Ao propor o desafio de escrever sobre cidadania, o Director do Campeão das Províncias sabia bem as dificuldades em que colocava quem aceitasse o repto.
Aceitando escrever sobre cidadania, estou bem consciente de que, no meu caso pessoal, não poderei ir pela exploração dos conceitos filosóficos, que obviamente não domino, pretendendo tão-somente discorrer sobre as questões práticas que lhe estão ligadas.
Desde logo, o termo cidadania deriva da palavra cidade, no seu sentido comunitário, o que significa que ninguém pode ser cidadão sozinho. Tanto do ponto de vista político como do ponto de vista jurídico, o exercício da cidadania obriga a um relacionamento com os restantes elementos da sociedade, assumindo o respeito por um conjunto de deveres e direitos, em igualdade de circunstâncias.
Representando uma perspectiva minimalista do exercício dessa mesma cidadania, há quem considere que, para se ser bom cidadão, bastaria então cumprir todas as leis, por ter automaticamente acesso aos chamados direitos de cidadania, em virtude de se ser cidadão (logo, tendo uma atitude passiva). A cidadania seria, desta forma, o exercício rotineiro dos seus direitos e obrigações; por exemplo, indo votar sempre que há eleições, ou pagando os impostos devidos. Fazendo o mínimo, na convicção de que basta esse mínimo para ser cidadão pleno.
Nada de mais errado, a meu ver. Isto acontece porque muita gente confunde hoje em dia os deveres com os direitos.
A cidadania exercida sem uma atitude de aproximação aos outros cidadãos é inteiramente vã. Cria apenas uma sociedade fria e burocrática, que funciona bem oleada, de um ponto de vista estritamente mecânico. Pode até suceder que a generalidade dos indivíduos cumpra os seus deveres, mas não se cria uma comunidade coesa. A cidadania plena implica um esforço de compreensão pelas dificuldades dos outros cidadãos. Desde logo, porque à igualdade formal em deveres e direitos perante a lei se sobrepõem as desigualdades reais, enquanto indivíduos naturalmente diferentes. O exercício da cidadania exige a prática de deveres, implica a construção de plataformas de entendimento e pontes com os outros cidadãos, nos mais diversos níveis. Por isso é tão necessária a existência de associações que agreguem cidadãos com perspectivas semelhantes da organização social e da definição de objectivos de futuro e sua prossecução, como é o caso dos partidos políticos, por exemplo, cuja importância social tantos tentam denegrir.
Mas a cidadania não se esgota com a actividade política. Uma sociedade bem estruturada não prescinde de uma rede de ligações entre cidadãos que permita o exercício de solidariedade organizada, como por exemplo as numerosas Organizações Não-Governamentais ou as Instituições Particulares de Solidariedade Social, que, através do voluntariado de cidadãos, preenchem as lacunas no apoio aos desprotegidos da sociedade, a quem o Estado por qualquer razão não chega. Exige ainda a existência de estruturas de organizações apartidárias, que agregam cidadãos com interesses semelhantes patrocinando a livre discussão de temas importantes, esforçando-se por contribuir para melhorar um ou outro aspecto da organização social, como é o caso dos “Clubes de Serviço” (exemplo dos Lions e Rotários). Muitas outras formas de participação cívica existem, servindo praticamente todos os gostos, desde a publicação de artigos de opinião assinados à participação em Associações de Pais, entre tantas outras.
As novas tecnologias permitem novas intervenções cívicas mais ou menos personalizadas, possibilitando a qualquer cidadão a activa – e imediata – intervenção na sociedade, como é o caso dos “blogues”.
Fundamentalmente, o que é necessário é ter a consciência de que só somos verdadeiramente cidadãos em liberdade e exercendo os nossos direitos cívicos, quando temos consciência dos deveres para com os outros cidadãos, e os exercemos efectivamente.
Publicado no Campeão das Provincias em 24 de Abril de 2008
1 comentário:
Inspirador... muito obrigado.
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