O nosso sistema público de educação atravessa uma crise de uma gravidade profunda, que abrange já tanto professores como alunos, o que deve reconhecer-se não ser nada habitual.
O detonador desta situação foi o sistema adoptado para a avaliação dos professores.
Como em todas as classes profissionais, haverá maus professores, mas devemos reconhecer que, na sua esmagadora maioria, são profissionais competentes e interessados em educar bem os seus alunos. E fazem-no dentro de um sistema que parece hoje mais apostado em conseguir boas estatísticas do que em educar capazmente os cidadãos de amanhã.
Não é possível ignorar, ou mesmo acusar de manipulação, uma classe especialmente bem preparada em termos de cidadania, que em poucos meses faz duas manifestações nacionais com uma participação bem acima dos 50% de todo o seu universo.
É claro para quem observa de fora que os próprios sindicatos foram completamente ultrapassados em todo este processo. Foram-no em Março aquando da 1.ª manifestação, e foram-no agora quando os professores nas suas escolas, um pouco por todo o país, ignoraram o “memorando de entendimento” assinado entre o Ministério e os sindicatos. Vir igualmente acusar os alunos que agora aproveitam a boleia da confusão instalada nas escolas para fazerem as suas próprias e incipientes reivindicações é no mínimo caricato. Para quem anda sempre com o Maio de 68 na ponta da língua, vir classificar as atitudes infantis dos estudantes como manifestações anti-democráticas é, pelo menos, um pouco estranho.
Uma correcta avaliação de desempenho que permita aos melhores uma progressão na carreira mais rápida, através da acumulação de pontos, é perfeitamente normal. Se há alguém familiarizado com a avaliação de desempenho são os professores – fazem-no diariamente aos seus alunos. Também por isso desenvolveram uma sensibilidade muito grande à qualidade dos sistemas de avaliação.
E não podem concordar com o sistema que os dividiu em professores e professores titulares com recurso a critérios porventura coerentes em teoria mas completamente desajustados da realidade, dando origem a situações de injustiça concreta.
Também não lhes parece normal, por exemplo, que os professores que chumbem (perdão ao eduquês: que retenham) mais de três alunos não possam ser muito bons ou excelentes.
Por isso se vê hoje um elevadíssimo n.º de professores com muitos anos de carreira e considerados como modelos pela sua competência, a pedir reforma antecipada, o que não é nada favorável à qualidade de ensino, antes faz prever ainda mais degradação.
Os sistemas de avaliação de desempenho são importantes e necessários, mas são apenas instrumentos, e não são únicos. Não podem nem devem ser encarados como um objectivo em si mesmo, muito menos como sendo redentores de um sistema decadente, quase como uma religião, ainda por cima defendida de forma quase fanática.
Publicado no Diário de Coimbra em 17 de Novembro de 2008