Com os partidos em pré-campanha eleitoral não deixa de ser interessante verificar como determinados temas surgem de forma aparentemente contraditória com a respectiva colocação ideológica.
Perante a questão colocada de como encontrar financiamento para as numerosas propostas que provocariam uma elevada despesa pública, o Chega não esteve com meias medidas e avançou com uma taxa especial sobre os lucros dos bancos que automaticamente permitiria diminuir as prestações bancárias relativas a empréstimos imobiliários e assegurar aumentos de pensões. Algo que, estamos bem recordados, é muito semelhante a uma proposta avançada há pouco tempo pelo Bloco de Esquerda. Neste caso, tratando-se de um partido marxista, até se compreende a proposta, facilmente enquadrável na velha teoria da “luta de classes”. Já com o Chega, que navega nas águas de uma direita dita radical, como compreender ideologicamente tal proposta? Dificilmente, vendo-se apenas o populismo puro e duro como justificação. O que, como se costuma dizer, leva a considerar que os extremos se tocam, até mais frequentemente do que seria de imaginar.
Na realidade é hoje claramente perceptível que a teoria da luta de classes teve uma difusão pela política portuguesa que não seria de esperar no sec. XXI, certamente resultado da geringonça, cuja oposição ao privado levou ao fim dos contratos de associação e das PPP na Saúde com os resultados que se conhecem. Fazendo o caminho inverso ao de Mário Soares que há muito tinha “metido o socialismo na gaveta” abraçando em definitivo a social-democracia europeia antes da entrada na CEE. Hoje, faz-se uma confusão propositada entre socialismo e social-democracia. Mas enquanto aquele, sem adjectivo ou mesmo juntando-lhe o democrático, parte do princípio da colectivização da economia (e não só) como base, já a social-democracia, tal como o modelo nórdico pós-guerra mostrou, prevê a redistribuição dos resultados da economia para obter justiça social, mas com um sistema capitalista. A diferença resulta clara no episódio da ida de Otelo Saraiva de Carvalho nos tempos do PREC à Suécia, quando disse a Olof Palme que ia acabar com os ricos em Portugal tendo o primeiro-ministro sueco respondido que lá, tentavam acabar com os pobres…
E, por falar em pobres, está na moda os políticos populistas prometerem aumentar o ordenado mínimo nacional para 1.000€ em pouco tempo. De facto, Portugal é dos poucos países europeus em que o OMN é inferior a esse montante, o que é uma vergonha para todos nós, já que o custo de vida esse, é por cá muito parecido com o dos restantes países europeus. Mas prometer isso é fácil, tratando-se de um valor administrativo que se estabelece por decreto. Desde 2015, o OMN subiu cerca de 50% o que parece bom. Só que o ordenado médio subiu, no mesmo período, apenas 25%, pelo que os dois valores se aproximaram muito. E o salário médio é o que verdadeiramente reflecte a nossa economia, que não consegue melhor do que cerca de 1400€ brutos quando uma relação saudável entre os dois valores, dado que o ordenado mínimo é hoje de 820€, implicaria que o salário médio deveria ser de cerca de 1.900€. Há cada vez mais pessoas a ganhar o ordenado mínimo e o médio é tão baixo que, em consequência, muitos jovens licenciados escolhem emigrar a viver na nossa miséria franciscana. Os ordenados, ao contrário do que os populistas de esquerda e de direita tentam dar a entender, são um ponto de chegada da economia e não de partida. Quando continuamos a usar os dinheiros brutais que a União Europeia nos envia a substituir o que deveria ser função do Orçamento de Estado e não para capitalizar e desenvolver a nossa economia, o que estamos a fazer é mais uma vez a gastar o “ouro do Brasil” como fizemos no sec. XVIII. Devíamos olhar para a História e ver as consequências disso que desaguaram na tragédia económica de todo o sec. XIX e boa parte do sec. XX.
Mas reconheço que, perante os populismos a que assistimos, conhecer minimamente as lições da História seria pedir demais aos políticos de hoje tantos deles formados nas juventudes partidárias e em obsoletos manuais marxistas. O crescimento e desenvolvimento do país exigem, contudo, uma alteração profunda do caminho seguido até aqui que tem levado a uma divergência com a Europa durante os últimos vinte e tais anos. Será que os portugueses têm coragem para exigir isso de quem nos governa?
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 22 de Janeiro de 2024
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