Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Julho de 2012
jpaulocraveiro@ gmail.com "Por decisão do autor, o presente blogue não segue o novo Acordo Ortográfico"
segunda-feira, 23 de julho de 2012
segunda-feira, 16 de julho de 2012
Partículas de Deus
Há cerca de quinze dias uma notícia invadiu os meios de comunicação social, baralhando as pessoas pela sua linguagem algo esotérica e surpreendendo muitas outras pelo significado da descoberta que anunciava.
O que deu origem à notícia foi um simples comunicado emitido em 4 de Julho de 2012 pelos responsáveis do CERN que dizia o seguinte: “obervamos nos nossos dados sinais claros de uma nova partícula no nível 5 sigma, na região de massa 126 GeV”.
Já as notícias que nos chegavam por todos os meios informavam que tinha sido descoberta a partícula da Deus. Nem mais!
Como leigo na matéria, mas não gostando de andar por aí às cegas, cedo percebi a importância da descoberta que justifica os milhões gastos no gigantesco LHC (Grande Colisionador de Hadrões), o maior e com mais energia acelerador de partículas do mundo, construído na zona fronteiriça entre a França e a Suíça, onde trabalham mais de 3.000 pessoas.
A chamada “partícula de Deus” é tão de Deus como todas as outras partículas, até porque só por si não explica a própria criação. É o chamado bosão de Higgs, assim designado pelos cientistas porque a sua existência foi prevista pelo físico teórico Peter Higgs há mais de 50 anos. A formalização da necessidade da sua existência decorre do Modelo Padrão de partículas que estaria errado se o bosão de Higgs não existisse, já que seria precisamente essa partícula que daria coerência ao Modelo, “entregando” matéria às outras partículas. Esta era a única das 61 partículas elementares do Modelo Padrão ainda por encontrar experimentalmente.
É a teoria do Big Bang que ganha credibilidade, já que, logo após se ter verificado, algo “agarrou” parte da energia, atrasando a sua libertação e permitindo assim a sua transformação em matéria que, pela sua futura organização viria a dar origem às estrelas, aos planetas e a tudo que nos rodeia hoje, incluindo a vida. Esse “algo” é o campo de Higgs, formado pelos bosões com o mesmo nome.
Torna-se assim evidente o extremo interesse da descoberta. Claro que o comunicado do CERN, na sua estranha linguagem não confirma a descoberta em absoluto, querendo o “nível 5 sigma” dizer apenas que a probabilidade de o bosão de Higgs ter sido detectado é de cerca de 99,9999% e a “região de massa 126 GeV” que a sua massa modelo padrão é de 126 mil milhões de electrões-volt, dentro da gama de valores esperados. Na prática, foi mesmo encontrado.
Esta descoberta permite que a ciência, em particular a física, continue no caminho que tem vindo a trilhar de melhor conhecimento do universo, desde o infinitamente grande ao infinitamente pequeno, já que “as peças” se vão todas encaixando umas nas outras de forma coerente, mesmo quando a teoria tem que esperar dezenas de anos pela sua comprovação experimental. Mostra ainda como a cooperação internacional pode ser bem sucedida quando levada a sério, ainda que fora das grandes parangonas dos jornais que frequentemente, mais não fazem que desvirtuar o significado profundo da actividade humana, ao inventarem cabeçalhos espectaculares como “foi descoberta a partícula de Deus”.
Mas não se pense que a investigação da Física termina aqui. O que falta conhecer é muito mais do que aquilo que hoje se conhece, o que aliás torna a designação “partícula de Deus” apenas ridícula. Segundo alguns, a matéria que corresponde ao “modelo padrão” agora completado será apenas 4% de todo o Universo. Cerca de 75% correspondem ao que ainda hoje se designa por “energia negra” e quase 22% restantes correspondem a algo que apenas a gravidade poderá ajudar a detectar, mas que tem força suficiente para parar a rotação de galáxias inteiras.
O que foi anunciado a 4 de Julho de 2012 terá, no entanto, um lugar muito mais importante na História da Humanidade do que tudo o que aparece hoje nos nossos jornais e nas televisões do mundo inteiro, disso o leitor pode ter a certeza.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 16 de Julho de 2012
segunda-feira, 9 de julho de 2012
Mudar o mundo
Mudam-se os Tempos,
Mudam-se as Vontades
Mudam-se os tempos,
mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.
Luís de Camões
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.
Luís de Camões
Peço que me perdoem o atrevimento de começar a minha singela crónica desta
semana citando o nosso maior poeta, mas às vezes sabe bem voltar à simplicidade
do génio.
Há poucos dias, um amigo cá da nossa Cidade que não tem nada a provar na
vida quer pessoal, quer profissionalmente porque transformou uma pequena
empresa de Coimbra num conglomerado que actua em vários países da Europa, na
Ásia e na América dizia-me, a propósito destas minha pequenas e despretensiosas
crónicas semanais, que eu não desistia de querer mudar o mundo. Agradeci a
amizade mas neguei qualquer propósito meu nesse sentido. No entanto, aquela
frase fez-me pensar. O leitor não sabe, mas esta é a minha crónica semanal nº
347 publicada no Diário de Coimbra. Em 347 semanas vivemos 58.246 horas isto é,
3.497.760 minutos. Não é inocentemente que refiro o nº de minutos e não o nº de
anos decorridos. É que se vivemos de facto, sem meramente deixar passar o
tempo, vivemos aquele número gigantesco de minutos e todos sabemos como às
vezes um simples minuto demora a passar. Tempo suficiente para ver partir
pessoas queridas que em nós deixam feridas que nunca sararão, tempo para ver
filhos voar para as suas vidas próprias, tempo para ver netos a encher-nos o
coração, tempo para ver aquelas linhas do monitor ao lado da cama do hospital a
ficarem horizontais e ter a graça de acordar com vontade de viver plenamente e
agarrar de novo o futuro nas mãos, custe o que custar.
Fui reler a minha primeira crónica desta série e lá encontrei alguma
ingenuidade, mas também as linhas fundamentais do que tenho escrito desde
então: nunca atacar ninguém em concreto, criticar situações e propor soluções.
Também lá citei alguém que nos ensina que não devemos ser optimistas nem
pessimistas e sim optimizadores: isto não é um mero jogo de palavras e sim todo
um programa de acção e corresponde àquilo que tenho tentado fazer.
De novo digo: não tento mudar o mundo, embora às vezes apeteça. Quem muda o
mundo, para além das guerras e revoluções que se sabe como começam mas não como
acabam, são os artistas, os cientistas e todos os anónimos que deixam o mundo
um pouco melhor do que o encontraram. Como pessoa comum, tento apenas dar o meu
melhor, participar em reformas necessárias e ser cidadão a tempo inteiro,
tentando perceber o mundo e lembrando-me de Álvaro de Campos quando escrevia
que “o Teorema do Binómio é tão belo como a Vénus de Milo, o que há pouca gente
para dar por isso”.
Esta foi uma crónica diferente do habitual. Mas como costumo afirmar que
aquilo que deixamos por dizer não existe, tenho que agradecer ao Amigo que, com
um simples e simpático comentário, me levou esta semana por territórios que,
sem ele, teriam o destino de não existir.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Julho de 2012
terça-feira, 3 de julho de 2012
segunda-feira, 2 de julho de 2012
COIMBRA, CIDADE COM FUTURO
Foi publicado há poucos dias o resultado de mais um inquérito sobre as
cidades com maior qualidade de vida. Claro que este tipo de inquéritos, feitos
através de perguntas a um reduzido número de moradores de cada uma delas tem um
valor estatístico reduzido, até pela complexidade de análise dos 11 critérios
utilizados, verificando-se pequena variação para o inquérito realizado pela
mesma associação há cinco anos. É provável que o crónico espírito crítico dos
conimbricenses relativamente à sua cidade se reflicta também nestes resultados,
ao contrário de outras cidades em que os seus moradores são genericamente
benevolentes relativamente às suas falhas. Curiosamente, em inquéritos do mesmo
tipo levados a cabo por outros promotores, por exemplo o jornal Expresso, as
cidades que no inquérito da DECO aparecem no final, são nesse caso as primeiras
da lista, casos de Lisboa e Porto. E alguma razão haverá para isso, tendo em
conta a fuga de populações do interior para essas metrópoles, valorizando as
pessoas na prática, a maior possibilidade de ter emprego relativamente a
poderem dormir de janelas abertas. Já a nossa cidade, Coimbra, mantém-se
sensivelmente na mesma classificação relativamente há cinco anos, semelhante
aliás, à anterior classificação do Expresso, isto é, sempre no terço superior
do conjunto.
As muitas vantagens comparativas de Coimbra são históricas e bem
conhecidas, não sendo necessário sequer referir as que advêm da localização
central no país e boas ligações ao litoral e a Norte e a Sul, o que não se
verifica, infelizmente em relação ao interior. As áreas da saúde e do ensino
superior são, desde há muito, aquelas que colocam Coimbra na frente de todos os
rankings. Outras há em que a potencialidade é enorme, mas exigem capacidade de
iniciativa e de conjugação de esforços da parte dos decisores públicos na
Cidade, para que passem a ser realidade concreta.
A indústria tradicional de Coimbra foi-se há muito, estando agora a ser
substituída por novas actividades de ponta, da área da tenologia intimamente
ligada à investigação científica; a mão de obra barata dos operários é agora
substituída pelos programadores e investigadores, com grandes repercussões
sociais e económicas. Mesmo a área industrial de fabrico de medicamentos é
paulatinamente substituída pela produção de processos de fabrico, vendidos com
grande valor acrescentado em todas as partes do mundo.
O património histórico de Coimbra é riquíssimo e conhecido por todo o
mundo. A classificação da Unesco será uma alavanca poderosíssima na atracção de
turismo. O turismo é precisamente uma das áreas económicas que deverá ser
trabalhada a sério por Coimbra e apoiada publicamente, havendo pelo menos duas
vertentes a decidir de imediato: colocar toda gente a trabalhar para o mesmo
lado, acabando com divisões artificiais e estabelecer uma ligação forte com a
cultura. O turismo cultural é hoje uma actividade económica de grande valor a
nível europeu, mas não se compadece com amadorismos nem boas intenções. Tem que
ser olhado como isso mesmo: actividade económica com tudo o que lhe é inerente,
desde o levantamento de oportunidades e estudo exaustivo da procura
internacional com definição do público-alvo, estabelecimento de planos de
negócios, escolha de oferta e montagem do produto, até ao necessário
financiamento. Mas não se pense que esta revolução no turismo de Coimbra se
poderá fazer através de serviços públicos, camarários ou outros, que têm um
orçamento anual para gastar e se esquecem de facturar. Deverão ser apoiados
outros actores, privados ou associativos, com provas dadas na gestão, que sejam
capazes de casar cultura com turismo, já que hoje em dia praticamente ninguém
viaja apenas para ver pedras, por mais bonitas e antigas que elas sejam.
Com muita facilidade Coimbra poderá passar a um patamar superior nesta
área, com grandes vantagens para todos os agentes económicos envolvidos e
consequente subida nos rankings de cidades. Relembro, por exemplo, o que já
aqui escrevi várias vezes: a ligação histórica de Coimbra com a História de
toda a 1ª Dinastia, desde o estabelecimento da primeira capital do Reino até às
cortes de Coimbra que escolheram D. João I, passando pelos amores trágicos de
Inês e Pedro, é um “euromilhões” que aguarda apenas quem jogue nele. Assim haja
vontade e capacidade para ultrapassar atavismos e hábitos bolorentos que tantas
vezes impendem Coimbra de ser ainda melhor.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 2 de Julho de 2012
segunda-feira, 25 de junho de 2012
PODER E AUTORIDADE
Portugal encontra-se hoje numa daquelas situações atípicas que nunca
deveriam suceder, mas a que somos periodicamente sujeitos, normalmente devido a
disparates financeiros cometidos por governantes que não pesam os seus desejos
com as capacidades do país. E, como a História o demonstra, estas situações
trazem normalmente grandes perigos no seu interior.
Em tempos de crise grave como a que atravessamos, só se encontram
verdadeiras saídas em democracia, se o poder constituído aos diversos níveis da
governação do país detiver autoridade que seja reconhecida pela maioria dos
cidadãos.
Há cem anos, Max Weber definiu poder como a possibilidade de alguém obrigar
outro a cumprir a sua própria vontade, mesmo que com resistência, enquanto a
autoridade será a habilidade de levar as pessoas a fazerem de livre vontade a
sua própria vontade, apenas pela sua influência pessoal.
O conceito de autoridade vem dos tempos da República Romana, a chamada
“auctoritas” que de certa forma media o prestígio e a influência dos senadores
romanos, junto dos seus concidadãos. Essa autoridade era conquistada de
diversas formas, incluindo os feitos militares ou a maneira como essas pessoas
tinham servido a República em posições proeminentes. Para existir, essa
autoridade tinha que ser reconhecida pelos outros.
Entre nós é comum queixarmo-nos de “falta de autoridade”, ao mesmo tempo
que se nota um profundo desrespeito pelos responsáveis políticos em geral que,
na minha opinião, tem razões muito mais profundas do que a crise que
atravessamos:
Quando antigos responsáveis políticos de grande projecção são encontrados
em situações ilegais e a Justiça demora eternidades a aplicar o devido castigo;
quando os partidos mantêm em cargos de responsabilidade pessoas que perderam o
respeito dos cidadãos ficando em consequência sem autoridade; quando os
partidos escolhem para listas pessoas por critérios obscuros, deixando de lado
outras com provas mais que dadas; quando para cargos de gestão de
responsabilidade o critério é o amiguismo em vez do currículo pessoal; quando numa
altura em que toda a gente é chamada a sacrifícios pesadíssimos, entidades do
Estado mantêm todas as prerrogativas e mesmo privilégios e benefícios
financeiros insuportáveis; quando entre as funções de Estado e as grandes
empresas há um corredor aberto em permanência entre aquele e estas, é a
autoridade de todo um Estado que se esboroa, sem apelo nem agravo.
Todos conhecemos exemplos de pessoas que, sem deterem qualquer poder
político ou material demonstraram uma grande capacidade de mudar as
circunstâncias em que surgiram. A sua capacidade de liderança e exemplo
atribuíram-lhes uma autoridade reconhecida pelos outros, a tal “auctoritas” dos
romanos.
Estas são pessoas raras. Infelizmente, muito mais frequentes são aquelas
que de uma forma ou doutra, muitas vezes sem saber bem como, adquiriram algum
poder sem possuírem qualquer autoridade. E usam esse poder para impor as suas
vontades ou os seus gostos e mesmo para se vingarem de quem não gostam, por esta
ou aquela razão, mas normalmente por simples inveja, aquela última palavra que
Camões usou para fechar os Lusíadas.
Na realidade, abuso de poder pode ser cometido por acção, tal como está
fixado na Lei, mas também por inacção ou mesmo impedimento de acção. Mas
demonstra sempre falta de autoridade, quando não falta de princípios. E
destruir o que os outros fazem ou fizeram é sempre muito fácil quando se tem
algum poder público e não se percebe que esse poder vem do povo, pelo que se
está ministro ou seja o que for e não se é esse mesmo cargo.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 de Junho de 2012
domingo, 24 de junho de 2012
quarta-feira, 20 de junho de 2012
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