segunda-feira, 14 de setembro de 2020

UM PAÍS QUE NÃO É PARA IDOSOS

 


Para choque de muita gente, a pandemia Covid 19 veio destapar uma realidade que se encontrava bem escondida ou, talvez, deliberadamente esquecida pela maioria das pessoas. De repente parece que os portugueses acordaram para as condições em que vivem grande parte dos seus mais velhos. Os chamados «lares da terceira idade», designação as mais das vezes eufemística para designar verdadeiros depósitos de velhos vieram a mostrar-se como altamente permeáveis ao vírus SARS-CoV-2, havendo actualmente mais de 30 desses lares com surtos activos e tendo, em consequência, morrido até hoje mais 720 pessoas.

O sucedido no Lar da Misericórdia em Reguengos de Monsaraz não pode ser esquecido e muito menos calado, mas apenas como exemplo do que se passa pelo país e que necessita urgentemente de ser objecto de atenção e de actuação dos responsáveis pela Segurança Social. Descobriu-se com espanto geral e infelizmente também com notória fuga às responsabilidades por quem devia ter outra atitude, que muitos dos idosos que morreram no surto verificado naquele lar terão sido vítimas de falta de cuidados sanitários e médicos e não directamente da acção do vírus. Mas é muito provável que o que aconteceu naquele lar se tenha verificado um pouco por todo o país, embora só ali tenha saltado para a comunicação social, pelas razões conhecidas.

Todos sabemos do progressivo e rápido envelhecimento da população portuguesa e das consequências que tal facto vai trazer ao sistema da segurança social, se o sistema vigente não for radicalmente alterado. Acresce que as actuais soluções de apoio a lares sociais não são, do ponto de vista puramente humano, aceitáveis e ainda menos desejáveis. Isto falando dos lares legais porque, pelo que vamos vendo, o número de instalações ilegais, sem qualquer controlo nem fiscalização, é enorme.

Os idosos são colocados nos lares, perdendo grande parte da sua vontade própria, sendo sujeitos a rotinas que os reduzem a utentes comandados e sem espaços ou actividades pessoais. Todos já constatámos como os utentes dos lares dispõem generalizadamente de quartos para duas pessoas, com camas próprias mas sem secretárias nem sofás onde possam desenvolver trabalhos ou ler na intimidade. Os dias são passados colectivamente, a ver televisão em conjunto havendo apenas, quando as há, uma ou outra saída igualmente colectiva. Por razões de facilidade e economia de gestão, os utentes são mesmo impedidos de ir ao seu próprio quarto durante o dia. Nestas condições, ainda que entrem nas instituições com algumas capacidades pessoais, os idosos rapidamente se transformam em velhos que apenas aguardam pela chegada da hora inevitável. As excepções a esta regra são raras, de louvar, mas são isso mesmo: excepções

Muitas das instituições que gerem lares de terceira idade pertencem à chamada economia social e prestam um papel essencial que o Estado vai apoiando com um suporte financeiro insuficiente. Também nesta área social, talvez dizendo melhor, principalmente nesta área, a pobreza infiltra-se insidiosamente por todos os interstícios do sistema. As instituições que recebem utentes apoiados pela Segurança Social sabem bem que a contrapartida que recebem do Estado é insuficiente para cobrir os custos, pelo que têm de ir buscar a outras origens o necessário para que aqueles utentes sejam tratados de uma forma pelo menos digna.

A pandemia mostrou esta realidade e seria bom que a sociedade, como um todo, aproveitasse para alterar o paradigma dos idosos em Portugal, indo observar o que se faz em muitos países europeus, já que tem de ser esse o nosso actual termo de comparação. O Estado, através da Segurança Social, e as inúmeras entidades que intervêm nesta área devem encontrar alternativas ao actual estado de coisas, de forma clara e pensando fundamentalmente na dignidade dos utentes das instituições.

Tornou-se vulgar, quando se fala do número de mortos com ou pelo vírus, acrescentar: ah, mas tinham oitenta e tal ou noventa e tal anos, como se essa idade fosse um anátema e não um prémio pela vida que se levou, contribuindo para se obter tudo aquilo de que os jovens de hoje, que serão os idosos de amanhã, usufruem. Os idosos têm, pela própria evolução da vida, maiores fragilidades, exigindo por isso mesmo mais cuidados e não abandono criminoso. A idade não é algo que se deva esconder e a dignidade humana deve existir até ao momento final. O exemplo dado pelo Papa João Paulo II que, em vez de esconder a degradação da sua condição física, a assumiu publicamente contrasta de forma absoluta com a atitude de Hemingway que, perante a falta de pulsão sexual resolveu o problema indo buscar a caçadeira ao armário e acabando com a vida. Mas, se virmos bem, em ambos os casos tratou-se de assumir o seu destino, ao contrário da tristeza degradante dos lares de 3ª idade portugueses.
 
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 14 de Setembro de 2020

Nos cornos da covid: DO VERÃO DO NOSSO DESCONTENTAMENTO

 Convém irmos vendo o que acontece na realidade. Ninguém pergunta por isto ao Ministério da saúde? Porquê?



Nos cornos da covid: DO VERÃO DO NOSSO DESCONTENTAMENTO: Para vossa reflexão, eis uma análise sobre o morticínio de Verão, a verdadeira "pandemia". A covid, ao pé do que anda a acontecer,...

A vigarice é barata

Soube-se hoje que uma deputada por Castelo Branco acordou com o Tribunal pagar mil euros em troca de ser arquivado um processo por falsificação de documentos.

Portanto o Procurador da República propôs, o Juiz aceitou e a sra. deputada lá se vê livre do processo, que não da vergonha, porque isso pressupõe aceitar que é culpada. Bem, isso era se tivesse vergonha. Nisto andaram todos mal, quanto a mim.

Depois queixem-se de que os portugueses não confiam na Justiça e acreditam que os políticos são todos uns malandros.

Isto numa altura em que o Primeiro- Ministro mostra publicamente ter confiança num indivíduo dirigente do futebol que está a contas com a Justiça por centenas de milhões, enquanto dizia que «à política  o que é da política e à justiça o que é da justiça» quanto ao seu antigo chefe e camarada Sócrates.

Vá lá a gente tentar entender...


 


 

domingo, 13 de setembro de 2020

POLÍTICA E FUTEBOL

 António Costa e Fernando Medina decidiram aceitar o convite de Luis Filipe Vieira para participarem na comissão de honra da sua recandidatura à presidência do clube de futebol Benfica.

António Costa, que se saiba exerce as suas funções primo-ministeriais em exclusividade. O mesmo acontece com Fernando Medina na presidência da Câmara de Lisboa. Já nenhum deles participa na Quadratura do Círculo, isto é, pertence à respectiva cooperativa.

Agora vêm defender que a sua presença na referida comissão se faz a título pessoal nada tendo a ver com as respectivas funções institucionais. Para este efeito não são as mesmas pessoas que exercem aquelas funções. Serão outras, portanto.

E uns jornalistas vão catar num suposto regulamento ético do Governo, para saber se Costa o está a infringir. Mais um frete, claro.

Será preciso muito para perceber que ambos meteram a pata na poça por duas razões?

Em primeiro lugar, política e futebol não casam, devem ser estanques. Por uma questão óbvia de limpeza sanitária do espaço público.

Em segundo lugar, porque a pessoa que estão a apoiar se chama Luis Filipe Vieira. O que lhes devia ter tocado umas campainhas, ao receberem o convite. Por causa de eventuais vigarices de dinheiro que correm pelos tribunais. Muito dinheiro. Centenas de milhões, mesmo.

Mais uma vez cito Rodrigo da Fonseca:

«Nascer entre brutos, viver entre brutos, morrer entre brutos, é triste»

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

TRIBUNAIS

 

A Relação de Lisboa sobre uma decisão do Juiz Ivo Rosa:
"Extravasar competências, esquecer e confundir conceitos jurídicos básicos"
Não entendo nada de Direito, mas parece-me que esta frase é assassina sobre a competência jurídica do Juiz.
E não se passa nada? É que, ou a Relação tem razão, ou não tem. De qualquer das formas deveria haver consequências.

"Exultate Justi" (Empire Of The Sun") - John Williams

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Partilhar boa música com os amigos

Adeus Emma Peel

CINDERELLA ROCKEFELLA by ESTH...

ANA GOMES, CANDIDATA

 

Parabéns a Ana Gomes. Claro que não é minha candidata. Mas consegue várias coisas positivas com a sua candidatura.
Uma já conseguiu: que André Ventura lhe dissesse que é uma candidatura cigana (é um dois em um).
Outra é obrigar a lama de António Costa a mexer-se e nos lamaçais todos se afogam.
Vamos ainda descobrir o que separa a sua candidatura da de Marisa Matias.
E Marcelo vai ter que ser mais concreto relativamente a diversas matérias de que tem fugido.

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

CRÓNICA DOS DIAS QUE PASSAM

 


E chegou Setembro. Seis meses depois do início da pandemia COVID-19 e da consequente paragem social e económica, chegou a altura em que tradicionalmente se assiste a um regresso das actividades depois das férias de Verão. O que este ano se traduz num regresso completamente diferente, acumulando escolas, feiras do livro e política, numa abertura curiosamente marcada pela Festa do Avante, seja qual for o significado que isso tenha.

A crise económica tem sido mascarada pelos apoios estatais que para já têm evitado as falências generalizadas e desemprego, mas está aí à porta com uma força impressionante. Os sinais da sua aproximação aparecem para já na atitude dos responsáveis políticos, tentando o Governo disfarçar a situação o mais possível, confiante que está no programa de recuperação da União Europeia que prevê uma importante fatia dita «a fundo perdido», que nunca será tal coisa, sendo apenas paga mais tarde ainda não se sabe por quem e em que condições. O nervosismo que se vê advém de algo que escondem por enquanto, que é a necessidade de aprovação do tal empréstimo europeu pelos 27 parlamentos nacionais e do atraso que isso significa para a vinda daquilo a que de forma popularucha chamam «pipa de massa» ou «bazuca», que não deverá chegar antes de Abril/Maio do próximo ano.

Até lá, há que aguentar e encontrar o maior número possível de distracções para o povo não notar muito a falta de dinheiro. A auditoria ao Novo Banco veio mesmo a calhar para esse feito. Aconteceu, contudo, que funciona ao contrário do esperado. De facto, mais de 95% dos empréstimos «complicados» ainda são herança do antigo BES e os prejuízos de cerca de 4 mil milhões de euros correspondem aproximadamente à garantia exigida pelos compradores do Novo Banco, aceites por Gosta e Centeno aquando da venda do Novo Banco. Toda a campanha de cortina montada pelos partidos que apoiam este governo, mas a que aderiram também os partidos da direita não passa disso mesmo, areia para atirar aos olhos dos portugueses para tentar fugir a responsabilidades próprias. Mas valia que aceitassem todos a situação como inevitável face ao descalabro do antigo BES e que explicassem com verdade porque é que não fecharam o Novo Banco em 2017 e o venderam nas condições que agora se sabe o que, provavelmente, teve a ver com uma defesa do sistema bancário, em particular da CGD.

A invenção de uma suposta «crise política» não passa igualmente de outra manobra de distracção. A gravíssima crise económica e social que se está a formar faz com que nos próximos anos governar não seja uma tarefa atractiva, principalmente para quem tem como regra de vida política não fazer qualquer reforma estrutural que permita ao país reagir por si mesmo ao afundamento progressivo que se verifica desde há anos, pelo menos desde 2000. O primeiro-Ministro entendeu por bem forçar a nota relativamente à hipótese de crise política, o que foi obviamente encarado como um ultimato pelos partidos que desde 2015 o têm apoiado e garantido a aprovação anual dos Orçamentos de Estado, mas que nesta conjuntura preferiam estar longe da governação. É evidente para todos que, quer o BE, quer o PCP, vão vender caro o apoio nas actuais condições, o que não significa crise política, porque todos sabem perfeitamente que, em virtude das próximas eleições presidenciais, o Presidente da República se encontra constitucionalmente impedido de dissolver a Assembleia da República. O simples respeito pelos cidadãos deveria impedir os responsáveis políticos de encenar fábulas deste tipo.

À direita, o desnorte não é menor. O CDS prossegue o seu caminho para a total insignificância e, quando se exigia uma total e perfeita separação de águas, o PSD anunciou a hipótese de conversar com o CHEGA sob determinadas condições, situação totalmente inaceitável do ponto de vista dos democratas perante toda a actuação e orientações políticas que se vão conhecendo do partido liderado por André Ventura. Quando já se ouve mesmo falar de mais uma grande marcha sobre Lisboa, ainda assim espera-se que André Ventura não se lembre de aconselhar um traje escuro como apropriado para o evento.

O presidente Marcelo tem assistido a tudo isto com uma evidente irritação. Em particular, no que diz respeito à suposta «crise política», respondeu mesmo com desagrado. E, mais uma vez, a direita portuguesa mostra querer dar razão a quem diz ser ela a mais estúpida do mundo. Sendo, constitucionalmente, o nosso presidente um árbitro e não um actor, seria difícil que pudesse ter tido outra atitude desde 2016 perante os governos de António Costa, bem apoiados no Parlamento pelo BE e pelo PCP. Recordo que foi ainda o presidente Cavaco e não Marcelo quem exigiu a António Costa acordos assinados para deixar passar a solução governativa que ficou conhecida como «Geringonça» e assim a institucionalizou. Marcelo tem sido e vai continuar a ser um fiel rigoroso da balança, doa a quem doer.
 
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Setembro de 2020

Vestígios de pobreza e de riqueza



 

Mas lá me escapei. Desta, pelo menos.


 

Dolmen da necrópole da Ladeira de Cima - Penedono. 5 mil anos


 

Dobradiça do portão que houve


 

Tempo de figos


 

A porta do castelo


 

Beira Alta: rosa à beira da estrada


 

terça-feira, 1 de setembro de 2020

De quando éramos jovens, havia Agosto e havia Setembro

DOM PEDRO, DUQUE DE COIMBRA E A UNIVERSIDADE

 


Enquanto a universidade portuguesa andava entre Coimbra e Lisboa, sem sair dos cânones medievais e de uma função quase exclusiva de formação religiosa, houve uma tentativa de criação de uma outra Universidade, que deveria ser constituída à imagem do melhor que havia na Europa de então, designadamente das universidades de Oxford e de Paris.

Em 1443 o Duque de Coimbra Dom Pedro, pertencente àquela a que Camões muito apropriadamente chamou Ínclita Geração tomou, enquanto Regente da coroa portuguesa, as medidas necessárias para a fundação de um Estudo Geral em Coimbra em paralelo com a Universidade que na altura estava em Lisboa. Concretizava assim as suas preocupações com o ensino superior, de que já tinha dado nota na célebre carta que de Bruges enviou a seu irmão Duarte que haveria de ser Rei. Com esse fim, nesse ano fez uma dotação para esse efeito, além de tomar outras medidas para a sua instalação física.

Dom Pedro, quarto filho de D. João I e D. Filipa de Lencastre, foi um homem culto e conhecedor do mundo do seu tempo. Para além de em jovem ter ido para a corte inglesa com dois irmãos conhecer outros mundos e línguas, entre 1425 e 1428 viajou pela Europa de onde lhe veio ter ficado conhecido como «Infante das sete partidas». Nessa altura Dom Pedro era já Duque de Coimbra, investidura ocorrida no regresso da conquista de Ceuta, em Agosto de 1415, pelo que as suas viagens não terão sido um simples passeio integrando-se antes numa acção diplomática ao mais alto nível, razão por que foi acompanhado por uma importante comitiva. De Coimbra viajou até Paris, donde passou a Inglaterra, terra natal de sua mãe Filipa de Lencastre, neta do rei Eduardo III e irmã do rei Henrique IV que deu início à dinastia de Lencastre. Em Inglaterra foi investido cavaleiro da Ordem da Jarreteira, a que seus pais também pertenciam. Tendo viajado para a Flandres, escreveu a seu irmão D. Duarte a famosa «Carta de Bruges» onde lhe dava conhecimento do desenvolvimento dos países que visitava, dando-lhe ideias para a boa governação, para além de propostas de reforma universitária necessária pela deficiência de formação do clero português. Dom Pedro passou depois pela Alemanha e foi a Viena onde ajudou o Imperador Segismundo na guerra com os Turcos, o que lhe valeu ser investido no domínio da Marca Trevisiana. Dom Pedro e a sua comitiva tiveram ainda estadas em Veneza e em Roma onde o Papa lhe entregou uma relíquia de S. Sebastião. Antes de regressar a Portugal, passou por Barcelona onde tratou do seu casamento com Isabel, condessa de Urgel, filha do conde Jaime II de Urgel e da infanta Isabel de Aragão.

O reinado do seu irmão D. Duarte durou escassos anos, o suficiente, contudo, para se deixar levar pelos desejos de glória de seus irmãos Henrique e Fernando que ansiavam por conquistas aos muçulmanos no Norte de África, em vez de se prosseguir com as navegações pela costa africana. A tragédia de Tânger, com a consequente tomada de D. Fernando como refém até à sua morte foi o resultado dessa política desastrosa. Após a morte de seu irmão D. Duarte, como o infante D. Afonso era ainda uma criança, a regência foi assegurada por sua mãe Leonor de Aragão por um breve período e depois pelo Duque Dom Pedro que retirou poder à aristocracia a favor da Coroa, e reviu a legislação do país através das «Ordenações Afonsinas», preparando já uma saída do país dos tempos medievais. Quando o seu sobrinho atingiu a maioridade em 1448, Dom Pedro entregou-lhe a governação, retirando-se para Coimbra, sede do seu ducado. A sua acção como regente tinha-lhe, no entanto, granjeado inimigos poderosos, com o seu meio-irmão D. Afonso, que ele próprio tinha feito Duque de Bragança, à cabeça. Foi assim que o Duque de Coimbra foi vítima de uma cilada e morto de forma traiçoeira naquilo a que chamaram batalha de Alfarrobeira na data infame de 20 de Maio de 1499.

A universidade que Dom Pedro desejou para Coimbra não teve desenvolvimento após a sua morte em Alfarrobeira, tendo o Rei D. Afonso V anulado todas as decisões do Duque de Coimbra enquanto Regente do Reino, além de permitir a perseguição da memória do Duque que só foi, em parte, reabilitada por D. João II, continuando até os dias de hoje envolta em mistificações e mentiras em favor de outros personagens. De tal forma é assim que mesmo a sua cidade por quem tanto fez, Coimbra, o mantém no esquecimento em favor de figuras mitológicas, ao contrário de outras cidades como Aveiro que lhe prestam homenagem e o consideram na sua verdadeira importância histórica. Depois de Alfarrobeira Coimbra teria de esperar até 1537 para ter a sua universidade, transferida definitivamente de Lisboa com D. João III, no que foi tristemente acompanhada pela Inquisição que iria castrar durante 285 anos a vida intelectual, a ciência e a liberdade com consequências no ser português ainda hoje visíveis.

O lema de vida escolhido por Dom Pedro resumia-se a uma palavra, «DESIR», mas era todo um programa.

Àquele príncipe português que no século XIV tinha a sensibilidade e o conhecimento para escrever que «POESIA É MAIS SABOR DO QUE SABER», Sophia de Mello Breyner dedicou este poema, com que termino esta singela evocação da sua vida dedicada aos Antigos Estudantes da Universidade de Coimbra:

 

PRANTO PELO INFANTE D. PEDRO
DAS SETE PARTIDAS

 

Nunca choraremos bastante nem com pranto
assaz amargo e forte
aquele que fundou glória e grandeza
e recebeu em paga insulto e morte

 

 

Este texto foi publicado no nº de Agosto da revista FRA da Associação dos Antigos Estudantes da Universidade de Coimbra 



 


segunda-feira, 31 de agosto de 2020

PAPEL DE COIMBRA NO PAÍS

 

Não deve haver cidade em que se discutam tanto eventuais investimentos públicos, nem durante tanto tempo, como Coimbra. Para além do velho ditado que nos ensina que «casa onde não há pão, todos ralham e todos têm razão», há circunstâncias muito concretas que levam a que seja assim, sem que os conimbricenses se apercebam delas em toda a sua extensão. Na realidade, por vezes ajudam mesmo a que estas situações se verifiquem, sem tomarem disso consciência.

Como foi possível que o projecto do Metro Mondego tenha sido suspenso em pleno andamento das respectivas obras de empreitada em 2010, para agora o projecto ferroviário ser substituído por autocarros eléctricos?

Porque é que a A 13 está parada à entrada de Coimbra e não se vê que seja dada ordem de conclusão até ao IP3? Porque é que o IP3 não é alvo de verdadeira beneficiação para perfil de auto-estrada em toda a sua extensão, constituindo uma ligação decente a Viseu? Porque é que o IC 6 continua inacabado às portas de Oliveira do Hospital, impedindo a ligação de Coimbra à Covilhã?

Porque é que a construção da nova Maternidade faz que anda, mas não anda, enquanto na Cidade se discute a melhor localização, sem conclusões? Porque é que não é construído o estacionamento em silo-auto dos HUC? Porque é que a ampliação já aprovada das Urgências dos HUC não anda para a frente? Como é possível a actual situação do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra em que se abandonam as instalações do Hospital dos Covões em vez de se constituir um verdadeiro Centro Hospitalar com divisão coerente e eficiente de serviços entre as diferentes edificações?

Porque é que ninguém ouviu mais falar do novo Palácio da Justiça e ainda muito menos da nova penitenciária?

Porque é que a Estação Coimbra B vai ser objecto de umas beneficiações e não é construída uma verdadeira nova estação inter-modal, bem como as respectivas infra-estruturas rodoviárias?

Tudo perguntas a que se podem dar respostas específicas que mais soam a desculpas esfarrapadas. Porque, na realidade, a verdadeira questão é o seu conjunto e é na visão global que se encontram as verdadeiras razões.

Portugal tem um «edifício» legal no que diz respeito ao ordenamento do seu território. Na base estão os planos de âmbito municipal, que abrangem os Planos Directores Municipais e os Planos de Urbanização e Planos de Pormenor que desenvolvem os PDM. Num plano acima estão previstos os Programas e Planos Intermunicipais que possibilitam a cooperação entre municípios a serem elaborados no quadro das comunidades intermunicipais, prevendo racionalidade no acesso a serviços comuns de interesse geral. Num nível superior, a legislação prevê os Programas Regionais de Ordenamento do Território, «no âmbito de definição de um quadro estratégico regional». Como tecto do edifício existe o Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT), cuja última versão data de 2019 e que, aspecto importante neste momento, serve de matriz para a «Estratégia Portugal 2030».

E aqui residirá a resposta para as questões que interessam directamente a Coimbra, acima referenciadas. Se formos analisar o PNPOT, verificamos que a estratégia nacional para a política de ordenamento do território lá prevista contempla essencialmente as duas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e o resto do país na sua «multi-polaridade», em que Coimbra surge ao mesmo nível de, por exemplo, todas as outras cidades da Região Centro. É o que se verifica nas cartas referentes ao Modelo Territorial e ao Sistema Urbano, por exemplo. O porquê desta situação não é evidente, e não andará longe da visão macrocéfala a partir de Lisboa mas também do facto de, até hoje, nunca ter sido aprovado o Plano Regional de Ordenamento do Território da Região Centro.

Na actual situação, Coimbra tem um erro de percepção dos seus problemas já que os investimentos a que se julga com direito (com toda a razão) são vistos a nível nacional de uma forma completamente diferente: não há razões para Coimbra ser tratada de modo diferente das outras cidades da região e, sobretudo, não há razão para ter duplicação de serviços que podem ser garantidos, a nível nacional, por Lisboa e Porto.

Olhando concretamente para a área da Saúde, resulta assim evidente que não faz sentido para os decisores nacionais, que Coimbra tenha um Centro Hospitalar e quanto mais dois, quando o Porto tem dois (S. João e Stº António) bem como Lisboa (Lisboa Norte – Sta. Maria e Lisboa Central – S. José). Se Coimbra não acordar, o destino do seu hospital central será tornar-se, em poucos anos, pouco diferente dos hospitais das outras cidades da região. Perderá Coimbra mas, sobretudo, perderá a Região Centro que já está neste momento a ser penalizada a nível de equipamentos públicos, a favor das duas áreas metropolitanas inclusive, embora não só, na área da Saúde historicamente tão cara à nossa cidade.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 31 de Agosto de 2020

 

Who Knows Where The Time Goes

Mireille Mathieu - Non Je Ne Regrette Rien (1986)

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Contingência ou a história de o Pedro e o Lobo

 Fico espantado e mesmo preocupado quando vejo o Governo limitar os direitos constitucionais (estado de contingência) sem apresentar justificações concretas para tal. Fala da pandemia, mas aquele estado, sem facto nenhum novo que o sustente e anunciado semanas antes, não parece razoável.

Mais impressionante é o estado abúlico dos portugueses, a começar pelo presidente da República, perante este abuso evidente.