Neste ano em que o
1º de Dezembro voltou a ser feriado, perante tudo o que li e ouvi, não posso
deixar de partilhar algumas notas pessoais sobre esta data.
Esta data é das
mais impressivas na minha memória. Quando tinha uns dez anos de idade e vivia
em Oliveira do Hospital, com a Serra da Estrela ali em frente coberta de neve
nessa altura do ano, lá íamos todos nós marchar às nove da manhã para umas
cerimónias que não recordo, mas que tinham a ver com as comemorações do 1º de
Dezembro. O que recordo sim, é que estava um frio de rachar e que a farda da
"Mocidade Portuguesa" contemplava uns simples calções e uma camisa
com as mangas dobradas pelo cotovelo. A minha Mãe, com o maior carinho, enchia
tudo por baixo da farda com a roupita mais quente que encontrava, de forma a
que não se visse por fora e que disfarçasse um pouco o frio.
Durante o Estado
Novo o 1º de Dezembro foi sempre uma data marcadamente celebrada e ensinada aos
jovens como sendo a data da Restauração, por ser aquela em que “corremos com os
espanhóis” e recuperámos a nossa independência. Essa celebração tinha um forte
cunho patriótico e mesmo nacionalista, pela glorificação do povo português e diabolização
dos espanhóis. Na realidade, Filipe II de Espanha apenas havia herdado o trono
português depois dos disparates do nosso Rei D. Sebastião, que ele próprio
Filipe tinha tentado dissuadir de ir para o desastre de Alcácer Quibir. Tudo
tinha a ver com as famílias que detinham e governavam os seus reinos,
estabelecendo entre si acordos familiares pelos casamentos, pelo que os reinos
iam e vinham consoante as heranças, os casamentos e as guerras que irmãos e
primos faziam entre si. Não havia ainda na altura o conceito de Estado-Nação. Anos
antes, houvera igualmente tentativas dos nossos reis para virem a herdar os
reinos de Espanha por via da política de casamentos o que, por mero acaso, não
veio a suceder. O 1º de Dezembro de 1640 foi um golpe de algumas elites na
tradição acima referida e não uma revolta popular. Por mim, tenho um grande,
muito maior respeito pelo que se passou entre 1383 e 1385, vendo aí verdadeiros
motivos de celebração que, no entanto, passam ao lado dos feriados e das comemorações
nacionais. Talvez porque o povo teve aí um papel decisivo.
Entendo, apesar de
tudo, que alguma data deve haver para celebrar a independência de Portugal. Não
havendo tradição na celebração da fundação essencial pelo acordo entre o nosso
primeiro Rei Afonso e seu primo D. Afonso de Castela em 1143 ou da entronização
do nosso Rei João I, o 1º de Dezembro também poderá servir para o efeito.
É por
isso que lamentei que esse feriado tivesse sido suspenso pelo governo de Passos
Coelho e fico satisfeito com a sua reposição. Mas não posso deixar de me
referir ao comentário de que essa suspensão do feriado se teria dado para
apoucar ou menosprezar a data. De facto, numa situação de desespero económico-financeiro
como aquela por que passámos em 2011/2013, faz todo o sentido puxar o mais
possível pela produção nacional e os feriados contribuem, obviamente, para a
reduzir. Para aqueles que se referem a esta situação com algum sarcasmo
lembrarei muito simplesmente o célebre "dia de trabalho para a nação"
de Vasco Gonçalves. Quando a situação é de penúria, fazem-se sacrifícios e quem
não entende isto não pode cuidar do bem comum. Devo ainda recordar que a
reposição deste feriado no corrente ano apenas antecipou em um ano o que estava
anteriormente previsto para a sua reposição, que se verificaria em 2017. Numa
situação em que, depois de os portugueses terem passado por grandes sacrifícios,
já não dependemos do estrangeiro para todas as nossas contas, passamos a poder
fazer escolhas. É por isso que fico satisfeito por voltarmos a poder prescindir
da produção de um dia de trabalho, gozando de um feriado que relembra a
recuperação da Independência.
O que ouvimos dos principais responsáveis
políticos neste 1º de Dezembro foi, contudo, lamentável a todos os títulos, por
demonstrar falta de respeito pelos sacrifícios por que os portugueses passaram na
sequência do resgate que nos trouxe a troika, chamada in-extremis em 2011
situação que, essa sim, significou verdadeira perda da nossa soberania. Façamos
votos para que os responsáveis pela governação, na tentação do fácil e
imediato, nunca mais nos coloquem na necessidade de pedir resgate seja a quem
for, até pela situação gravíssima que os diversos nacionalismos a ressurgir por
esse mundo, mas principalmente na Europa, nos poderão vir a criar.
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