segunda-feira, 3 de novembro de 2014

SIMBOLOS



O Governo da Nova Zelândia decidiu fazer um referendo no início de 2016 sobre a manutenção da actual bandeira do país ou a sua troca por uma nova, escolhida entre várias propostas, também em referendo que terá lugar no final de 2015, mas que deverá apresentar como símbolo uma tradicional folha de feto (samambaia). A actual bandeira da Nova Zelândia que recorda-se, está nos nossos antípodas isto é não podia estar mais afastada da Europa, mantém a “Union Jack” britânica como memória da pertença ao antigo império britânico. A mudança do símbolo nacional que é a bandeira, é apresentada pelo actual primero-ministro neozelandês como um corte com o passado colonial e a afirmação de uma identidade própria e moderna.
Há pouco tempo observei umas fotografias da revista LIFE de manifestações militares e populares de apoio a Hitler, quando estava no poder na Alemanha. Para além dos aspectos políticos e psicológicos impressionantes que aquelas fotos suscitam, há um outro que ressalta à vista. 

Os antigos estandartes e bandeiras alemãs estão todos substuidos pelas bandeiras negras e vermelhas com suásticas. Mesmo as tradicionais insígnias nas fardas militares estão sempre acompanhadas pela omnipresente suástica.
Historicamente, a troca de bandeira corresponde normalmente a momentos cruciais da vida dos países e, embora haja sempre quem seja contra com razões mais ou menos respeitáveis, a nova bandeira passa a representar o país na sua totalidade, passando a ser respeitada como tal. Claro que há excepções. No século XX houve abandono de bandeiras nacionais por parte de partidos políticos que, ao atingirem o poder, as substituiram pelos seus próprios símbolos.
O caso da Alemanha nazi é paradigmático. Após a sua eleição como chanceler e a morte do presidente Hindemburgo, Adolf Hitler fez adoptar a bandeira do Partido Nacional Alemão dos Trabalhadores (assim se chamava o partido nazi) como bandeira nacional da Alemanha, situação que durou até à sua derrota incondicional na Segunda Guerra Mundial em 8 de Maio de 1945.
Também a Rússia viu a sua tradicional bandeira substituida pelos símbolos do Partido Comunista após a vitória da Revolução de 1917. Assim, a bandeira da União Soviética passou em 1923 a ser vermelha com os símbolos comunistas da foice e do martelo e ainda a estrela do partido.

 Cada uma das repúblicas integrantes da URSS substituiu também a sua bandeira dentro do mesmo princípio, incluindo claro, a república socialista russa. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, muitos países da Europa de Leste que a ex-URSS integrou no Pacto de Varsóvia substituiram também as suas bandeiras nacionais, passando a exibir os símbolos dos partidos comunistas. Esta situação terminou depois da desintegração da ex-URSS, tendo cada um dos países que antes integravam o bloco comunista adoptado novas bandeiras nacionais expurgadas dos símbolos comunistas; por exemplo, a própria Federação Russa adoptou a bandeira tricolor branca, azul e vermelha como era desde 1883 até à revolução soviética, sem quaisquer símbolos.
As diferenças para o agora proposto na Nova Zelândia não podiam ser maiores. Em vez da vontade imposta por partidos no poder, são os cidadãos que, de forma inteiramente livre têm a hipótese de escolher um símbolo nacional diferente. É a Democracia, com o respeito pela vontade da maioria livremente expressa, a funcionar. Pode mesmo suceder, e o primeiro-Ministro Key está perfeitamente consciente disso, que o povo da Nova Zelândia venha a optar por continuar com a actual bandeira.
Tal como se a escolha for pela nova bandeira, não haverá nenhum drama, dado que resultará da livre vontade do povo neozelandês, não significando nenhum construtivismo social de algum “homem novo” ou anúncio de “amanhãs que cantam” que desembocam sistematicamente em grandes tragédias e sim apenas a natural evolução de uma nação livre e soberana.

Publicado originalmente no Diário de  Coimbra em 3 de Novembro de 2014

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

MULHERES: ESTE PAÍS NÃO É PARA ELAS



Entre as profundas desestruturações da actual sociedade portuguesa, a do tratamento que dá à sua metade feminina será certamente uma das mais graves.
Aquilo que dantes sucedia e era escondido surge hoje à luz do dia e não é bonito de se ver. Mas haverá também situações relacionadas com a actual evolução social e económica que não ficarão atrás daquelas, pela sua gravidade e implicações a nível do futuro da própria sociedade.
Há poucos dias, bem perto de nós, um homem com formação superior não encontrou melhor solução para resolver os seus problemas de ciúme do que matar a mulher e as duas filhas à facada. Por mero acaso, uma das filhas sobreviveu. Mais um daqueles casos que comummente se designam como crimes de coração, como se tal tivesse algo a ver com o amor e não apenas com violência pura, associada com o pior sentimento que alguém pode ter, que é o da posse de outrém.
Esta tragédia não foi um caso isolado em Portugal, mas mais um de tantos que acontecem em Portugal, que mais parece uma epidemia. Basta dizer que, só este ano, já morreram 30 mulheres em Portugal, vítimas de violência doméstica por parte de maridos ou companheiros, a que se juntam mais 37 que sobreviveram a tentativas de homicídio do mesmo tipo. Não se pense que este tipo de situações é exclusivo de extratos sociais mais dependentes ou desfavorecidos. Se pensarmos um pouco, não será difícil lembrarmo-nos de casos de violência doméstica que se passaram ou passam com pessoas com formação do mais alto nível, socialmente bem inseridas, sem dificuldades económicas e até com responsabilidades sociais relevantes. Embora a sociedade continue a tender a manter subterrâneos muitos destes casos que só emergem quando já não há hipóteses de continuarem escondidos, a Justiça começa finalmente a mover-se. É assim que está a organizar-se para ter uma atitude mais activa do ponto de vista preventivo, apoiando as vítimas durante os processos de violência doméstica antes que tenham consequências irreversíveis e perseguinndo e castigando os causadores dessas situações.
Tudo isto é muito antigo e relacionado com o papel social inferior e submisso historicamente reservado às mulheres, que entra em choque com a sua libertação social, profissional e, acima de tudo, pessoal. As contradições sociais ficaram bem patentes num recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que reduziu fortemente a indemnização devida a uma doente pelas consequências de uma operação cirúrgica que correu mal, com a justificação de que aos cinquenta anos a sexualidade não tem a importância que assume em idades mais jovens. Claro que se tratava de uma mulher e suspeita-se que se fosse homem a decisão seria certamente outra como o mostram aliás, casos semelhantes anteriores, o que corresponde a uma clara desvalorização da sexualidade feminina face à masculina.
Mas outras situações têm sido denunciadas e têm a ver com a relação das empresas com a mulher e, em particular, com a maternidade. Uma reportagem do jornal Expresso descobriu mulheres altamente qualificadas que foram despedidas por engravidarem, outras pressionadas fortemente no sentido de não ter filhos havendo mesmo mulheres despedidas através do expediente legal da extinção do posto de trabalho. Há casos concretos em que os chefes pura e simplesmente não gostam de trabalhar com grávidas e em que se descontam dias de trabalho pelas idas às necessárias consultas. O caso da enfermeira num IPO que pediu para mudar de serviço e deixar de trabalhar na sala de tratamentos porque queria tentar engravidar e foi sujeita a perguntas abusivas e intoleráveis sobre o seu ciclo menstrual, se já estava grávida etc., acabando por ter estado dez dias a trabalhar onde não devia é exemplar da falta de respeito pela Mulher, mesmo por um serviço de saúde do Estado.
A natalidade em Portugal é hoje a mais baixa da Europa, invertendo as pirâmides etárias com as consequências sociais e económicas que se conhecem e colocando mesmo em risco a renovação social. E há claramente razões para isso. A resposta política tem de ser abrangente, desde a organização económica e empresarial até ao apoio claro às mães com crianças pequenas. Não basta discriminar positivamente as famílias numerosas em termos fiscais. É às mães todas, ainda que tenham apenas um ou dois filhos, que é necessário e mesmo urgente criar condições para que criem os seus filhos em situação de tranquilidade e estabilidade (proporcionando carinho), exactamente o contrário do que tem sido feito ao longo de muitos anos.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 27 Outubro 2014

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

PERIGOS GLOBAIS



Vários perigos globais nos ameaçam nos dias que correm. E ameaçam-nos porque se percebe estarem completamente fora de controlo. Desde logo, o auto denominado Estado Islâmico que, mercê das conflitualidades regionais, políticas e mesmo hipocrisias políticas e medos de carácter supostamente religioso, está a colocar todo o médio oriente e parte de África a ferro e fogo, com possíveis repercussões em todos os países mediterrânicos ou próximos, como Portugal.
Mas uma ameaça biológica está a desenvolver-se perante os nossos olhos, podendo em muito pouco tempo tomar proporções dantescas. O vírus Ébola foi descoberto em 1976 na aldeia de Yambuku, hoje congolesa e deve o nome a um rio que pasa nas proximidades. Desde essa altura houve vários surtos nessa zona africana, mas todos locais, embora extremamente mortíferos. A baixa mobilidade das populações não facilitava a propagação do vírus, limitando o contágio às aldeias onde surgia e matava quase toda a gente.
Desta vez a situação é completamente diferente. Nos diversos países daquela zona verificaram-se guerras, com deslocações de populações e desmantelamento dos já de si frágeis sistemas de saúde. Os médicos praticamente desapareceram da Libéria, Serra Leoa e Guiné-Coacri e boa parte dos que ficaram a combater o Ébola já morreram com a doença. Foi assim que o confinamento do vírus foi praticamente inexistente, tornando possível a sua propagação com uma facilidade extraordinária.
Com a actual mobilidade, era só uma questão de tempo até o Ébola começar a surgir noutros locais do mundo, levado por quem tenha estado naqueles países africanos ou que tenha estado em contacto com alguém vindo de lá e tenha sido contagiado. O facto de os sintomas poderem surgir entre 2 a 21 dias depois da infecção implica que alguém infectado pode andar duas a três semanas com o vírus, podendo contagiar outras pessoas, sem fazer ideia disso.
E, se durante o período de incubação o perigo de contágio é relativamente reduzido, a partir da manifestação dos sintomas torna-se extremamente elevado, exigindo precauções sanitárias extremamente rigorosas.
O caso da auxiliar de enfermagem espanhola infectada com o Ébola em pleno hospital madrileno é bem exemplificativo do que se deve e não deve fazer. A técnica terá seguido os procedimentos indicados nos chamados “protocolos”, mas o facto é que foi infectada durante a operação de retirar o fato de segurança, depois de trabalhar no interior do quarto onde tinha estado um doente com Ébola proveniente da Libéria que faleceu.

Em Portugal houve alguém que teve receio de estar contaminado, o que felizmente não se confirmou. Mas terá utilizado transportes públicos na sua deslocação para o hospital. A leitura dos procedimentos seguidos pelas organizações internacionais que neste momento ajudam a combater o Ébola em África dá-nos a correcta indicação da extrema perigosidade da manipulação de material infectado. Quem algum dia teve formação em “guerra NBQ” (nuclear, biológica ou química) reconhece de imediato a semelhança das situações de emergência, levando mesmo a sugerir que a segurança das instalações hospitalares destinadas a possíveis doentes com Ébola seja confiada a quem está profissionalmente preparado, tem experiência e sabe como reagir em situações de emergência passível de se descontrolar, como os militares de algumas unidades.
As últimas notícias sobre a possível propagação pelo mundo inteiro são assustadoras, temendo-se o pior. As informações sobre cuidados a ter não podem ficar apenas pelos técnicos de saúde. Já deveriam estar a ser difundidas pela população em geral, não para alarmar, mas para prevenir situações ridículas e perigosas como a de um possível infectado ir para as urgências gerais do hospital pelo próprio pé e utilizando transportes públicos.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 20 Outubro 2014

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Responsáveis da PT na maior

Podiam começar por mobilizar sei lá, talvez o Engº Belmiro, não? Parece que agora vale um décimo do que valia na altura. Os amigalhaços tiveram tempo de sobra para tirar de lá todo o dinheirinho. E agora o actual governo que resolva. Devem pensar que os portugueses são todos estúpidos e ceguinhos.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

VIDAS DE NÃO HÁ ASSIM TANTO TEMPO



“Senhora, o catcharro não tem água”.
A jovem professora levantou os olhos para o aluno que a interpelava, tentando interpretar o que ele lhe quereria dizer. O catraio da segunda classe estava de pé e olhava para ela com os seus grandes olhos aguardando pela resposta. Todos os outros alunos, meninos e meninas, se afadigavam a tentar fazer o que lhes tinha sido pedido.
Seriam uns trinta, distribuidos pelas quatro classes que, vá-se lá saber como, aprendiam em conjunto naquela sala pequena de uma escola primária de uma sala apenas e uma única professora. A professora olhava e via. Era a sua nova escola, onde iria certamente ensinar durante alguns anos. Via aqueles alunos que lhe tinham sido entregues para aprender a ler, a escrever e a fazer contas. Mas também para aprenderem História. E Geografia.E Ciências Naturais. E a viver em comunidade, começando por aquele pequeno mundo da escola.
Era o início de Outubro e já os frios começavam a chegar com as primeiras chuvas naquela aldeia perdida na Beira Alta, bem perto da Serra da Estrela de que ela tão bem conhecia as faldas viradas para a Cova da Beira. Pensou que nos próximos dias teriam que ir ao pinhal nos intervalos buscar pinhas, gravetos e ramos cortados para guardar no terreiro coberto. Não seria preciso ir muito longe; na realidade, a escola localizava-se na extremidade da aldeia, já praticamente dentro do pinhal. A salamandra que estava ali junto à parede teria que ser alimentada pelo combustível que ela e os meninos e meninas conseguissem armazenar, para que o frio do Inverno que se aproximava não lhes tolhesse os dedos de tal forma que não conseguissem escrever. No inverno a salamandra serviria também para aquecer o almoço que trazia de casa numa marmita, em vez do aquecedor a petróleo que por estes dias ainda estava a usar.

E olhava para os meninos da quarta classe. No fim do ano partiriam para a sua vida, sem mais aprenderem. Claro que iria fazer tudo para que pelo menos alguns prosseguissem os estudos no colégio da vila. As tardes dos domingos de Maio e Junho seriam boas para os levar para sua casa e os preparar melhor para o exame da quarta classe e, eventualmente, para o exame de aptidão ao liceu.E não lhes levaria dinheiro, mas oferecer-lhes-ia uns bolinhos e sumos para gostarem de passar as tardes de domingo a aprender.
“Senhora, o catcharro não tem água”, repetiu o garoto, olhando para a professora. Será que aquela senhora tão bonita, que diariamente vinha de carro da vila e que este ano era a professora deles, não o tinha ouvido? O pequeno vestido com umas calças bem coçadas e uma camisa xadrez aproveitada de outra anterior usada pelo pai não destoava dos companheiros e tinha os dedos bem negros pela ardósia e pelo lápis do mesmo material com que nela ia escrevendo letras e números. Vontade não lhe faltava para poder ir lá para fora brincar e apanhar míscaros à volta dos pinheiros, que já era o tempo deles. Mas a professora a que chamava senhora pareceu de repente ter dado pela pergunta pela primeira vez e perguntou-lhe onde estava o “catcharro”. O menino deixou a carteira e dirigiu-se para a pequena mesa no canto da sala, mostrando-lhe um recipiente que de facto não tinha água.

Afinal o “catcharro” era um púcaro de barro, daqueles colocados nos pinheiros para recolher a resina que saia dos cortes feitos no tronco. Ali dentro da sala de aulas tinham-lhe dado outra função. Era o depósito de água onde os alunos iam molhar o panito com que limpavam o que iam escrevendo nas suas lousas de ardósia negra. E o menino lá foi com o púcaro até à torneira do exterior enchê-lo de água. E a pequenada continuou a escrever e a limpar e a aprender tudo aquilo que uma única professora, numa impossibilidade tornada realidade lhes ia ensinando numa não muito remota aldeia portuguesa, numa década em que, antes que acabasse, o homem iria à Lua.
 Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 13 de Outubro de 2014