Ronaldo das Finanças», os portugueses têm ainda que suportar uma tese de perseguição pessoal a Centeno.

Quando Portugal venceu o campeonato da Europa de futebol, feito inédito para o nosso desporto, Mário Centeno resolveu surgir na reunião dos ministros da Europa adornado com um cachecol da selecção nacional. Motivo para o ministro das Finanças alemão Wolfgang Schäuble fazer uma graça comentando que Centeno era o Ronaldo das finanças. Tanto bastou para que a propaganda governamental assim começasse a tratar o agora ex-ministro, tendo a expressão passado para os jornais com extrema facilidade, elevando as capacidades de Mário Centeno aos píncaros de melhor do mundo, que é o que Cristiano Ronaldo é como jogador de futebol.

Todos devemos estar recordados de, em finais de 2015 e na sequência da formação do Governo PS sustentado pelo BE e pelo PCP, ter sido apresentado um Orçamento de Estado elaborado de acordo com os princípios do plano económico eleitoral que Centeno tinha coordenado. Enviado para Bruxelas, o projecto foi devolvido à procedência, tendo sido completamente alterado de acordo com os ditames europeus. A partir daí, em todos os seus orçamentos posteriores, o princípio adoptado foi o de baixar o défice de acordo com as regras europeias. Evidentemente, como isso seria conseguido já não era um problema de Bruxelas.

Foi assim que os sucessivos orçamentos de Centeno foram sendo aprovados pela Esquerda no Parlamento com a justificação de esquecerem a austeridade anterior e promoverem o investimento público. E todos os anos esses mesmos parceiros de esquerda iam fingindo não ver que a execução orçamental “esquecia” o tal investimento público previsto alterando completamente o equilíbrio proposto e aprovado na Assembleia da República. Tal como as famosas “cativações” que, em vez de instrumento de controlo da despesa, passaram a ser processo de evitar orçamentos rectificativos. Ou a dimensão da carga fiscal, a maior da democracia, obtida essencialmente com impostos indirectos, os socialmente mais injustos. Como estamos em Coimbra, cidade em que a Saúde constitui uma área fundamental, o exemplo dos investimentos no CHUC ao longo dos anos Centeno nas Finanças é paradigmático: nos anos de chumbo da «troica» o investimento variou de 1.265.764€ a 2.905.956€. Mas em 2015 já foi de 9.973.975€, descendo para o nível dos 4 milhões em 2016, 2017 e 2018, só recuperando para o patamar dos 9 milhões em 2019, ainda assim abaixo de 2015.

Terminado o seu «ciclo» privado, Centeno entendeu ser chegada a hora de ir para Governador do Banco de Portugal. Ciclo privado, porque a nível nacional não terminou ciclo nenhum antes pelo contrário, já que as eleições legislativas ocorreram há nove meses e o país atravessa agora um período de crise económica e social gravíssima decorrente da pandemia COVID-19. Ainda assim, o Dr. Mário Centeno entendeu pôr-se a andar e entregar a pasta num momento dificílimo para as finanças do país, quando o próprio Banco de Portugal prevê uma queda de 9,5% do PIB, enquanto o Orçamento rectificativo da sua autoria se baseia numa queda de 6,9%. A passagem de um ministro das Finanças directamente para Governador de um banco central é, nos dias de hoje de um país da União Europeia perfeitamente incompreensível e inaceitável. A desculpa do sucedido no passado não colhe porque até 1994 o Banco de Portugal funcionava sob a tutela do Ministério das Finanças, devendo aplicar a política monetária governamental. Contudo, desde a criação da União Económica e Monetária, os bancos centrais passaram a ter funções essencialmente regulatórias, daí decorrendo que devem ser independentes dos governos.

A passagem directa do Dr. Centeno para o Banco de Portugal significaria que iria tratar de forma supostamente independente daquilo que foram as suas próprias acções como ministro das Finanças, por exemplo a venda do Novo Banco, a resolução do BANIF, as transferências para a CGD e os créditos fiscais do Montepio, para citar só algumas.

Agora tentam vender-nos a ideia da crítica a esta passagem como sendo perseguição pessoal. O que aos portugueses parece é que o Dr. Centeno governou como quis em tempos de vacas gordas indo-se embora assim que chegou o outro tempo. Ao contrário de outros que atravessaram o sacrifício dos tempos difíceis até trazerem os bons tempos de que ele beneficiou. E, em política, o que parece, é.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 22 de Junho de 2020

segunda-feira, 15 de junho de 2020

OS BIOMBOS DOS EXTREMISTAS


Para não ir mais longe, a Revolução Francesa aconteceu pela revolta popular contra as miseráveis condições de vida da generalidade do povo no “ancient regime”. Os grandes orientadores da revolução chamavam-se Danton, Marat e Robespierre como aprendemos na História do Liceu. Tal como aprendemos que os excessos da revolução vieram a desembocar no Terror e em Napoleão que a si próprio se coroou Imperador, contra todos os princípios e objectivos da Revolução republicana. E também aprendemos que o rei Luiz XVI, símbolo do absolutismo, tal como a sua mulher Antonieta foram decapitados durante o processo revolucionário através de uma máquina inventada por um médico, cujo objectivo era proporcionar uma morte rápida e, eventualmente, sem sofrimento, embora ninguém pudesse confirmar esse aspecto. Mas os próprios Danton e Robespierre foram cilindrados pela revolução que iniciaram e acabaram com a cabeça cortada pela guilhotina, acusados de contra-revolucionários. Já Marat também não sobreviveu à revolução devido a uma rapariga chamada Charlotte Corday que o apunhalou enquanto tomava banho. Marat chamava “inimigos do povo” aos que achava que deviam fazer parte dos milhares que foram vítimas da máquina do Dr. Guillotin durante os anos quentes da revolução. O povo parisiense foi levado a acções bárbaras em nome de uma causa justa, sintetizada em Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Mas não foi este o único caso da História.
Em 1917, um punhado de ideólogos comunistas russos levou o povo a acompanhá-los numa revolução de uma violência extrema em nome da Igualdade e da Justiça Social que seriam o corolário da sua acção. Claro que, para atingir esses bons objectivos, seria necessário eliminar os “inimigos do povo”, recuperando o termo inventado cem anos antes por Marat. O regime de repressão que se lhe seguiu durou mais de setenta anos, terminando apenas em 1989. Também neste caso o povo, sob o apelo de causas justas, seguiu líderes que apenas queriam substituir um regime absolutista pelo deles próprios. E também neste caso muitos dos principais defensores da revolta foram cilindrados pelo processo, começando simbolicamente pelos marinheiros de Kronstadt.
Não se consegue compreender a adesão do povo alemão às ideias de um Hitler no início dos anos trinta do século passado, sem que se perceba que, de alguma forma, ele apelava à injustiça do sofrimento decorrente das cláusulas dos tratados de Versalhes. A coberto desse apelo, os nazis implantaram o mais bárbaro dos regimes políticos. Também eles não passaram sem liquidar em primeiro lugar os seus que lhes poderiam fazer frente, na “noite das facas longas”. Depois de ter acreditado na bondade de Hitler o povo alemão veio a ser vítima das escolhas do seu líder, acabando numa derrota com sofrimentos inomináveis após levar todo o mundo à guerra mais mortífera de sempre.
As preocupações com justiça e igualdade serviram ao longo da História, e continuam a servir, como biombo para fazer passar ideologias que não têm nada a ver com elas sendo os seus defensores capazes das maiores manipulações para levar os seus objectivos avante, usando os sentimentos precisamente daqueles que mais têm fome de justiça, começando pelos jovens e os que, de uma forma de outra, são objecto de discriminação.
O racismo é uma das maiores e mais vergonhosas injustiças que a humanidade alguma vez inventou. Nasce da sensação de que se é superior só por se ter a pele de uma determinada cor. A ciência da genética ensina-nos hoje que na Humanidade não há raças, isto é, à injustiça da discriminação o racismo soma a ignorância, pelo que a luta contra o racismo é, sem dúvida, uma luta justa.
O nosso tempo histórico é precisamente aquele em que o racismo é mais condenado com expressão nas legislações nacionais dos mais diversos países e também nos convénios internacionais como a Declaração dos Direitos Humanos. Pode perguntar-se: ainda há muito a fazer? Há, muitos de nós têm ainda um caminho pessoal a percorrer para abandonar definitivamente os complexos de origem racista.
Outra coisa são as manifestações que se têm visto, com interesses políticos a levar pessoas a escrever barbaridades e ter comportamentos lamentáveis a todos os títulos. Por mais que depois se demarquem, só quem não quer é que não percebe o interesse em extremar artificialmente as situações, fazendo ao mesmo tempo passar a sua mensagem política extremista. Mais uma vez pessoas sinceramente revoltadas com injustiça são descaradamente manipuladas por quem está apenas interessado na sua agenda ideológica, como tantas vezes tem acontecido na História.

Publicado originalmente no Diário de  Coimbra na edição de 15 de Junho de 2020

sexta-feira, 12 de junho de 2020

ATACAR A CULTURA



Há quase noventa anos os nazis queimavam livros. Hoje, depois de tentar impor uma novilíngua,  censuram-se filmes, vandalizam-se estátuas, etc. Os livros virão a seguir. Há que reagir contra a  ignorância e intolerância.

terça-feira, 9 de junho de 2020