Uma das marcas mais conhecidas de Portugal em
todo o mundo chama-se NRP (Navio da República Portuguesa) Sagres e é um veleiro
majestoso que serve de navio-escola à Armada Portuguesa. Todos os anos os
cadetes da Escola Naval e futuros oficiais de Marinha embarcam na Sagres para
durante uns meses, em condições reais de mar, treinarem e tomarem contacto real
com a vida no mar.
Para além disso a Sagres serve muitas vezes
de representação portuguesa no estrangeiro. Pessoalmente lembro-me, em
particular, da participação da Sagres nas comemorações do bi-centenário dos EUA
em 1976, juntamente com muitos outros navios de todo o mundo, em que o rio
Hudson foi palco de uma magnífica manifestação festiva náutica. A Sagres, com a
seu velame branco ostentando as cruzes de Cristo a vermelho distinguia-se
orgulhosamente no meio das centenas de embarcações envolvidas.
Sendo um navio-escola, o seu lema é o da
Escola Naval - «TALANT DE BIEN FAIRE» que vem do século XIV e
do início dos
descobrimentos, significando VONTADE DE BEM FAZER e não capacidade ou talento
para tal, como apressadamente muitos dizem, não notando na letra «a» da palavra «talant».
A Sagres tem igualmente participado
dignamente ao longo dos anos em numerosas regatas de veleiros, sempre com
classificações de altíssimo nível e vitória em muitas delas. É tradição que as
Marinhas de Guerra possuam veleiros servindo como navios-escola, todos eles de
grande beleza que usualmente participam nessas regatas. Lembro-me, por exemplo,
do «Amerigo Vespucci» da Marinha Italiana, do «Juan
Sebastián de Elcano» da Marinha Espanhola, do «LIBERTAD» da Marinha Argentina,
do «Eagle» da Guarda Costeira Americana e do «Tovarisch» (camarada em português)
da antiga Marinha Soviética, entre outros. Como é natural, nas regatas de
veleiros os motores vão selados para não serem utilizados mas curiosamente,
entre os marinheiros das outras armadas, o «Tovarisch» era mais conhecido por “motorisch”
pela utilização ilegal dos motores para que fosse possível à respectiva
guarnição regressar a casa bem classificada, evitando dissabores das
autoridades políticas. Toda a gente sabia e ninguém levantava ondas por tal
facto, por camaradagem entre marinheiros.
A Sagres tem uma história que muitos
portugueses desconhecem. Foi construída na Alemanha em Hamburgo em 1937, sendo
o terceiro de uma série de três navios construídos por encomenda da Marinha
Alemã. Recebeu o nome «Albert Leo Schlageter» e, no fim da guerra, foi entregue
aos Estados Unidos que, por sua vez, o cederam ao Brasil onde navegou sob o
nome «Guanabara». Em 1961 foi adquirido por Portugal para substituir a antiga
Sagres que já não se encontrava em condições de cumprir os seus objectivos como
navio-escola. Foi assim que, em Janeiro de 1962, o actual NRP Sagres foi
aumentado ao efectivo dos navios da Marinha Portuguesa. Como curiosidade, os
outros navios gémeos da Sagres construídos em Hamburgo tiveram como destino um,
a União Soviética – «Tovarisch» e o outro os EUA – «Eagle».
O primeiro Comandante da Sagres chamava-se
Silva Horta, era na altura Capitão-tenente e tinha sido igualmente o último
comandante da anterior Sagres, tendo sido um Oficial distintíssimo da Marinha
Portuguesa que viria a ser Almirante e exerceria ainda altos cargos na Marinha
e na vida civil e política do país. A ida da primeira guarnição portuguesa para
aparelhar convenientemente a Sagres e trazê-la na sua primeira viagem para
Portugal revestiu-se de contornos trágicos, de que tomei conhecimento em
primeira mão por um dos membros dessa guarnição, nessa altura Sargento, e com
quem vim a trabalhar num navio quando prestei serviço militar obrigatório na
Marinha, era ele já Oficial. O avião da PanAir que os transportou para o Brasil
despenhou-se numa floresta brasileira e, das 88 pessoas a bordo, apenas
sobreviveram 36 entre as quais os marinheiros portugueses que, por sorte,
viajavam na cauda do avião que ficou inteira. Silva Horta comentaria a sorte
que teve porque, à saída de Lisboa uma passageira lhe pediu para trocar de
lugar, tendo perecido no acidente. Mas as circunstâncias do acidente não
ficaram por ali. Os militares portugueses, alguns com ferimentos graves, ao
verificarem que o avião poderia explodir por estar a arder, o que de facto veio
a acontecer, retiraram com grande dificuldade todos os sobreviventes para longe
do aparelho, muito antes de chegar qualquer socorro. A descrição vívida que o
Tenente Custódio me fez do acidente, queda e posteriores acontecimentos é algo
que não se esquece facilmente.
Depois de tudo, a nova Sagres largou do
Brasil em 25 de Abril de 1962, pela primeira vez com a bandeira portuguesa,
chegando a Lisboa em 23 de Junho após escalas em Recife, Mindelo e Funchal.
A Sagres é hoje, provavelmente, a única
memória viva do país que já fomos, nos séculos XV e XVI, em que a nossa Marinha
era a maior e mais importante do mundo. Não devemos ter saudosismos estéreis
mas também não devemos ter vergonha de um passado em que fomos capazes de
mostrar ao mundo a sua verdadeira dimensão.
E,
como dizia o Almirante Silva Horta, «Um navio de vela tem muita beleza própria,
não se desactualiza e é o único que pode representar, sem ser objecto de
comparações melindrosas, a pequena Marinha de um país pequeno, num porto de um
qualquer país, grande e poderoso». Longa vida à Sagres e aos
seus marinheiros que hoje contam com mulheres, prova da evolução da nossa
Marinha e de um Portugal que hoje tem que se afirmar já não lá longe, mas junto
dos povos de quem saiu desde o seu início, na Europa.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 18 de Janeiro de 2021